segunda-feira, 7 de abril de 2014

Onde você estava no dia 31 de março de 1964?

 abodegadocamelo.blogspot.com
Francisco Miguel de Moura*

         
         Pergunta já feito a muitas pessoas, em virtude da comemoração dos 50 anos da “Redentora” – o Golpe Militar de 1964.  Fácil responder. Mas nem tanto. Naquele dia eu estive tranqüilo, em meu emprego, li o jornal “A Tarde”, de Salvador (BA). Morava com minha família em Itambé-BA, onde exercia a função de Chefe da CREAI (Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil). Mas, porque razão, sendo piauiense de Picos, eu aceitei ir trabalhar tão longe?  Quis oferecer meu esforço em favor dos trabalhadores do campo (agricultores e criadores), uma vez que o governo tanta falava em Reforma Agrária. Se a fizesse, os pobres não precisavam pagar rendas pesadas aos ricos proprietários, teriam seu pedaço de chão para produzir seu alimento e ainda levariam o excedente ao mercado, caso chovesse bem.

        Chegando ali, morreu meu filho de 6 meses de idade, por falta de médico e hospital competentes na cidade. Pensei em voltar para Picos, ou Teresina, onde o gerente da Agência me garantira uma vaga sem função, de simples funcionário. Passados alguns meses depois do sepultamento de Fulton, mudei de opinião, aconselhado pela mulher e pelo gerente em Itambé, Crisógono de Almeida Martins. Continuei meu trabalho no Banco do Brasil, levando dinheiro para a roça, com uma equipe de funcionários – onde os beneficiados assinavam os contratos e pronto. Daí para a produção, era pouco tempo: Quão difícil, sabemos, é o deslocamento de um matuto (tabaréu)! Acreditava no bem que prestava à nação, e nos bons propósitos do governo João Goulart. Este trabalho durou cerca de 3 anos. Daí, chegara 1964 e veio a “Redentora”, golpe de Estado como outros que conhecemos. No dia 31 de março, eu estava tranqüilo, levando avante também o trabalho de uma escolinha para as pessoas que só podiam freqüentar à noite, porque durante o dia trabalhavam. Eu e outro colega, o Mário César, desde o início do ano, com apoio do MEB (Movimento de Educação de Base), com sede-filial em Conquista-BA, conquistávamos a simpatia daqueles pobres. Só No dia seguinte, 1º de abril, através do jornal “A Tarde”, tomamos conhecimento do golpe. Foi um susto. De madrugada havia sido preso “um comuna” em Itambé - BA. A seguir, dois colegas do Banco do Brasil seriam presos, algemados, tirados do seu trabalho no BB-Vitória da Conquista. Que fazer? Eles andavam por todo lado, apreendendo livros e documentos que desconfiassem ser “subversivos” ou comunistas. Nós tínhamos recebido umas cartilhas, entre o grosso do material escolar, que falava em Reforma Agrária. Já no dia 13, após o Comício da Central do Brasil, de grande audiência de trabalhadores congregados em seus sindicatos, o Presidente Goulart assina decretos diversos entre os quais o de desapropriação de terras, para entregá-las ao homem do campo. Na semana anterior, o colega César fora a Conquista, fazer as nossas inscrições como monitores definitivos. Não houve tempo de entregar o material, todo, mas as cartilhas explicando o que era a tal reforma agrária foram recebidas. Àquela altura, eu lia o livro “Viagem do Pres. Goulart à China”. Foi um tempo em que eu li muito: política, poesia, crítica... “Areias”, minha estreia em Teresina, 1966, foi começado em Itambé. Minha esposa, Dª Maria Mécia, vendo minha aflição, levou à noite, escondido por dentro da roupa, ao Dr. Auterives Maciel, o livro que me emprestara. As cartilhas sobre a Reforma Agrária e outros livros que nem me recordo foram queimados no quintal de minha casa, cuidadosamente, abafando a fumaça com areia. Alguns foram enterrados, juntamente com as cinzas. A imprensa alarmava. O rádio, também. Dias ou meses após, já tratando de minha transferência, fui à Delegacia de Polícia local e me provi de certidões negativas de tudo que foi possível, a fim de que minha voltar pra Teresina não tivesse tropeço. Por último, devo explicar que desde que cheguei a Itambé, os habitantes mais antigos me contavam das violências pessoais, por terras, por famílias, por outros motivos que aconteciam lá. E mostravam: “Ali correu muito sangue, morreu muita gente”. O ponto indicado era a fábrica de manteiga “Garota”, exportadora para muitos lugares, inclusive para o Piauí, sendo seu representante o comerciante Agripino Maranhão.

       Outras coisas aconteceram aqui mesmo, Teresina, aonde cheguei ao fim de outubro do ano da “Redentora” e já foram contadas em livros, revistas e jornais, ao longo do tempo, inclusive a criação do movimento CLIP (Circulo Literário Piauiense), por mim, Hardi Filho e Herculano Morais, com a adesão de cerca de duas dezenas de escritores, jornalistas, poetas, historiadores. A perseguição aos intelectuais era cerrada. Mas passou. Tudo passa. Hoje, a tríade do CLIP se assenta na Academia Piauiense de Letras, onde mostra seu trabalho e seu valor educacional, cultural e literário. A sociedade teresinense sabe disto e nos reconhece. Isto é bom. O CLIP vai comemorar seus 50 anos em 2017, mas, na verdade, ele começou existir a partir de 1964, na cabeça e no coração dos seus integrantes: Chico Miguel, Hardi Filho e Herculano Moraes.
__________________
*Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras(Teresina - PI - Brasil) e da IWA - International Writers and Artists Association (Toledo, OH, Esados Unidos             

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...