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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Onde você estava no dia 31 de março de 1964?

 abodegadocamelo.blogspot.com
Francisco Miguel de Moura*

         
         Pergunta já feito a muitas pessoas, em virtude da comemoração dos 50 anos da “Redentora” – o Golpe Militar de 1964.  Fácil responder. Mas nem tanto. Naquele dia eu estive tranqüilo, em meu emprego, li o jornal “A Tarde”, de Salvador (BA). Morava com minha família em Itambé-BA, onde exercia a função de Chefe da CREAI (Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil). Mas, porque razão, sendo piauiense de Picos, eu aceitei ir trabalhar tão longe?  Quis oferecer meu esforço em favor dos trabalhadores do campo (agricultores e criadores), uma vez que o governo tanta falava em Reforma Agrária. Se a fizesse, os pobres não precisavam pagar rendas pesadas aos ricos proprietários, teriam seu pedaço de chão para produzir seu alimento e ainda levariam o excedente ao mercado, caso chovesse bem.

        Chegando ali, morreu meu filho de 6 meses de idade, por falta de médico e hospital competentes na cidade. Pensei em voltar para Picos, ou Teresina, onde o gerente da Agência me garantira uma vaga sem função, de simples funcionário. Passados alguns meses depois do sepultamento de Fulton, mudei de opinião, aconselhado pela mulher e pelo gerente em Itambé, Crisógono de Almeida Martins. Continuei meu trabalho no Banco do Brasil, levando dinheiro para a roça, com uma equipe de funcionários – onde os beneficiados assinavam os contratos e pronto. Daí para a produção, era pouco tempo: Quão difícil, sabemos, é o deslocamento de um matuto (tabaréu)! Acreditava no bem que prestava à nação, e nos bons propósitos do governo João Goulart. Este trabalho durou cerca de 3 anos. Daí, chegara 1964 e veio a “Redentora”, golpe de Estado como outros que conhecemos. No dia 31 de março, eu estava tranqüilo, levando avante também o trabalho de uma escolinha para as pessoas que só podiam freqüentar à noite, porque durante o dia trabalhavam. Eu e outro colega, o Mário César, desde o início do ano, com apoio do MEB (Movimento de Educação de Base), com sede-filial em Conquista-BA, conquistávamos a simpatia daqueles pobres. Só No dia seguinte, 1º de abril, através do jornal “A Tarde”, tomamos conhecimento do golpe. Foi um susto. De madrugada havia sido preso “um comuna” em Itambé - BA. A seguir, dois colegas do Banco do Brasil seriam presos, algemados, tirados do seu trabalho no BB-Vitória da Conquista. Que fazer? Eles andavam por todo lado, apreendendo livros e documentos que desconfiassem ser “subversivos” ou comunistas. Nós tínhamos recebido umas cartilhas, entre o grosso do material escolar, que falava em Reforma Agrária. Já no dia 13, após o Comício da Central do Brasil, de grande audiência de trabalhadores congregados em seus sindicatos, o Presidente Goulart assina decretos diversos entre os quais o de desapropriação de terras, para entregá-las ao homem do campo. Na semana anterior, o colega César fora a Conquista, fazer as nossas inscrições como monitores definitivos. Não houve tempo de entregar o material, todo, mas as cartilhas explicando o que era a tal reforma agrária foram recebidas. Àquela altura, eu lia o livro “Viagem do Pres. Goulart à China”. Foi um tempo em que eu li muito: política, poesia, crítica... “Areias”, minha estreia em Teresina, 1966, foi começado em Itambé. Minha esposa, Dª Maria Mécia, vendo minha aflição, levou à noite, escondido por dentro da roupa, ao Dr. Auterives Maciel, o livro que me emprestara. As cartilhas sobre a Reforma Agrária e outros livros que nem me recordo foram queimados no quintal de minha casa, cuidadosamente, abafando a fumaça com areia. Alguns foram enterrados, juntamente com as cinzas. A imprensa alarmava. O rádio, também. Dias ou meses após, já tratando de minha transferência, fui à Delegacia de Polícia local e me provi de certidões negativas de tudo que foi possível, a fim de que minha voltar pra Teresina não tivesse tropeço. Por último, devo explicar que desde que cheguei a Itambé, os habitantes mais antigos me contavam das violências pessoais, por terras, por famílias, por outros motivos que aconteciam lá. E mostravam: “Ali correu muito sangue, morreu muita gente”. O ponto indicado era a fábrica de manteiga “Garota”, exportadora para muitos lugares, inclusive para o Piauí, sendo seu representante o comerciante Agripino Maranhão.

