segunda-feira, 30 de julho de 2012
Homenagem ao amigo Francisco Miguel de Moura
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
JAILSON KLEIN - SALOMÃO GRANDE
UM DIA NA VIDA DE SALOMÃO
9 de abril de 1964
Dezoito anos.
Foi o que de primeiro pensei quando aterrei os pés no dia em que eu ia ficar de maior. Pra falar a verdade, não apeei da rede, fiquei deitado com os olhos arregalados, esperando o galo cantar. Aí meus pensamentos teimaram de fazer um inventário do meu tempo de vida vivida. Cheguei na questão em que sempre findava meu apanhado do passado: eu tenho gosto na vida como está hoje? Morando numa serra, sem possuir um rádio, Jandira sem me querer pra namorar. Pode ser que Deus me castigue pelo mal-agradecimento, por causa de que de noite vou até quebrar a tigela de minha calça Tropical e de minha camisa moldada por alfaiate de Picos. Então, o que um pobre coitado como eu pode querer mais na vida? Reclamar da vida deve ser um pecado, uma ofensa ao Nosso Senhor, visto que tenho boa saúde pra trabalhar e não sou cruz pesada pra ninguém carregar. Deus que me perdoe pela ingratidão dos pensamentos ruins.
Ainda deitado de cara pra cima, fiquei caçando os buracos nas telhas velhas de nossa casa, por onde raiava a luz do dia, e matutando sobre os meus gostos não realizados, de novo sem pensar em Deus. Calculei que beirava as cinco horas da manhã. Pra saber de certo, só se Josué estivesse aqui pra ler a horas no seu relógio Seiko, mas ele estava na casa dele ainda dormindo; todo mundo dormia; todo mundo sonhava; mas eu que fazia acordado. Nove de abril, a partir de hoje vou teimar pra ser chamado de Salomão Grande, nada de Saló. São outros tempos pra mim e pro Rodeador, que também vai ter nome novo: Santo Antônio. Pai nunca vai dizer esse nome na vida dele, ia ser Rodeador pro resto da vida.
Espiei pra um lado, pra o outro, e vi os vultos das redes encostadas à minha, uma de cada lado; nem carecia de ver pra saber que agora eram só três que trançavam pelo cômodo grande da frente de casa. Antigamente eram sete redes estendidas aqui na sala e outras, das mulheres, no quarto do santo. Pai e mãe ficavam no quarto grande. Mas isso foi antes de Ezequiel ir pra são Paulo, antes de matarem Jacó, antes de tanta coisa se alterar na nossa família. Podia o amontoado ser maior, se três dos irmãos não tivessem morrido pequenos. Mas os meninos homens que vingaram ficaram mesmo só em sete; ajuntando com as mulheres, aí sim, é que tudo contado dava dez irmãos. Bem pouco, dizia vó Raimunda antigamente, e comprava com outras famílias conhecidas, que tiveram mais filhos vingados que a nossa. E naquela época ainda os irmãos tudo moravam em casa. É, vendo a arrumação da dormida, acho que agora é só um tiquinho de gente em casa, e a sala fica um grande descampado. No passado, antes da minha rede, de um lado tinha a de Jeremias, porque ele é o caçula; essas duas continuam no mesmo lugar. Da outra banda da sala, a primeira era a de Josué, por ser o mais velho. Armada na ponta da sala, ele levava a vantagem de balançar botando o pé na parede. Corri a vista pelos adobes que, no escuro, eu não podia ver direito, mas que conhecia direitinho cada um deles, cada um dos buracos que cavamos pra comer o barro, nos tempos das lombrigas na barriga. Nesses buracos a gente guardava coisas. Castanhas, sementes, brinquedos, tocos de cigarros de palha. Quando a gente era pequeno, eram esconderijos de placas de metal, caixinhas de fósforo, arames, bolinhas de gude — essas custavam de se conseguir uma.
Mais um tempinho e alguns dos irmãos iam acordar pra mais um dia de labuta. Pra eles, apenas mais uma quinta-feira de costume, de trabalho na roça; agora pra mim, o único que ia na festa de emancipação de Santo Antônio, ia ser dia de mudança. Um dia que ia ser comprido, pois que tinha muitos planos e problemas pra resolver à noite, por isso o nervoso me atacou desde cedo. Antes que mãe começasse a bater panela pra fazer os beijus e o café, me revirei na rede e tentei me lembrar de como as coisas tomaram o rumo de agora. Acho que a vida da família se alterou depois da morte de Jacó. A rixa com a família Medeiros começou mesmo depois do namoro do primo Zé Preá com a filha de Seu Nonato Medeiros, Rosalva. Pra falar a verdade, o leite só azedou mesmo quando saiu o falatório que ela estava perdida do primo. Esses bestas da família Medeiros sempre foram metidos a valentes e fizeram a vida caçando desculpa pra arrumar uma confusão com a nossa. Bastou a conversa chegar aos ouvidos dos Medeiros de que Rosalva estava desonrada, pra eles quererem começar a guerra de novo. Queriam sangrar Zé Preá ou qualquer um parente pra lavar o sobrenome, porque o velho Nonato dispensou os oferecimentos de tio Augusto de fazer o casório dos dois, querendo dizer que a família deles era mais honrada do que a nossa, e a que tinha homem mais valente do povoado. Nem era uma coisa nem outra. A família Grande provou isso antes e eu vou provar de novo hoje, se precisar.
