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sábado, 16 de março de 2013

BRASILEIRO TEM FOBIA A NOSSA HISTÓRIA

Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

    É necessário fazer, de vez em quando, alguma reflexão sobre o assunto. Uma delas: - Qual a razão de escondermos a nossa historia, seja a política, seja a dos costumes, seja a familiar? Qual o motivo psicológico profundo de tantos crimes e de tantas leis, agora, como se as leis escritas apagassem as ações, como se tivessem poder de transferir o caráter pelo sangue. Daí, costumamos dizer que da mistura de portugueses, indígenas e africanos não poderia vir coisa melhor. Esse tipo de pensamento é reacionário, indiscutivelmente; é ter o mundo como imóvel, morto, e a sociedade, filha desse mundo, qual fosse uma múmia. 

          Aqui, um pequeno lembrete: - Hoje, um dos países mais desenvolvidos é a Austrália, se bem que muito mais nova que o Brasil, tendo sido sua população, em grande parte, originada em assassinos e ladrões que os ingleses mandavam para lá, como se fosse uma colônia penal. Isto e outras coisas mostram que a virtude, a moral, a ética não estão no sangue, no DNA.  Todas são resultado da transformação do homem individual e social, num mundo que a cada momento perde sua feição e se transforma noutro. Talvez esses argumentos sejam os motivos principais dessa crônica. Não nos queixemos por que fomos colonizados pela mistura de brancos portugueses, de selvícolas e verdadeiros donos da terra e de africanos escravos. Fizeram os portugueses o mesmo que outras colônias faziam, inclusive os Estados Unidos, naquele tempo apenas Colônia Inglesa na América. Então, como esquecer o nosso passado e não apreender, com ele, os nossos erros e a forma de repará-los? Com o esquecimento, não vamos poder comparar o que fomos com o que somos. Vamos ficar soltos no mundo moderno, sem balizas, sem referências.

    Quantos episódios de nossa história são esquecidos e mal pesquisados e interpretados!  Por que fomos o primeiro reinado e o primeiro império das Américas, vamos ficar como vergonha disto?  Ou nós somos, hipocritamente, como os primeiros portugueses, os da esquadra de Cabral, envergonhados das índias e índios com suas vergonhas de fora?  E hoje, o que somos? Será que nos rendemos, em termo de costume e vestuário, ao passado, ou somos os inventores do nu? Olhemos nossos Carnavais, novelas e festas diversas.  

D. João VI era um rei bobão que vivia com a D. Maria, a louca. Seria? Por que tanta anedota em torno de nós mesmos? Passemos, portanto, a divulgar uma das mais saudáveis da nossa tradição: – Era no tempo da Inquisição, foi a rainha D. Maria, a louca, que resolveu o caso de um navio perdido, no oceano, cheio de judeus e cristãos novos, o qual foi mandado da Europa para o Brasil, ninguém sabe por quem, pois sempre fomos considerados terra de ninguém (isto é, que aceitava tudo). A sentença da Inquisição seria queimá-los em fogueira, mas a rainha teve pena os recebeu, livrando-os desse infortúnio. Eles aportaram nas praias do Ceará e lá viveram por séculos, cruzaram com os da terra e desenvolveram-na. O Ceará, hoje, é um dos Estados mais progressistas do Nordeste - região quase toda ainda em atraso em relação ao Sul. O cearense é povo inteligente e vivo, trabalhador e consciente, além de amante de sua terra, haja vista a forte literatura, arte e cultura que lá foram implantadas e prosperaram. Diz-se, talvez inventado por um deles (cearenses), que “as meninas cearenses são dotadas de belezas”.  É o bairrismo comum, claro.  

Já os historiadores novos, que estão na vanguarda dos estudos históricos e antropológicos, acabam de derrubar a mentira de que D. Pedro I, nosso primeiro Imperador, aquele que nos ofereceu, apoiado pelos brasileiros ilustres da época, especialmente José Bonifácio de Andrade e Silva, a mais progressista Constituição, do país, naquela época. Essa é a verdade. A lenda de ser namorador e mulherengo, de que o Príncipe (depois Imperador) espancava suas mulheres, está perto de ser desmascarada com as pesquisas dos corpos do Imperador e da Imperatriz D.Leopoldina, exumados no Museu do Ipiranga. Ela – diziam - teria sido espancada por ele muitas vezes e, em consequência disto, vindo a falecer. Mas, pelas primeiras análises, não houve nada disto.

           Por fim, recebi um recorte de jornal da Paraíba, onde está registrada a manchete: “Família de Antônio Silvino prefere esquecer a história do fora da lei. Em seguida, lamenta o jornalista Hilton Gouvêa, do jornal “A União”, de João Pessoa: - “Um filho do ex-cangaceiro Antônio Silvino, que na realidade se chamava Manoel Batista de Morais (o filho), morreu com quase cem anos, numa discreta casa de Jaguaribe, onde morava com a família. E com ele se foi um sonho, o de escrever um livro sobre o seu famoso pai, com os detalhes vivos de quem foi testemunha pessoal de alguns episódios protagonizados pelo ‘RIFLE DE OURO’, o homem que se tornou, antes de Lampião, o bandoleiro mais famoso do Brasil”. Conta mais, o jornalista, que, decepcionado, em busca da história de Antônio Silvino, teve notícia apenas de um neto do famoso cangaceiro, cujo nome não conseguiu e só apenas o sobrenome “Morais”, depositário de toda uma lembrança e naturalmente alguns objetos testemunhos da vida do avô. “Morais”, tendo falecido, deixara com a mãe um recado: “Não quero mais publicidade com o nome de meu pai.  O cara famoso era meu avô. Meu pai era apenas filho de Antônio Silvino”.