       Outras coisas aconteceram aqui mesmo, Teresina, aonde cheguei ao fim de outubro do ano da “Redentora” e já foram contadas em livros, revistas e jornais, ao longo do tempo, inclusive a criação do movimento CLIP (Circulo Literário Piauiense), por mim, Hardi Filho e Herculano Morais, com a adesão de cerca de duas dezenas de escritores, jornalistas, poetas, historiadores. A perseguição aos intelectuais era cerrada. Mas passou. Tudo passa. Hoje, a tríade do CLIP se assenta na Academia Piauiense de Letras, onde mostra seu trabalho e seu valor educacional, cultural e literário. A sociedade teresinense sabe disto e nos reconhece. Isto é bom. O CLIP vai comemorar seus 50 anos em 2017, mas, na verdade, ele começou existir a partir de 1964, na cabeça e no coração dos seus integrantes: Chico Miguel, Hardi Filho e Herculano Moraes.
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*Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras(Teresina - PI - Brasil) e da IWA - International Writers and Artists Association (Toledo, OH, Esados Unidos             

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

TENHO UM EGO DE POETA: - VIVO

Francisco Miguel de Moura
 Poeta e prosador brasileiro
e membro da APL e da IWA.



        Sou tão egoísta que aceitei fazer este depoimento. Sou poeta, sim. Vivo. E tão egoísta quanto qualquer criatura humana. E o “ego” das pessoas, de modo geral, só é conhecido pela inveja e pelo orgulho que todos trazem no íntimo, escondidos, vícios estes somente curáveis com a humildade. Não tenho respostas, tenho opiniões. 

         Mesmo que eu não fosse poeta, meu “ego” ainda seria grande, embora menos evidente. Quando comecei a escrever, tinha ânsia de ser original, não imitar nem repetir ninguém. Depois vi que originais somos todos enquanto criaturas; mas, enquanto pessoas, eu percebia a grandeza e a miséria da antítese espírito x carne de que somos feitos. Então, como seres sociais pela educação, ética, estética, ou pela carência de uma ou de todas as manifestações humanas – vivemos. Somos uma pequena parte de Deus, representantes dele.  Deus é poesia, música, doçura. Gozamos e sofremos. Mas, quem fez a dor foi o demônio, o Nada, o contrário de Deus (outra contradição). Quando a dor nos fere transforma-nos em morte, destruição, falta de harmonia. Contra essa dor (seja material ou espiritual) tenho lutado em minha poesia, com maldições, e às vezes até peco perdendo a paciência, como em meu poema “DÚVIDA”: 

“É mais triste que possa parecer 
o sofrer do inocente. Estou confuso! 

Se Deus existe, tudo me faz crer
seja um ente tão sádico e orgulhoso 
que só nos cria para o seu prazer.

Algumas vezes penso deoutra sorte: 
um velho deus coitado a padecer 
 arrependido por ter feito a morte”. 

        Francisco, nosso papa de Roma, em entrevista de 25 de setembro, disse: “A procura de Deus é sempre acompanhada por incertezas”. E todos o procuram. E o procuramos também quando negamos como os materialistas, ateus, anarquistas e de qualquer tipo de ideologia. 

       Outros que procurem os grandes filósofos. Eu procurei o papa, meu xará (xará também do grande poeta Francisco de Assis). Não o procurei, repito, ele me caiu à mão. Na entrevista citada, ele continua: “Se alguém tem resposta para todas as perguntas, essa é a prova de que Deus não está com ele. É um falso profeta”. Minhas dúvidas demonstram que não quero ser um profeta nem um falso poeta. 

        Retomando o barro humano do diálogo sobre a poesia, os poetas e seus “egos” crescidos, vale lembrar que poesia é cultura como tudo que o homem faz; o poeta é um ser social com todos os defeitos e qualidades da criatura, mas o seu grito e a sua palavra abrem feridas e mostram bálsamos salvadores. O poeta não fala apenas por si. O “si” do poeta é só um personagem. A poesia é ficção em busca da verdade do “eu” e do “outro”.  Mas, se nada encontra ao escrever seu poema, “sua inspiração fugaz” vale-se do “ego”. A criatura (o indivíduo) não mente, acredito. Já a pessoa, jungida pelas circunstâncias sociais, pode ser mentirosa, pecar e cair na anti-poesia, no preconceito, no formalismo desgastante. Poeta não tem partido nem preconceito. Poeta eu sou, não tenho vergonha de sê-lo, em qualquer lugar e tempo. Mas não me acredito maior nem melhor que ninguém. Isto de classificação pertence à sociedade, à mídia, à história. Eles julgam, eu não. Sou poeta do tempo e no tempo me consumo. Quando termino de construir um poema e creio que disse o que tinha a dizer em palavras e orações novas, ou pelo menos renovadas, me sinto “egoísta”, me acho um pequeno deus. E isto todos nós somos, sem precisar de religião, partido, filosofia, nada. Penso estar fazendo o bem, contribuindo com o meu dever – e fazer o bem é um poema bem feito, é uma obra de beleza, é trabalhar na construção do mundo, da paz, da alegria, da felicidade, no caminho da luz.