O galo cantou bem quando eu me alembrava do tempo que tinha começado o chamego de Zé Preá e Rosalva. Parei com as lembranças e pulei da rede como um homem de maior pra enfrentar as pendengas tudo que eu tinha pra hoje.
Clique nesses links:
http://franciscomigueldemoura.blogspot.com
http://abodegadocamelo.blogspot.com
_____________
*Jailson Klein, brasileiro, mora em São Paulo. Já participou na publicação de dois livros de contos e prepara o terceiro, agora este "Um dia na vida de Salomão Grande", do qual apresentamos o primeiro capítulo. Trata-se de um prosador que vai direto ao assunto, numa linguagem saborosa e bem esperta, da maneira como os mais modernos contistas escrevem. Estilo originalíssimo.
domingo, 9 de janeiro de 2011
O BRASIL É MEDÍOCRE
Escritor e conferencista
heldercaldeira@estadao.com.br
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
MARIO DE ANDRADE - 4 POEMAS

1.
NOTURNO DE BELO HORIZONTE
(Fragmento)
A Serra do Rola-Moça
não tinha esse nome não.
Eles eram do outro lado,
vieram na vila casar.
E atravessaram a Serra,
o noivo com sua noiva,
cada qual no seu cavalo.
Antes que chegasse a noite,
se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
e puseram-se de novo
pelos atalhos da Serra,
cada qual no seu cavalo.
Os dois estavam felizes,
na altura tudo era paz,
pelos caminhos estreitos
ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.
A Serra do Rola-Moça
não tinha esse nome não.
As tribos rubras da tarde
rapidamente fugiam
e apressadas se escondiam
lá embaixo nos socavões,
temendo a noite que vinha.
Porém os dois continuavam
cada qual no seu cavalo,
e riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
com as risadas dos cascalhos
que soltos e chocarreiros
do caminho se soltavam
buscando o despenhadeiro.
Ah! Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte.
Na altura tudo era paz...
Chicoteando o seu cavalo,
no vão do despenhadeiro
o noivo de despenhou.
E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.

2.
RECONHECIMENTO DE NÊMESIS
(Março de 1926) Fragmento
Ah! Malvadeza brutaça
ds indivíduos humanos,
ds humanos desta praça!
Ah! homens filhos-da-puta,
gente bem ruim, bem odiando,
homens bem homens, grandiosos
na sua inveja acovardada!
Grandiosos na força bruta.
na estupidez desvelada!
Que heroísmo sem inocência,
o do sujeito esquecendo
do remorso e da conciência!
Oh! força reta, bem homem,
de ser talqualmente os mares,
e os movimentos do mundo!
Perversidades solares
Da magrém! ser mata-pau!
Sucuri, raio, minuano!
Forçura destes humanos,
iguais na perversidade,
iguais na imbecilidade,
na calúnia, iguais no ciúme...!
conscientemente implacáveis!
Imperiais no riso mau...!
Ota, cabra demográfico,
jornaleiro do azedume,
secreção de baço podre,
alma em que a sífilis deu!
Burrice gorda, indiscreta,
veneranda... Homo imbecilis,
invejado pelo poeta...
Viva piolho de galinha!
Eh! homem, bosta de Deus!
3.
EU SOU TREZENTOS
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinqüenta ,
as sensações renascem de si mesmas sem repouso.
Oh espelhos, oh Pirineus! oh caiçaras!
Se um deus morrer, irei ao Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
e os suspiros que dou são violinos alheios;
eu piso a terra como quem descobre a furto
nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinqüenta,
mas um dia afinal me encontrarei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
só o esquecimento é que condensa,
e então minha alma servirá de abrigo.
4.
POEMAS DA AMIGA / III
Agora é abril, ôh! minha doce amiga,
te reclinaste sobre mim como a verdade,
fui virar, fundeei o rosto no teu corpo.
Nos dominamos pondo tudo no lugar.
O céu voltou a ser por sobre a terra,
as laranjeiras ergueram-se todas de-pé
e nelas fizemos cantar um primeiro sabiá.
Mas a paisagem logo foi-se embora,
batendo a porta, escandalisadíssima.