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

CAMINHOS OU ESTRADAS?

 Francisco Miguel de Moura


Por que o poeta escolhe os caminhos
Onde deixa rastos de viagem,
Em busca do que quer e ama?

E o caminhante pode ir sozinho, à toa,
Passear entre as flores ao rés do chão,
Com os pássaros cantando nas ramadas...
E assim descansar suas canseiras
Da vida, que, às vezes, nos engana,
E traz venenos que precisam cura
Da natureza tão bem vinda, de graça.

Os caminhos de hoje são estradas sem fim,
Poluídas por carros de mau cheiro de fumaça
E deixam seu veneno em vez de flores,
E a música é de pneus raspando o asfalto,
E da estrídula buzina furando nossas oiças.

Caminhos e veredas eram de corpo franzino
E espíritos fortes, com seus frutos doces,
Que caíam, sem conta, a nossos pés,
Além do orvalho a lavar o nosso rosto.

Que saudade dos caminhos sem rótulos,
Sem placas, sem sinais, e, em cada árvore
Conhecida, a marca de singular lembrança
Da passagem, ida e volta, e a pretensão.

Importante não era chegar e voltar logo,
Era ir sempre em frente e em direção
De uma esperança, o futuro, uma emoção.

Estrada é preta, é morte, e caminho é salvação.

                                  Teresina, 27/02/2013

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

RAÇA HUMANA, O QUE É ISTO?

Somos gênero humano e não raça
 

Francisco Miguel de Moura 
Escritor, membro da Academia 
Piauiense de Letras.






Como a ciência arqueológica já demonstrou, até agora, há enormes possibilidades de que o “homo sapiens” seja originário da África, possivelmente daquela região onde hoje se encontram a Etiópia, a Tanzânia e o Quênia, conforme pegadas e restos de “hominídios” encontrados por ali, com data de mais ou menos 3,6 milhões de anos. E assim se expressa o historiador Geoffrey Blainey: “Na Tanzânia, descobriu-se um registro primitivo pelo qual se conclui que dois adultos e uma criança caminhavam sobre cinza vulcânica amolecida por uma chuva recente. A seguir, as suas pegadas foram cozidas pelo sol e, aos poucos, foram cobertas por camadas de terra; as pegadas, definitivamente humanas, têm mais de três milhões e seiscentos mil anos”. E continua o historiador mencionado: “Embora, até mesmo isso seja considerado um fato recente na história do mundo contemporâneo, pois que os últimos dinossauros foram extintos há cerca de 64 milhões de anos”. Fato líquido e certo é que há 2 milhões de anos “hominídios” viviam na África, eram poucos e de menor altura do que seus descendentes que hoje povoam a Terra, todos os continentes.
Assim, seguindo também a tradição bíblica, Adão teria nascido na África e tinha cor negra (a boa cor), e todos somos afro-descendentes. Eva veio depois – ninguém sabe quanto tempo demorou para que ela aparecesse na terra – também possivelmente era preta (ou já havia amorenado até chegar aonde Adão se encontrava, na verdade um paraíso, pois havia campos planos para andar, apanhar frutos, rios para pescar, matas aonde caçar e por onde correr para as cavernas, seus abrigos. Claro, havia muito cuidado para se livrarem da serpente (ou as serpentes, de modo geral), mas Eva parecia ainda não saber disso e se deu mal. Trata-se do Éden, presente de Deus.
A outra raça que julgam ter existido mais ao norte, no continente que se chama hoje Europa, foi a do homem de Neanderthal, uma espécie que a maioria dos pesquisadores e cientistas dizem ter desaparecido sem deixar descendentes. Possivelmente, porque morreram todos de fome e frio, e de guerras entre si. Suponho eu que tenham sofrido mudança na cor da pele e ficado mais claros por causa da neve e do gelo (se realmente não eram outra raça, mas um pequeno ramo do homem de Tanzânia que se desgarrou e afogou-se no tempo).
A chamada raça amarela é outro ramo que talvez, desesperado por falta de alimentos, seus integrantes passaram a correr os desertos da Sibéria e, exaustos e desnutridos, chegaram à China e à Oceânia, ali encontrando campos excelentes, onde havia arroz em abundância, para comer. E de tanto comerem desse cereal e outros semelhantes, tomaram essa cor menos preta. Mas é preciso dizer também que um dos países mais populosos do mundo, hoje, é a Índia, povoada predominantemente por gente de cor morena, herança da boa raça. Talvez porque da mãe África não estava a Índia tão longe.
Como que voltando às origens, os amarelos hoje começam a imitar os costumes ocidentais, inclusive mudando, com cirurgias, o tipo de olho puxado, que é o que mais os diferenciam de nós, os filhos da mãe África, que são sempre mais fortes, vivem mais e procriam mais. Se se fizer uma estatística séria, abrangendo toda a população do planeta Terra, deve ser maioria a raça negra e congêneres: mulatos, morenos, etc.
Então, pensar bem é considerar a verdade da nossa origem e que os africanos estão mais próximos dessa origem. Pensar também que Eva (a primeira mulher), tenha sido criada à semelhança de Adão - a diferença maior está no sexo, para facilitar o crescimento do “hominídio” em quantidade – porque, em qualidade, segundo Geoffey Blainey – baseado nos melhores estudos da área – “entre os últimos 500 mil e 200 mil anos, o cérebro humano sofreu (sic) um crescimento notável em volume, e isso foi um grande acontecimento na história das mudanças biológicas”.
Vamos pensar que Jesus-homem era moreno, como descendente de judeu. Vamos acabar com o “racismo”, de uma vez por todas, que é muito melhor. Vamos considerar todos iguais, todos inteligentes e descendentes do “homo sapiens”. Que as diferenças sejam tratadas como tendo causa nas circunstâncias do tempo e nas condições que lhes foram colocadas, ou a que eles se apegaram por tantas razões que não cabem ser aqui analisadas. E considerar o dito e o interdito como verdade. Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, que escreveu “as coisas são o último sentido oculto das coisas”, assim, eu digo que “A VERDADE É O ÚLTIMO SENTIDO OCULTO DA VERDADE”.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SIDERAÇÕES