         Creio, sim, que Deus, como poeta que é, convoca todos os poetas para os céus, ele não tem preconceito. Não há poeta anarquista, nem filósofo, nem construtor da ficção do poder de mando, por ações e palavras que, no fim de contas, são mentiras. Esforcei-me para mostrar minha “cauda de poeta”. E este é o tamanho do meu “ego”. Assim, creio que sou mais humano, mais que o barro de que fui feito. E não me estenderei mais. É preciso que os outros pensem e debatam o ser da poesia e o “ego” dos poetas, ambos necessários desde que com ciência e consciência. 

         Endereço este depoimento aos poetas Álvaro Pacheco e Diego Mendes de Sousa, do meu querido Estado do Piauí, pois gostaria que fossem os primeiro a se manifestarem.
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*Meu e-mail: é  franciscomigueldemoura@gmail.com e meu endereço postal é Avenida Rio Poty, 1870 – CEP: 64049-410 – Teresina, Piauí, Brasil.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mestre Ives Gandra Martins (Depoimento)

Ives Gandra da Silva Martins*
    
Não sou negro, nem índio, ..........., ..........., ..............., nem assaltante, nem guerrilheiro,
nem invasor de terras.

    Como Faço Para Viver No Brasil Nos Dias Atuais?

    Na verdade eu sou branco, hétero..., honesto, professor, advogado, contribuinte,
eleitor....   E tudo isso para quê?

   Hoje, tenho eu a impressão de que no Brasil o "cidadão comum e
branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades
governamentais constituídas e pela legislação infraconstitucional,
a favor de outros cidadãos, desde que eles sejam índios,
afrodescendentes, sem terra, homossexuais ou se autodeclarem
pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.

Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a
mesma nota em um vestibular, ou seja, um pouco acima da linha de corte
para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco
será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de
condições, o branco hoje é um cidadão inferior e deve ser
discriminado, apesar da Lei Maior (Carta Magna).

Os índios, que pela Constituição (art. 231) só deveriam ter
direito às terras que eles ocupassem em 05 de outubro de 1988, por
lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam
no passado, e ponham passado nisso. Assim, menos de 450 mil índios
brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios,
uruguaios que pretendem ser beneficiados também por tabela - passaram
a ser donos de mais de 15% de todo o território nacional, enquanto os
outros 195 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% do restante
dele. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros
não-índios foram discriminados.

Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas aqueles descendentes dos
participantes de quilombos, e não todos os afrodescendentes, em
geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido
destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do
que a Constituição Federal permite (art. 68 ADCT), em clara
discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.

Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma
Roussef o direito de ter um Congresso e Seminários financiados por
dinheiro público, para realçar as suas tendências - algo que um
cidadão comum jamais conseguiria do Governo!

Os invasores de terras, que matam, destroem e violentam, diariamente,
a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento
explícito de que este governo considera, mais que legítima, digamos
justa e meritória, a conduta consistente em agredir o direito.
Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum,
desempregado, que não tem esse 'privilégio', simplesmente porque
esse cumpre a lei.

Desertores, terroristas, assaltantes de bancos e assassinos que, no
passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes
polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está,
hoje, em torno de R$ 4 bilhões de reais o que é retirado dos
pagadores de tributos para 'ressarcir' aqueles que resolveram pegar em
armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.

E são tantas as discriminações, que chegou a hora de se perguntar:
de que vale o inciso IV, do art. 3º, da Lei Suprema?

Como modesto professor, advogado, cidadão comum e além disso branco,
sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço nesta sociedade, em
terra de castas e privilégios, deste governo.

(*Ives Gandra da Sil va Martins, é um renomado professor emérito das
Universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior
do Exército Brasileiro e Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos
da Federação do Comércio do Estado de São Paulo).

Para os que desconhecem o Inciso IV, do art. 3°, da Constituição
Federal a que se refere o Dr. Ives Granda, eis sua íntegra: "Promover O Bem De Todos, Sem Preconceito De Origem, Raça, Sexo, Cor, Idade E Quaisquer Outras Formas De Discriminação."
   
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NOTA: Copiado por Francisco Miguel de Moura, de e-mail recebido hoje, através de Almir Câmara

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

MEMÓRIA: CULTURA É LIBERTAÇÃO

DEPOIMENTO
 por Francisco Miguel de Moura*


“A presença de um pensamento é como a presença  de quem se ama. Achamos que nunca esqueceremos esse pensamento e que nunca seremos indiferentes à nossa amada. Só que longe dos olhos, longe do coração! O mais belo pensamento corre o perigode ser irremediavelmente esquecido quando não é escrito, assim como a amada pode nos abandonar se não nos casamos com ela”.