_________________________
MÁRIO (Raul de Morais) DE ANDRADE (9-10-1893/25-2-1945, SP, Rua Lopes Chaves, onde residia) é considerado um dos principais poetas surgidos na Semana de Arte Moderna, 1922, e também estudioso de realidades culturais brasileiras. Assim, a sua obra permanece sendo apreciada e estudada, a do poeta, ficcionista, lingüista, ensaísta, historiador... e mais que “trezentos e cinqüenta”, como se expressa.
De sua bibliografia, alguns títulos, além das aqui referidas: Lira Paulistana, Clã do Jaboti, O Losango Cáqui, de poemas; Amar, Verbo Intransitivo, romance; Os Filhos da Candinha, crônicas, Macunaíma, rapsódia; Ensaio Sobre a Música Brasileira, Aspectos das Artes Plásticas no Brasil, O Folclore no Brasil, ensaios; O Empalhador de Passarinho, crítica literária, além de sua vasta correspondência com artistas e intelectuais ao longo da existência.
Melhor rastrear algumas considerações do Poeta Dantas Motta, que do Poeta paulista publicou livro sobre sua vida, obra poética e seu tempo. *
“... (Mário de Andrade) nasce num período de transição dos mais agitados da história brasileira...”
Em 1922, acontece a famosa Semana de Arte Moderna em São Paulo com participação efetive de significativos nomes da Literatura, Música, Pintura e outras manifestações artísticas. Dantas vê Mário nesse contexto: “... com ela (Semana) ou sem ela, porém, a vida intelectual de Mário de Andrade teria sido o que foi: uma constante busca de afirmação para termos o direito a esta espécie de casa própria. (...) “E daquela data em diante, até a sua morte, reforma,a renova, inquire, reinquire, esquematiza, organiza, passa a limpo, e, sobretudo, cria. De sua obra literária, artística e científica, séria e grave, surge, visível, delineada e delimitada até mesmo nos seus contornos geográficos com fisionomia de continente, uma cultura nacional que ele codificou em linguagem, estilo e pensamento.”
Afinal, como Manuel Bandeira: “Mário foi o brasileiro que mais se esforçou na tarefa de patrializar a nossa terra.”
(Paschoal Motta)
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
CARTA DE CARLA EZARQUI
Caro amigo Francisco Miguel de Moura:
Um tanto envergonhada pela ausência, retorno a escrever-lhe, pois já estou morrendo de saudades.
As obrigações são muitas, o vestibular está chegando e a cada dia me vejo mais desesperada, apesar de estar muito bem.
Recebo frequentemente suas publicações e agora me dou o prazer de comentá-las.
Todos Somos Políticos mostrou-me outro potencial seu que eu desconhecia. Embora nos acabe irritando falar sobre política e principalmente sobre a triste “origem” do Brasil e seus primeiros anos, se faz necessário uma vez que o nosso povo precisa abrir os olhos e parar de se orgulhar simplesmente por estar exportando “jogadores, sem nenhuma política que leve o sentimento de amor à pátria”.
A visão abrangente e seu discernimento espantaram-me. Que trabalho maravilhoso, de ótima qualidade mesmo!
Outra frase que me chamou a atenção ainda nesse texto foi: “Educação moral se aprende em casa, depois é que vem a escola por complemento”. Quantos e quantos pais ainda não aprenderam isso! Quão pobre é o nosso rico país!
O texto fez-me refletir sobre coisas que nunca havia parado pra pensar. Como pode uma nação tão “poderosa”, não ter conquistado seu espaço?!
A Lua é uma crônica de perfeição tamanha que, mesmo já conhecendo seu potencial, me surpreende como um ser humano pode criar coisa semelhante. Realmente vivemos das banalidades. Eu às vezes me pergunto como o que parece ser um simples papel com algumas palavras pode mexer tanto comigo? São palavras tão simples, mas por outro lado, possuem significados tão profundos e com mensagens tão importantes para nossa vida, que me vejo morta sem elas. Ainda mais com o “mundo de luto”, não há coisa melhor pra colorir nossa vida do que uma boa leitura e é claro um bom entendimento.
Ao ler Na avenida senti haver algo muito real na narração do fato. Isso aconteceu? Como também me identifiquei muito, pois vivo a pensar e não sei por que gosto de andar sozinha pelas ruas, principalmente quando vou caminhar (comecei há um mês aproximadamente), assim ninguém interrompe meus pensamentos; também não me considero anti-social, mas muitas vezes me admiro de estar me sentindo bem dentre tantas pessoas desconhecidas. Enfim, adorei a crônica.
Aguardando notícias suas. Despeço-me, deixando-lhe um abraço mui carinhoso.
A amiga e a grande apreciadora da boa leitura,
Carla Ezarqui
_______
Carla Alexandra Ezarqui é estudante do curso superior, mora em Borborema-SP, escreve poesias e pretende formar-se em letras.