Francisco Miguel de Moura*


O sentido das coisas paradas se enrolam
Na intenção das pessoas desencantadas.

Ninguém sabe viver sua hora,
Ou sua eternidade.
Ninguém aprende que melhor seria
Se nada soubesse.

E se o amor dá sentido à vida...
Qual vida e qual presente?  
E qual amor? Um siderante amor?

Andam em dupla por ondas salgadas,
Ou sonoras, atrás de corais e lodo
Tristes, na falta do sol e do vento.

O amor permanece na parte escura
Dos olhos da alma: o DNA das coisas
E das vidas unidas aos pedaços.

Estamos nessa nuvem perdida
Entre céus de cometas e asteróides.

Assim, quanto espero do amor:
Posso nem vê-lo, menos alcançá-lo?
Devo esperar não perder a espera
Mais a esperança.
Sem entender, e isto já eleva.

Todos deveriam estar contentes consigo
E o mundo jamais ia parar. Nem doer.

______________
*Poeta brasileiro, com vários livros publicados.
 Endereços:
 e-mail:franciscomigueldemoura@gmail.com
Av. Rio Poty, 1870 – Ap. 603
64049-410 – Teresina, Piauí - Brazil

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

CARÁTER E ÉTICA, O QUE É ISTO?

                        
*Francisco Miguel de Moura  
            Escritor


Hoje tanto se fala quanto escreve sobre ética que a palavra parece ter-se tornado chavão, lugar comum.  Lemos aqui, ali e acolá: “Aquele Fulano é ético”, principalmente se o fulano é político ou administrador público.  Porém, esquecem de falar sobre sua moral, sua vergonha, seu caráter. Eis a palavra “chave”, transfigurada noutra palavra, a banalizada ética. Para mim, moral e ética são as as duas bandas da maçã: - a fruta sã do caráter.

Não gosto de andar repetindo os clássicos a todo instante, mas, nesta altura, sou obrigado a lembrar a célebre frase do grande escritor Oscar Wilde (1854-1900): “Chamamos de ÉTICA o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de CARÁTER.” (in “Jornal Ação”, ed. ANABB, nov/dez /2012).

Nenhuma frase é mais clara do que a do romancista de “O Retrato de Dorian Gray”, cujo autor e obra recomendo como leitura obrigatória. Mostra as diferenças de comportamento entre quem tem caráter e quem apenas tem ética.  Pessoas sem caráter falam mal da imprensa (sem sequer ler um jornal ou revista), falam mal de quem escreve livros e revistas, falam mal de acadêmicos e intelectuais, enfim, de quem gosta de pensar e agir corretamente. Mas falam muito bem de si mesmos. Ah! isto sim, falam: “Eu sou um homem de bem!”. Quem diz ou pensa dessa forma, às vezes até chega a ser um homem de “bens”, mas, na maioria das vezes de origens escusas.

Para ser uma criatura de bem não basta cumprir a lei escrita, ter advogados, ganhar causas e mais causas, arrebanhar riquezas. Nem, na vida, ter profissão de advogado, médico, engenheiro, grande comerciante ou industrial, alguém de posse.  Para ser um homem de bem, é preciso, acima de tudo, ser honesto – a MORALIDADE que hoje rareia, a começar pela palavra - moral - deformada como está a coitadinha. Quem acredita em palavra? O negócio é o preto no branco, o mais é tatatá, tatatá, tatatá!...  Correto? Não, a vida em sociedade não deve ser assim.  Por isto repetimos, para ser um homem de bem é preciso ter CARÁTER, assine papel ou não, saiba cumprir a palavra dada, saiba impor respeito e se impor.  “Creio que está viajando na maionese” - dirão, rindo de mim, os imbecis e que “isto é coisa do passado, coisa de romance, história pra boi dormir”. 