Minha citação inicial é do filósofo Arthur Schopenhauer, o maior pensador depois dos "anos mais selvagens do pensamento ocidental", segundo suas próprias palavras, incluindo, entre os  representantes daquele grupo, Kant, Fichte, Shelling, Hegel, Feuerbach e o jovem Marx, dos quais discordou no todo ou em parte.                         

E como assim é, porque pensar é bom, e rememorar juntamente melhora a reflexão, iluminemos a nossa palestra com estas palavras: 

 - Aqui, neste Conselho, eu me casei com a cultura, definitivamente, como antes já me havia casado com a arte, a literatura, para usar o mesmo verbo usado pelo.

Foi numa tarde de setembro de 1982 que eu me adentrei neste Conselho, por indicação do Prof. Paulo Nunes, então Secretário de Cultura do Estado Piauí, sendo Presidente do Conselho Estadual de Cultura, o Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto. Entre um e outro papel do Banco do Brasil, umas e outras contas a lançar no “diário” ou no “caixa”, escapei do trabalho burocrático por algumas horas e vim assumir uma suplência. Fiz o meu discurso de assunção com palavras vibrantes, ousadas, prometendo trabalhar pela cultura piauiense, com aquela disposição dos meus ainda 49 anos.

Pouco tempo depois, o Prof. Wilson de Andrade Brandão, já Secretário de Cultura, vem à minha presença, numa sexta-feira, para solicitar-me um artigo para o primeiro nº da revista Presença: - um trabalho de crítica sobre literatura. No seu jeito meio autoritário, disse ante minha primeira objeção:

- “Pois que o faça no fim de semana, já que sua ocupação bancária não lhe dá folga”. 

Fiz o artigo, com a profundidade que meus conhecimentos permitiram, e tive a alegria de vê-lo estampado, com destaque, nas primeiras páginas da revista Presença inaugural.

Hoje, vejo que, daquele tempo para cá, tenho empregado minha vida útil com a cultura, a ponto de minha mulher dizer-me que eu só sei fazer isto: ler, escrever, ouvir e conversar sobre as atividades culturais. Aposentei-me do Banco do Brasil em 1983. Fui Conselheiro a partir de setembro de 1982 até fevereiro de 1990, sendo que nos cinco primeiros anos desse período como suplente sempre convocado a assumir e nos três últimos como titular. E, depois, continuei como membro efetivo, representando a Assembléia Legislativa, de l4.6.1995 a 30.6.1998, de 29.2.2000 a 29.2.2003, e ainda de março de 2003 a 30.6.2005.  Neste Conselho entrei com toda aquela liberdade de quem pode e quer fazer do seu tempo um trabalho social e ao mesmo tempo prazeroso: escrever, falar, comunicar, ler, cuidar das pautas do órgão, sempre pronto para aquelas tarefas a que fosse solicitado.  Aqui convivi com essa pessoa nobre e culta, conhecida de antes como referi acima, chamada Manoel Paulo Nunes, que assumiria a Presidência, depois de terminado o mandato do Prof. Benjamin do Rego Monteiro Neto.

Convivência mais proveitosa não poderia desejar, sempre nos encontrando nas quintas-feiras ou quando fosse necessário, discutindo os problemas que afligiam a cultura piauiense, desde os famosos tombamentos de prédios para o Patrimônio, até o cuidado com a manutenção das bibliotecas e arquivo público. Lembro-me de uma vez que fomos, eu e ele, Prof. Paulo Nunes, visitar a Biblioteca Pública Estadual, porque soubemos estar em péssimo estado de conservação, a fim solicitar do Governo a respectiva recuperação dos estragos e os cuidados com a manutenção do acervo.

Foram tantas coisas que falávamos e escrevíamos que já nem lembro da metade. Nas sessões, foram tantas as rememorações de datas públicas, de palestras sobre homens ilustres da terra e de fora. Muitos produtores de cultura e mestres em assuntos pertinentes foram convidados para palestras aqui, lembro da magistral fala do poeta-diplomata Alberto da Costa e Silva, dissertando sobre o patrimônio material e o patrimônio ideal das cidades do Brasil e do mundo. Entidades culturais aqui trouxeram suas paixões e problemas. Lembro-me, finalmente, da episódica tentativa de desmanche do Conselho Estadual de Cultura pelo recém-governo do PT.  Aí o Prof. Paulo Nunes, com seu jeito cordial e sincero, mas decidido, luta pela manutenção do nosso statu quo de órgão cultural independente. Levou o problema aos confrades da Academia Piauiense de Letras, contactou com deputados do governo e da oposição e, finalmente, conseguiu a situação de Conselho autônomo, na área da Secretaria de Educação e Cultura.

Lembrando dessas lutas e de algumas vitórias é que, hoje, falamos no palco deste Centro Cultural da Vermelha, justamente denominado “Prof. Manoel Paulo Nunes”, pois é obra do seu trabalho incansável de criador de espaços para o desenvolvimento cultural, assim como foi o revitalizador do próprio Conselho Estadual de Cultura e da revista Presença, ambos já existentes, porém com desempenho inferior ao desejado. Hoje a Revista e o Conselho são considerados os melhores e mais ativos do Brasil, com razão. Por isto e por mais algumas coisas é que João Cláudio, nosso grande humorista, declarou à imprensa que, daqueles tempos para cá, nós (da cultura) melhoramos, o Piauí – não. A quem atribuir a culpa?   Não nos cabe, neste momento, apontar este ou aquele, isto ou aquilo.

Nesta manhã, neste simpático espaço, diante do Presidente do Conselho Estadual de Cultura – lembro alguns companheiros que por aqui passaram: o poeta Luiz Lopes Sobrinho, o historiador e professor Camilo Filho, o médico Dr. Zenon Rocha, os professores Leopoldo Portela, Noé Mendes de Oliveira e Walda Neiva de Moura Leite, todos de saudosa memória, para citar apenas os falecidos. Os demais, sem dúvida, estão nomeados na história do Conselho de Cultura que o Prof. Paulo Nunes solicitou que a escrevesse – a mim, que nunca tinha sido historiador.          

Durante aqueles anos, a convivência foi tão boa que este “menino quase perdido” saiu quase a derramar lágrimas de saudade antecipada. Constato, pois, que daqui saí mais rico de vivência e de tudo o que vi, ouvi e li, de tudo que fiz e do que quis fazer e não pude.

Por tudo isto me considero pago. E faria tudo de novo, se idade, força e saúde me houvessem ainda, desde que com os dois por sustentáculos: – o Conselho Estadual de Cultura e o mestre Paulo Nunes, crítico literário dos mais cultos e percucientes, uma personalidade das mais íntegras que conheci.  

             http://abodegadocamelo.blogspot.com
             http://franciscomigueldemoura.blogspot.com  

Nota: O painel representa uma das famosas aulas do mestre Paulo Freire, e foi colhido na internet (wikipedia)
__________
*Palestra proferida no Conselho Estadual de Cultura – Centro Cultural da Vermelha, Teresina, PI, 13 de outubro de 2011, pelo ex-Conselheiro FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, escritor e membro da Academia Piauiense de Letras,  a convite da entidade.
  

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

DEPOIMENTO - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

SEM MEDO DO PASSADO
Fernando Henrique Cardoso

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades.

Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse “o Estado sou eu”. Lula dirá, o Brasil sou eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês…). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote – o governo do PSDB foi “neoliberal” – e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados… 

O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal. Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado.

Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares; do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal; de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada; de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de “bravata” do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI – com aval de Lula, diga-se – para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto “neoliberalismo” peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010. “Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela”.

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.
Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB “não olhou para o social”. Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da Aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa “Toda Criança na Escola” trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

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NOTA: - Ao vencedor, as batatas - como diria o personagem de Machado de Assis. Nós acrescentamos, não pela ficção: E aos vencidos  - a verdade e a consciência tranquila. A história confirmará.


                                  Matéria recebido por e-mail - Foto: internet





domingo, 26 de dezembro de 2010

HOMEM REALIZADO OU SATISFEITO?

DEPOIMENTO

Nilto Maciel*

Acordei satisfeitíssimo. E pensei: o que é um homem realizado? Segundo o Dicionário Houaiss, “realizado” é adjetivo da categoria “regionalismo”, no Brasil, e significa “que conseguiu atingir seu(s) objetivo(s), cumprir sua(s) meta(s)”. Portanto, realizado e satisfeito são sinônimos. Não para mim, neste momento. Explico: Todo dia ouço a velha pergunta idiota feita às crianças: o que você quer ser quando crescer? Os meninos respondem logo: jogador de futebol. As meninas não titubeiam: modelo. Meio século atrás, alguns de meus amiguinhos se encabulavam e demoravam a responder. Outros se empertigavam, sorriam e atiravam besteiras: vou ser maquinista de trem; quero ter um caminhão Chevrolet bem bonito; se não for padre, serve o Banco do Brasil; se a Igreja ou a casa do dinheiro não me quiserem, serei general do exército de salvação nacional. Ninguém queria ser Bach ou Alberto Nepomuceno, Cervantes ou Alencar, Van Gogh ou Antônio Bandeira.