Não é não. Há civilizações por aí que guardam as tradições. Mas falemos no nosso Brasil. A frase é do Vice-Presidente de Comunicação da ANABB (Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil), Sr. Douglas Scortegagna: - “O Brasil tem amadurecido em alguns aspectos e apodrecido em outros. Amadurecido, quando consegue mostrar capacidade singular de superar dificuldades e obstáculos. Apodrecido, quando o cidadão cala, e com isto consente, diante das mazelas que ele condena nos políticos, mas age da mesma forma ou pior”.

O que o articulista diz com isto, assim tão sinteticamente? Que só há tantos corruptos ativos porque há também - e muitos – os corruptos passivos, tanto auferindo altos bônus, como empregos desonestamente, como materiais desviados na surdina da noite... Qualquer que seja o conluio: voto comprado e vendido, louvor, boca calada, medo de desagradar etc. tudo isto soma-se à corrupção geral, aos maus costumes, à falta de caráter da população, e vai virando moda. Como se fosse bonito ser desonesto, ser ladrão dos cofres públicos ou particulares, ser bandido à custa da lei branda organizada e proclamada por causa da Ditadura Militar, para garantir uma menor pena, uma maior liberdade àqueles que lutaram pela volta à Democracia – que infelizmente estamos vendo desmoronar-se a cada ação desonesta, a cada “mau-caratismo” praticado, todos os dias, por cidadãos de altos bens e por cidadão pobres – coitados! – na ilusão de que é assim que se constrói a Igualdade, a Liberdade, a Fraternidade.

Sem firmeza moral não se constrói uma grande ética, sem essas duas virtudes não se constrói coisa alguma, democracia alguma, riqueza alguma, justiça alguma. Se não houver uma mudança rápida e continuada na educação dos homens e mulheres, das famílias, dos filhos, dos alunos e professores, das escolas e métodos de vida e orientação nos sindicatos e nas associações de classe, assim como nos próprios partidos políticos, qualquer progresso econômico é fofo, madeira que o cupim roerá em pouquíssimo tempo. E BABAU, BRASIL!
_______________________
*Francisco Miguel de Moura  - Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, da União Brasileira de Escritores - UE-SP e da IWA - Associação Internacional de Escritores e Artistas, com sede em Toledo, OH, Estados Unidos.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

SELEÇÃO DE POEMAS ESCOLHIDOS

*Francisco Miguel de Moura
                   
BORBOLETA

Desejos fulminantes despertaram
na hora em que o jardim se pôs:
Borboletear a sina,
beijar, sugando amáveis bordas,
sugar profundos cálices,
hímens deflorar.
Bela, bela...
Não há feio quando é fim.

Aqui estás... Aqui o prazo
de duas vidas contínuas:
Último vôo entre espinho
e flor!

Dormir, não acordar,
antegozando a dor da noite funda.

Mais uma vez uma esperança nasce.

SER BRASILEIRO

Quero ser brasileiro
me procuro no campo
de futebol e na pista de automóvel,
estou aqui, ali, acolá, além de lá,
mas não sou Deus nem diabo,
como o pão que ele amassou.
Sou vadio, não faço nada,
só samba e carnaval.
Samba, ora samba?
Carnaval, ora carnaval?
Eu queria encontrar-me brasileiro
na cor, no amor, na paixão.
No trabalho, neste não.
Brasileiro em todo lugar,
de todas as formas,
sem caráter nenhum.

Corri mundo e não me encontro:
Europa, Oceania e África,
Ilhas do Pacífico e Ásia, fui até o Himalaia
e não encontrei Brasil nem brasileiro.

Disseram que ele se chama Washington,
foi pra América, falar inglês
e nunca voltará.

Como é difícil ser brasileiro!

CHEGA O TEMPO

chega o tempo de dizer-se
 o que não se ouviu.

mas as palavras são mistérios
           nem mais soam
           como os sinos
                       nos nossos ouvidos
                       sonolentos

chega um tempo de dizer-se o impossível
e o impossível já foi dito

chega um tempo de calar
e a gente inventa uma maneira triste
de dizer numa língua estranha
um silêncio amordaçado.

SÓ-SÓ-SÓ...

há tempo desci sem projeto
ao inferno de mim mesmo
e descobri-me
o terremoto das almas.

busquei a paz dos anjos coxos
de asas partidas, ventas quebradas.

e entre reticências e grifos
minha sofreguidão
comprazia os deuses.

o grito de minha carne
tomba lá embaixo:
face retorcida, olhos afogueados
dentes pelos cabelos.

não duvidei da eternidade:
foi tenra idade (e pouco siso?)
e o meu começo do fim.

e há minutos perdia o céu
quase de todo impossível.

ÊXTASE E SUOR

Sou perfume de mim e odor do mundo
para que a terra me cuspa.
O sopro que me der
me enterrará fundo,
frio de fazer corpo e alma se unirem.
E ao infinito e à luz,
que meu suor
jamais sirva de foice ou gume.

A dor com que me cortam
com  explosão
seja lembrada em mansa contramão.

Ao meu último perfume, o mundo furta
a cor e deita
maus bocados ao cão que ama.