Acordei hoje muito satisfeito. E pensei nos adultos, de meu tempo de menino, que se diziam homens realizados. Eu não conhecia os mendigos que pediam naco de farinha, os lavradores dos pés-de-serra, os tísicos que tossiam a vida. Esses só pude olhar de perto muito mais tarde. Os homens bem-sucedidos arrotavam depois das refeições, palitavam os dentes, limpavam os bigodes brancos, alisavam as panças. Diante de suas esposas, exalavam frases decoradas: sou realizado porque me casei com uma santa. Longe delas, marcavam encontros secretos com empregadinhas domésticas, iam, sorrateiramente, aos cabarés (casas de prostituição) ou visitavam, em sítios ou arrabaldes, suas concubinas. Homens realizados tinham casas de alvenaria, com mais de uma janela, posses, terras, automóveis, muitos filhos, dentes de ouro, cinturões grossos. Contribuíam para as obras pias da Igreja e se benziam quando falavam do perigo do comunismo ateu.

Não sou um homem realizado. Se fosse homem feito, para que me realizar? Ora, se me realizar, terei chegado ao topo do Everest, à beira do abismo, ao fim da picada. Certamente Camões sonhava outros lusíadas; Dante, outros paraísos; Shakespeare, novos otelos. Não, não sou satisfeito comigo, nem com o mundo. Tudo está para ser feito, realizado. Mesmo assim, acordei satisfeitíssimo. Principalmente porque existiram as mulheres com quem dividi o prazer da carne. Porque alcancei minha alforria mental, libertei-me das muralhas de Jericó, da moral puritana, das crenças infantis de paraísos perdidos. Escrevi minha história em muitos livros. Mais de trezentos contos, em dez volumes. Nove romances. É certo que quantidade não é atestado de grandeza. Pois Augusto dos Anjos só deixou um livro. Sei disso. Mas estou (hoje) satisfeito comigo. Se tiver tempo, escreverei mais e melhor. Não plantei árvores, embora me dissessem: o homem, para se realizar, precisa ter filhos, plantar árvores e escrever livros. Também tive filhos. Contribuí para a perpetuação da espécie ameaçada de extinção por ela mesma. E transmiti a quatro criaturas o legado da nossa miséria. Ora, posso ter gerado monstros como os pais de alguns de nossos irmãos. Que culpa tiveram as mães de Hitler, Mussolini, Stalin? No entanto, quanto mal fizeram aos homens! Pobres mães! Pobres netos! Pobres de nós que herdamos os campos de concentração, a moral cristão, judaica, muçulmana, religiosa. O ódio aos pobres e aos ricos, aos homossexuais e aos que nasceram diferentes da maioria. Não quero limpar o bigode branco com o lenço ou o guardanapo de linho com inscrição romântica. Não quero o casamento até que a morte nos separe. Não quero me casar com santas que sentem nojo das prostitutas porque são pecadoras. Quero marcar encontros com empregadinhas, sem me esconder de ninguém, do guarda-noturno, do padre escondido atrás da porta da igreja, da beata que fiscaliza a vida alheia pela brecha da porta. Não quero dentes de ouro, quero dentes para morder a carne do pecado. Não contribuo para obras pias de igrejas pentecostais e pré-apocalípticas de pastores que decoram a Bíblia e enchem os bolsos das moedas dos pobres.

Sou um homem satisfeito com a Arte. Escrevo todo dia, leio todo dia. Não troco Chopin por nenhum carnaval. Não substituo Machado por álbuns de família. Adoro os noturnos e as capitus. Acordo cedo para ver o sol queimar o chão, para me ver dentro do espelho (embora me saiba feio), para esperar a visita (esperada ou inesperada) das moças de corpo e sangue expostos ao meu vampirismo de esteta. Todo dia converso com minhas quatro filhas. Todo dia me correspondo com meus amigos, que são centenas. Não falarei deles, porque eles falam de mim a toda hora, na Praça do Ferreira, no bar do Assis, no Ideal Clube, no clube do Bode, no shopping Benfica, na Unifor, na UFC, na UECE, nos campus universitários e campos de carvalho. E estão quase toda noite em minha casa, a fuçar meus livros raros, a me pedir prefácios e resenhas, a me fotografar e filmar, a fazer perguntas enigmáticas. Mas, como santo de casa não faz milagre, nenhum deles me chama de grande escritor, contista fabuloso, romancista de primeira linha, essas coisas que diz todo leitor sabido. Sei, porém, que se sentem próximos de quem se viciou em Poesia. E, para não se sentirem melindrados, farei citação de seus nomes: Airton Monte, Alves Aquino (O Poeta de Meia-Tigela), Astolfo Lima, Cândido Rolim, Carlos Emílio, Carlos Nóbrega, Carlos Vazconcelos, Carmélia Aragão, Clauder Arcanjo, Dimas Carvalho, Felipe Barroso, Inocêncio de Melo Filho, Jorge Pieiro, Luciano Bonfim, Manuel Bulcão, Mário Sawatani, Máxima Madalena, Pedro Salgueiro, Raymundo Netto, Robson Ramos, Tércia Montenegro e Urik Paiva. Outros, que admiro muito como pessoas e escritores, não me visitaram por falta de oportunidade (convite?), mas têm por mim amizade e admiração. Nada me devem e, por isso, não precisam escrever artigos a respeito de minha literatura (mas, alguns o fizeram). Refiro-me a Aíla Sampaio, Ana Miranda, Barros Pinho, Batista de Lima, Dias da Silva, Dimas Macedo, Eduardo Luz, Gilmar de Carvalho, Jorge Tufic, José Lemos Monteiro, Linhares Filho, Lourdinha Leite Barbosa, Natalício Barroso, Pedro Henrique, Roberto Pontes, Sânzio de Azevedo, Soares Feitosa e mais alguns habitantes superinteligentes de Fortaleza.

A maioria de meus amigos, porém, está bem longe de mim, em Curitiba, Santa Cruz do Sul, Teresina, Poços de Caldas, Salvador, Jaguaruana, São Paulo e por este Brasil afora. Um é Chico Miguel de Moura, amante de Teresina, poeta feito do mais puro ouro da linguagem. Outro é Emanuel Medeiros Vieira, saído do Desterro, ido para Brasília, agora abraçado aos orixás da Bahia. O nunca visto Dércio Braúna, que escreve como um possuído pelos espíritos. O vetusto e lúcido Caio Porfírio Carneiro, perdido no feérico mundo cosmopolita da paulicéia. O baixinho Enéas Athanázio, viajante real e imaginário, sempre a partir do porto de Camboriú. O goiano Salomão Sousa, que se instalou em Brasília ainda menino para escrever poesia. Tantos e tantos, de todas as idades, de todas as cidades, que eu levaria um ano a lhes citar os nomes. Muitos deles nunca vi. Mas também nunca vi meus avós, Homero, Dante, Pessoa.

Alguns me exaltam as qualidades em resenhas e artigos. Como Francisco Carvalho, que escreveu isto: “Nilto Maciel consolidou seu prestígio como um dos melhores ficcionistas brasileiros da atualidade”. E esta outra frase: “Nilto Maciel é atualmente, sem nenhum favor, um dos nomes mais representativos da moderna literatura brasileira”. E mais esta: “Nilto Maciel é, sem dúvida, um mestre consumado do conto moderno. Não apenas pelo requinte no uso de todas as gradações e alternativas morfológicas da escrita literária. Como também, e, sobretudo, pela maneira engenhosa com que disserta sobre tendências e conflitos da subjetividade que navega ‘a leste da morte’”. Haja coragem para publicar opiniões desta natureza. Porque não são poucos os gênios literários brasileiros que frequentam os jornais, as revistas, as antologias, as listas dos dez melhores, dos cem melhores do século, as academias, os simpósios, os seminários, os grandes prêmios e se sabem de raça superior, porque escolhidos por jornalistas, críticos, doutores em literatura, acadêmicos federais. Mas Francisco Carvalho, que não faz parte de patotas, está acima – muito acima mesmo – dessa maioria de mediocridades engalanadas e ousa contrariar o Código Canônico da Literatura.

O grande poeta não está isolado, porém. Outros pensam como ele. Liana Aragão: “Nilto Maciel é um dos grandes nomes da prosa contemporânea, ainda que negligenciado pela mídia e ausente das prateleiras das grandes livrarias”. Adriano Espínola: “Nilto Maciel é outro contista vigoroso e surpreendente da nova geração. (...) inscreve-se ele no que de melhor temos no momento em matéria de contos no Brasil”. Caio Porfírio Carneiro: “Nilto Maciel é um desses escritores que nascem feitos e irão até à morte em ascensão constante”.