Deito-me agora em êxtase de fé,
levando o vento limpo à pele e ao imo
pela mão.

 FEITIÇO CAPITAL

A máquina engole o ar da sala,
anula a persona
toma o espaço e a luz das palavras.

Séculos de poder, ciência, escravidão
e glória (talvez  prisão)
para não mais dizer-se.

O espectro é um silumacro,
nem oratório nem oráculo,
donde a voz de Deus não soará,
mas o tom  do mercado
e a sombra do dragão devorador.

Ditará a solidão aos homens,
às casas de um só,
às almas opressas na multidão.

TROVANDO O TEMPO

O tempo é meu grande apelo:
Não tem começo nem fim:
Enquanto eu passo sem vê-lo,
Ele me vê sempre a mim.

Posso fazer o que é dele
E ele vai passando assim:
Enquanto não penso nele,
Ele só pensa em meu fim.

A vida é morte, mas ele
Não tem começo nem fim.
Sem o meio – meu e dele,
O que seria de  mim?

Tudo isto é muito belo,
Vivendo tim por tintim,
Portanto, perder seu elo,
Seria muito ruim.

Porém se perco este anelo,
Faço o crime de Caím:
Enquanto o mato, ele é belo,
Mas, se me mata, ai de mim!

Vou terminar por aqui,
Pois que isto não tem fim:
Eu só vou até ali,
Mas ele diz: Sou assim!

Se és assim  ou  assado,
Tempo, faz algo por mim:
Sem presente nem passado,
Dá-me a lâmpada, Aladim!


TROCA D'OLHOS

              para fernanda

Estranhou meus olhos
Como eu sou estranho!
- “Quando morreres
Dá-me os teus azuis
De que tanto gosto
Em troca escolhe algo
Do que me aprecias
No meu jeito. E folgo”

Sem titubear disse:
- “Quero a tua boca
Para rir tão bem
Do que tanto gosto
Ficarás mais doce
Ficarei mais doce”

Se a morte  não veio
Somente no Além
Nós nos cobraremos:
-“ Cadê minha boca”?
- “E cadê meus olhos?
Quão estranha troca
Entre almas e corpos!

O OLHO E O SÊMEN

O sêmen nascente
é quando o ver fêmeo
sobrevoa o mundo.

Só o  olhar-pássaro,
em vôo cortante,
enxerga a semente.

E o pássaro, a um  passo
do  praça, vê os laços:
Menino, semente e fio.

A pomba enlarguece
as penas, e sorri,
enlanguece, dormir...
No prato, abelha e mel,
o olho do macho nasce
voa, revoa –  zumbi.

Branco, amarelo, cinzento,
o céu do sêmen se  embaça
quando a força do olho se exila.

LEMBRANÇA

No cheiro do café daquela manhã
havia um beijo ainda vermelho,
com gosto de beiju e carne,
arrepiando a língua e a suavidade da pele.
Agora é só lembrança de desejos,
frenesi, captura do ar... arr...
de quando teus olhos se fechavam
para o mundo
e os meus se abriam
a tão passageiro amor.
As folhas já caíram, todas as folhas caem,
mas logo renascerão com o cheiro de antes
nem que só por um instante.

DO VÁRIO SENTIR

Ouvir sem olhos abertos,
saber da pele sem mão,
achar a língua sem dente,
ver pelo espelho da mente
onde a fé nunca se extingue.

Viver carícias passadas,
olhos secos ou magoados,
gozos santos, gostos mil...
Castigos na calma noite?
Só havendo dois amigos
para a dor não ser açoite.

Nas distâncias e no perto
a luz que ajunta, separa.
Claro do claro inda é cor.
No escuro, quem não se ampara?

Ah se as idéias e idades
fossem nossas, de verdade,
e unidas no tom da vida!

Carne e sangue em desalinho
venceriam descaminhos
nas horas desimpedidas.
                                               
LOAS A TRÊS AMORES
             
              I   

Vinha andando rua acima,
vi um pé de bogari,
a flor branquinha sorria.
Com o olhar azul do céu.
cheiro tão grande senti.
Lembrei-me de Mariana,
minha neta da Bahia,
cheirei tanto e de cheirar
quase que me entonteci.
Mariana é a beleza
do Piauí à Bahia
Para mim já é a misse
que quer o meu coração.
Se  for coroada um dia,
vão ver que eu tinha razão.
          
          II

Aqui lembrei de Davi,
menino mais buliçoso,
inteligente e magrelo,
mas amigo e carinhoso.
Sei, é um poeta do amor,
igual ao outro da Bíblia,
pra consolar com seus salmos
nossas angústias aqui.
Quem sabe, Nosso Senhor,
através do seu amor,
ajudará as conquistas
de tudo quanto a mãe sonha,
de tudo que o pai sonhou.
                   III

Não esqueci o Luquinha,
nem podia me esquecer,
que é sempre um mensageiro
de boa vontade e valor.
Já falei noutro poema
Dele – “um gato”, sim senhor,
Gosta dos pais e resolve
tudo  no computador.
Escoteiro aprende muito,
tem muita força e vigor,
E será sempre bonzinho.
Neto querido do avô.