Os maledicentes dirão: Assim não vale, porque são seus conterrâneos. Vale, sim. Pois falam isso porque me leram, não porque são cearenses. Além do mais, desmentem o ditado do “santo de casa”. Por outro lado, há os de fora do Ceará. Tanussi Cardoso: “As Insolentes Patas do Cão é um instigante e belo livro de contos que coloca o seu autor, Nilto Maciel, no rol dos grandes escritores deste país”. Nicodemos Sena: “Nilto Maciel (...) é, sem dúvida, um mestre da nossa literatura de ficção, que merece ser lido por todos os brasileiros”. João Carlos Taveira: “Portanto, para a obra de Nilto Maciel, posso usar tranquilamente as palavras finais do prólogo de Jorge Luis Borges a A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares: “Não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita.” Fernando Py: “Hoje, Nilto Maciel é o escritor por excelência da narrativa curta brasileira, com seus textos enxutos, nos quais mescla com felicidade o bom-humor e o mistério, o picaresco e a carnavalização do cotidiano”. Francisco Miguel de Moura: “Nilto Maciel é um dos maiores escritores deste país”. Silvério da Costa: “Há tempos vinha dizendo para mim mesmo que o Nilto Maciel era um dos maiores contistas brasileiros da atualidade. Minha dúvida consistia em saber se existia no Brasil alguém que o superasse na difícil arte de narrar histórias curtas”.

Os maledicentes dirão: Assim não vale, porque são seus amigos. Vale, sim. Pois escreveram elogios porque me leram, não por serem meus amigos. Há sempre uma desculpa para os que não querem ver o Sol. Lembremos a fábula do lobo e do cordeiro: “Por que turvas a água que bebo?” Não sou cordeiro, nem lobo. Não estou falando de vítima e opressor. Estou falando de argumentos. Para os fingidos, os mentirosos, os pícaros há sempre um argumento.

Alguns serão mais maldizentes ainda: Esses nomes citados não são luminares da crítica. Se não são luminares, quem são os luminares? Os que ditam pautas de jornais e revistas? Os que indicam nomes para as listas dos dez mais? Ora, os cardeais só leem os nomes consagrados pela mídia literária (ou comercial), enquanto meus amigos conhecem os nomes indicados pela mídia, mas também sabem de Adriano Espínola, Caio Porfírio Carneiro, Chico Miguel de Moura, Fernando Py, João Carlos Taveira, Nicodemos Sena, Tanussi Cardoso (para citar apenas alguns nomes dos acima mencionados), porque outras dezenas de grandes poetas e prosadores brasileiros estão fora das listas elaboradas por doutores ou lobistas que desconhecem a literatura publicada por pequenas editoras.

Muitos outros se debruçaram sobre meus livros e os comentaram em resenhas e artigos: Adelto Gonçalves (que é doutor), Angelo Manitta (escritor e editor italiano), Artur Eduardo Benevides, Astrid Cabral, Carlos Augusto Silva, Carlos Augusto Viana, Celestino Sachet, Chico Lopes, Di Carrara, Donaldo Schüller, Erorci Santana, Foed Castro Chamma, F. S. Nascimento, Henrique Marques-Samyn, Jaime Collier Coeli, Laene Teixeira Mucci, Nara Antunes, Nelly Novaes Coelho, Paulo Krauss, Paulo Nunes Batista, Ronaldo Cagiano e Valdivino Braz. Também os falecidos José Alcides Pinto, José Luiz Dutra de Toledo e Sérgio Campos, aos quais rendo homenagens. Nenhum deles me deve ou devia favores. Escreveram porque são escritores, são livre-pensadores, não têm compromissos com editoras, universidades, jornais.

Minha amizade com eles é real, realizada, feita, construída ao longo de livros e meses, cartas e temporais. Não são homens realizados. Não conseguiram ser maquinistas de trem, donos de caminhões chevrolets, terras, teres e haveres. Não chegaram a padres e muito menos a vestir farda. Nem fardões. São apenas escritores, como eu. Estou satisfeito comigo. Escrevi mais de duas mil páginas, livres de todos os fanatismos, de todos os moralismos. Acordo todo dia satisfeitíssimo porque sei da fartura de minha imaginação, de meu humor, de minhas dores, que são de todos. Por isso me pergunto: o que vou ser quando crescer? Não devo crescer mais. Embora ainda estude grego e latim, ainda leia os poetas latinos, ainda ouça Mozart, ainda me extasie diante de corpo feminino, ainda escreva crônicas para brincar comigo e com quem quiser me conhecer. Devo, sim, sair de férias e me preparar para o carnavalha de 2011.

Fortaleza, 8 dezembro de 2010
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*Nilto Maciel, escritor brasileiro, grande prosador e poeta, mas principalmente contista da geração dos anos 1960. Criou com outros companheiros da mesma época,  e editou, a revista "LITERATURA", anual, que teve quase 40 edições, e foi encerrada recentemente. Para mim, está entre os 3 ou 4 melhnores contistas brasileiros da atualidade. Ganhou muitos  concursos, editou  seus romances, é um homem simples que só tem três vaidades: ler, escrever e viver os dias na consideração dos amigos e artistas. Atualmente está publicando sua obra contística completa: sairam já os 1º e 2º vol. E-mail: – niltomaciel@uol.com.br
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