A PARTIDA

Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.

Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.

Ninguém vai, ninguém fica, e se reparte
no transporte que liga e que desliga,
confusão de saber quem fica ou parte.

Não se explica tamanha intensidade
amarga e doce, e errante, que desliga
os corações perdidos de saudade.

____________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, PI, Brasil, onde construiu e publicou a maioria de suas obras, em torno de 33, a partir de "Areias", 1966, até  "O Menino quase perdido", 2011.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

POEMOLHO - FRANCISCO MIGUEL DE MOURA




Francisco Miguel 
de Moura*




O olho é pequena brecha.
Olho pra dentro e por fora.

Quem é ela, quem seu olho?
Não sei!... Isto me molesta.

Olho de cá, ela de lá m’olha
Sem que veja, raios partem.
E eu juro que o poema é dela.
Pra ficar no bom da festa.

Cadê a menina... Aquela
Que está por dentro e não vejo?
Cadê o menino? O meu olho
Beijos merece!... Azulejo.

O dia todo neste arrolo,
À noite sem ver estrelas...
E assim nasce o poemolho
Perdido 
No olho em que não me vejo.
__________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro pós moderno, com 32 livros publicados, mora no Píauí, Brasil - Capital: Teresina.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A VOLTA BREVE AO ROMANTISMO

                      

     Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.

            As correntes filosóficas praticamente se esgotaram e os filósofos desapareceram. Ficaram apenas a poesia e seus poetas. Na publicação de Um depoimento pós-moderno, Edições, Cirandinha, Teresina, 1989, eu dizia já prever a volta do romantismo no começo do séc. XXI, porque poetas e leitores não vivem sem poesia.
           Acabo de receber notícia do grande poeta renovador mineiro, Márcio Almeida, que conheci pessoalmente, nas décadas 1960/1970. Como disse, ele revolucionava a poesia brasileira com seus livros e ações em torno dos movimentos poéticos. A notícia veio por intermédio do também poeta mineiro Paschoal Motta, amigo dele e meu. Leiamos o teor:
             “Meu caro Paschoal, ‘Não panfleteie ideologia, / não holografe em atari, / não louversonhe as maras, / não palavre: Signatari’ (Márcio Almeida, Assassigno, 1987). Versinhos em homenagem ao Décio Pignatari, n. 20-8-1927 (Jundiaí) – f. 02-12-2012 (São Paulo), para quem o poema é o disigner da linguagem, que conheci em evento, quase um fracasso absoluto, em Belo Horizonte, juntamente com Carlos Ávila, que também perdeu o pai faz pouco tempo, escrevi a quadra, inclusa no Assassigno, cujo revival agora está de volta na publicação de Leituras indesejáveis, que você receberá nesta semana. Outro dia você me mandou um e-mail que também me deixou um pouco perplexo. É que as pessoas boas estão morrendo, os jornais mal e porcamente registram e rapidamente caem em esquecimento quando não no silêncio cínico, caso dos nossos Henry, Adão, Duílio Gomes, José Afrânio Moreira Duarte e tantos outros que se vão e pronto. E assim será, com toda certeza, também conosco. Temo pelo absoluto ostracismo em menos de uma década após a nossa morte. Meus filhos nunca me perguntaram o que estou produzindo, nunca leram artigo meu publicado em jornais, não conversam comigo sobre Literatura, nunca me perguntaram sobre a qualidade de um livro que lêem. Amanda já anunciou que quando eu morrer vai dispor de minha biblioteca em dois tempos: a chegada e a saída do caminhão para doar tudo para uma entidade. Isto, comigo. Não tenho referência se existe uma biblioteca com o nome do Adão que o reverencia, idem com o Henry e assim sucessivamente. O neoliberalismo com sua forçada equiparação por baixo faz com que as pessoas se achem todas no mesmo nível e assim todas se dão o direito de serem rigorosamente iguais em tudo. Dia desses quase rompi com um amigo porque ele estava espalhando via internete que para produzir miniconto o conhecimento da gramática era inútil, desnecessário. Sou pessimista em relação à sobrevivência da Literatura do futuro-já, mormente com a expansão do tablete e você lerá eu já tratando do assunto em Leituras indesejáveis. As pessoas (bem menos do que hoje) continuarão lendo, mas textos curtos, impactantes, encomendados. O que chamamos de Literatura tornar-se-á cult, arte devocional de apreciadores muito especiais. É um palpite. Sem uma Sociedade dos Poetas Mortos, sem uma ‘Sociedade’ que nos lembre a todos, indistintamente, além de virarmos pó, nossos nomes serão apagados de quase tudo. Seremos lembrados historiograficamente: ou porque, no seu caso, foi editor do SLMG (Suplemento Literário do Minas Gerais), ou porque foi professor de uma faculdade em DV, ou porque nasceu SPF e construiu uma biblioteca. Quantas pessoas se lembraram de um poema nosso? E quando essas pessoas morrerem? Lembra-se do filme Farenheit 45, do François Truffault? Não é à toa se ele é um dos meus prediletos. Sou mesmo veementemente contra Academia, mas ela tem uma vantagem: respalda vida e obra dos autores; conserva sua memória, vira e mexe, traz à tona o legado daqueles que realmente tem valor. Outro dia li na Folha de São Paulo que amigos cariocas do Bartolomeu Campos de Queirós iam prestar homenagem a ele no Rio, com exibição de documentários, exposição de suas obras etc. Está claro que sua morte ainda é recente, mas foi lembrado. Dinorah Maria do Carmo me enviou e-mail ontem à noite convidando para a leitura de poemas de Bueno da Rivera, em Santo Antônio do Monte, que também está sendo lembrado. O que falta mesmo é uma sociedade que preserve a memória dos autores, não os permita serem esquecidos e os mantenha vivos para os pósteros, pois em vida foram lidos, premiados, serviram de exemplo, dignificaram Minas” (e-mail de 03-12-2012).
         Na resposta do poeta Paschoal Motta há jóias como: “Há muito que fazer, Márcio, e principalmente pela humanização da Poesia Escrita, começando com a retomada do lirismo.”
               São três depoimentos em favor da volta da poesia mais suave, mais doce, mais amiga, mais gente falando que desenhos e figuras. Esse é o lirismo poético de um Márcio Almeida, autor deste depoimento fabuloso que nos enviou, assim como o do próprio Paschoal Motta. Romantismo numa linguagem nova, com a originalidade de cada um para todos. O fogo da Literatura deve ser passado à frente como o das tochas Olímpicas. Todos os povos são românticos e querem sobreviver por terem feito alguma coisa boa. E os escritores, justo porque escrevem, naturalmente pensam na escrita, na prosa e na poesia e no próprio nome, como forma de sobrevivência histórica.  “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus”. (Evangelho, segundo São João). Acredito também que no fim também é o Verbo e o Verbo é Deus. E Deus é poesia.  E tudo isto é linguagem, tudo isto é poesia, tudo isto é lirismo e romantismo.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A GELEIA GELOU - FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

   
               “E como ficou chato ser moderno
                 Agora serei eterno”
                                                            CDA


A geléia geral gelou,
Congestinada de imagens tevesivas,
Surda, fechou os olhos
À luminosidade e ao perigo.

O tempo está frio, amor!...
Oh! Não ouço o que dizes!

Só os poetas do fogo celeste
De letras e sons invisíveis
Ainda se entendem em seus fusíveis.

A música sumiu em ruídos
Mas a letra e o som do poeta
Ainda vivem
Doloridos.

E rolarão por muitos séculos.

___________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, elogiado por Carlos Drummond de Andrade, quando aquele publicou "Universo das Águas", 1979.  Mas o poema acima, de Chico Miguel, é dos novíssimos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA* - AMOR PROFUNDO

SONETO


Ora, meu bem, eu te agradeço o canto,
Demonstração do teu viver presente.
Mas não posso esconder meu desencanto
Com teu gesto tão pouco conseqüente.

Alegrias nem risos, por enquanto!
Que guardes teu passado do presente.
Serenidade! Oh quem me dera e quanto
Teu barulho não fosse impertinente!

Meu coração só sabe amar com calma,
Vê nas palavras mais fragilidade
Que os sinceros ditames da razão.

E isto que escrevo vem do fundo d’alma,
Mas tenho medo que a profundidade
Abale as cordas do teu coração.

___________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador brasileiro, com mais de 30 obras publicadas. Este soneto, agora com pequenas correções formais,  substancialmente é o mesmo publicado em “Sonetos Escolhidos”, Edições Galo Branco, Rio, 2003

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

MARIA HELENA VENTURA: “ONDE VAIS, ISABEL"*

Francisco Miguel de Moura 
Escritor, membro da Academia Piauiense 
de Letras-Teresina - Piauí - Brasil



Antes de escrever sobre o romance “Onde Vais Isabel”. lido durante este ano de 2012, vai um pouco da bibliografia da autora, Maria Helena Ventura, nascida em Coimbra, residente em Cascais já na área da grande Lisboa. Mestre em Sociologia, fez jornalismo, mas dedicou-se ao ensino, pesquisa e literatura. Sua obra é representada por 17 livros entre poemas e romances (estreia com “Pedras Lapidadas”, poesia). Recentemente editou três excelentes romances (“Um Homem Só”, “Onde Vais Isabel” e “Cidadão Orson Welles”. O último foi comentado neste jornal. Do segundo, conforme título, estamos fazendo estas notas, visto ser um romance histórico com 271 páginas compactas, cuja leitura não me foi fácil em vista do meu confesso desconhecimento da História de Portugal.

Maria Helena Ventura é uma das maiores culturas do Portugal moderno. Além disto é pessoa de fina educação, dedicada e sensível, trabalhadora incansável, generosa com os amigos e até com os conhecidos, como demonstrou comigo e minha obra. Os personagens principais do romance sob comento são D. Isabel, princesa, terceira filha de Pedro III de Aragão e de Constança de Hoenstaufen da Sicília, e D. Dinis (6º. Rei de Portugal) que se casaram por procuração, em Barcelona, a rainha em viagem para Portugal. Memorável e romanesca foi a viagem. Com enorme séquito, D. Isabel segue até aos limites de Portugal (Trancoso) ao encontro de D. Dinis, onde se conhecem, a princesa com apenas 12 anos (nascida em 1270). Naquela viagem começa a aparecer o narrador do romance de D. Isabel e D. Dinis (Javier, ou Xavier de Cardeña) em cuja tarefa a autora se esmerou, criando-o do tamanho necessário em confiança e nobreza para servir o trono, tanto quanto a família real precisava.
A vida de D. Isabel bem poderia ser de rosas, mas foi bastante conturbada pela maneira de ser de D. Dinis que, em cada parte importante do reino, mantinha uma concubina daí nascendo inúmeros filhos bastardos, para sofrimento da rainha, embora esta os tratasse muito bem. D. Isabel procurava conviver bem e esperava mais desvelo do marido. Casaram-se não por escolha dos dois, mais por interesse das famílias reais, tendo o rei D. Dinis recebido do pai de D. Isabel um dos maiores dotes do tempo: cem mil maravedis. “Não podia ter escolhido melhor rainha” teria dito. Além do mais D. Isabel trazia um segredo com origem no Templo, o qual iria ser muito útil às estratégias de D. Dinis, quando começava a receber os perseguidos * expulsos da Ordem. Portugal era, na época, muito cobiçado pelos reinos de Castela, Aragão e arredores.

Outra coisa: se D. Isabel tinha complexo por causa de sua feição e compleição, não se sabe. Ela compensava todos os desgostos, trabalhando pelos pobres do reino e pelas ordens religiosas, tendo fundado e construído vários conventos de freiras, trabalho que enciumava o rei, quando não ocupado com suas trovas, trovadores e concubinas, além dos negócios do reino. Para tanto, faltava dinheiro para as esmolas e D. Isabel produzia flores, que depois, no momento de entregar aos pedintes, transformavam-se em moedas (entre outros, este foi um dos milagres comprovados para que o Papa a aclamasse santa). Algumas vezes a rainha seria tolhida por alguém de D. Dinis. Vejamos o diálogo:

“No momento em que D. Isabel transpõe o portal com as damas, (D. Dinis) apressa-se no seu encalço, mal disfarçando as passadas largas. Já ela dá os primeiros passos no pátio onde o povo aguarda, quando ouve bradar de longe o seu rei, seguido pelo mancebo Estêvão da Guarda:

ONDE VAIS ISABEL?
…..
Por aí, visitar meus pobres e doentes, senhor. Precisais de alguma coisa?
Preciso sempre de minha mulher no paço, ou não sabeis?
No paço não vos vejo quase nunca, D. Dinis
Trato de meus assuntos com meus secretários
E eu dos meus vou tratar (…) senhor. Podeis dar-me espaço para não chegar muito tarde?
Depois que me disserdes o que levais no regaço…
Apenas rosas, senhor, o que havia de levar?
Rosas? No Inverno algum jardim dá rosas, por milagre?


E contente deste episódico ardil, que muitas orações lhe vai custar, a rainha deixa cair o fardo amorosamente preparado para a ocasião. São botões de rosa viçosos, conforme testemunha D. Dinis num silêncio de espanto, entre o rosto da mulher e cada flor a tombar. Os pobres precipitam-se para os pés de D. Isabel, em busca de moedas ou tão-só da flor, como se de pão sagrado se tratasse.
São mesmo rosas, senhor – fala de Estêvão da Guarda".

Apesar de tudo D. Dinis foi um rei sábio e grande administrador. Com a ajuda de D. Isabel conseguiu construir templos e palácios, ajudar o crescimento da lavoura e da pesca, mas principalmente a florescer a cultura sendo trovador como era e de muito talento, também decretou o dialeto já falado no país como língua oficial, a língua portuguesa – na opinião deste articulista uma mistura de galego, espanhol e outras diferenciações que o tempo e a cultura do povo engendraram.

Finalmente, um pouquinho sobre o estilo de Maria Helena Ventura deve ser destacado: forte, elegante, até certo ponto adaptado à época onde transcorre o romance. Merece ser lido com a maior das atenções. Em termos universais, pode ombrear com “Guerra e Paz” de Leon Tolstoi. Entre nós brasileiros, com Assis Brasil nos seus romances históricos, especialmente “Bandeirantes, os comandos da morte”, contando a origem e fundação de S. Paulo, seria outro parâmetro.

___________________________
* "Onde vais, Isabel", de Maria Helena Ventura, contando a história apaixonante da Rainha Santa Isabel, é um romance histórico, publicado em Portugal, em 2008, pelas Edições Saída de Emergência, 1ª edição, março de 2008. Pode ser encontrado através do site www.saidadeemergencia.com


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SITIADO - POEMA DE CHICO MIGUEL


FRANCISCO MIGUEL DE MOURA*



Eras tão sábio quanto não sabias,
e alegre, antigamente.

Como é que hoje tu choras
e pedes?
E qual uma sombra, espias?

Olhos vidrados no limite
da carne, da fé,
do juízo (que já foi arguto)
enxuto:
- Único que  resiste.

Sitiado em maus pensares,
tu te feres à força, sem calor.
Perdeste os movimentos?

És tudo, tudo, menos
o sábio do momento.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor, com 34 livros publicados, alguns já reeditados. Retirado
 do livro "O Coração do Instante", inédito.
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