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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A BRINCADEIRA MAIS SÉRIA? - POESIA

 Francisco Miguel de Moura*

Não tenho vergonha de dizer que faço versos nem como os faço. 

Todo dia a minha antena funciona: emoção diante da vida ou dos próprios pensamentos, a cota de anos, de dias, de sacrifícios, de prazeres e virtudes, enganos e erros. E ainda topamos com as perplexidades diante das variações do Imposto de Renda e da situação financeira, ou da política – esta porcaria que nos procura diariamente, desde o nosso próprio emprego até o nosso salário e o dos filhos. E estes continuam sempre nossos filhos pelo amor e pela pior situação econômico-financeira do que nós, uma prova de que o mundo vem piorando e, com ele, nosso Brasil. É aqui que se faz crítica em poesia. Entram em ação as paródias e os epigramas, a sátira a permear as imagens de nossa linguagem, cuja forma pode ser soneto, trova, haicai, balada, poema livre etc. É preciso ter cuidado para que o dia-a-dia não se banalize em nossa letra poética. A linguagem da poesia é diferente. Se você quer escrever um artigo é só usar as palavras e frases comuns. Se quer fazer uma confissão, da mesma forma. Não importa que aquele seja no tom sarcástico e este no sentimental, individual.

Não posso ficar com a frescura de dizer que sou um bom poeta, daqueles que o verso/poema/canto salta da cuca e vai direto para a pauta do papel pela esferográfica como criança que nasce de parto normal e de mãe sadia. Tenho minhas pequenas e grandes dificuldades. Elejo temas que continua a glosar em todas as poesias de uma fase. Começo poema que nunca termino, por medo ou incapacidade, não importa. Acompanho os passos de meus poemas, monto-os e os desmonto ao belprazer de minha brincadeira intelectual com as palavras. É assim que se arma uma brincadeira.  É assim que se faz poesia também: brincando. Certa vez brinquei de trabalhar um poema e consegui cerca de 10 diferentes formas, evocando o mesmo tema. Não faz muito tempo, foi quando eu e o poeta Hardi Filho construíamos o nosso livro “Tempo Contra Tempo”, editado em parceria, que continua fazendo sucesso de crítica e de leitores.  Ontem o fato se repetiu, agora com uma poesia que nem sei se vou publicar. Goza de mim, leitor? Pois é. E não faço bazófia. Se for riqueza, é apenas de autocrítica. Talvez defesa. Não tenho grande memória, supro-a com a fertilidade da imaginação, com o trabalho, com o suor do rosto. Anotações mais anotações. Depois, o poema lírico sai das comportas do “eu”, como sabemos, e a forma é que deve universalizá-lo por metáforas surpreendentes, não aquelas já velhas e surradas, catacréticas e cheias de cataratas que obstruem a visão do leitor.

Sofrer? O poeta é sofrimento e alegria, quase parodiando Fernando Pessoa, em seu “o poeta é um fingidor”. Mas compreendamos.  A inteligência pode ser a comum, a que tenho. Depois que o homem inventou a Enciclopédia, o Dicionário, o Computador, sem falar no disco, na gravação, no papel em branco, na tinta e na caneta – o coração e a cabeça devem ficar disponíveis para o amor e o balanço (da dança, da rede ou da mão quando escreve), para que a inspiração corra livre e desimpedida durante o dia. Eu caminho, fora e dentro de casa, e caminhando me encho de “inspiração”.  A noite é insondável para a poesia, como a morte. Se uma coisa puxa a outra, digo que meu trabalho “artesanal” segue noite adentro, em busca da melhor forma, do melhor som, da melhor cor – o poema tem cor, podem crer. É a imagem em metáfora ou metonímia, em comparação ou por oposição, correndo para fixar-se em letra de forma, em companhia com o senhor já insondável conteúdo, a mudar de roupa e a querer parecer outra coisa que não ele – sendo ele mesmo. Contexto vivo e palpitante, e nele, a poesia necessária como ar que se respira.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta com quase 40 obras, das quais metade é poesia, está com o seu livro "POESIA IN COMPLETA", REVISTO E AUMENTADO - 2ª Edição, pronto para publicação, contendo mais de 700 poemas (métrica livre e sonetos). Mora em Teresina, PI. E-mail para correspondência virtual: franciscomigueldemoura@gmail.com

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A VIDA E SEUS CAMINHOS - CRÔNICA

Francisco Miguel de Moura*

                                                                                        
Passei a manhã de hoje numa livraria. Não vou dizer o nome pra não fazer propaganda, que eles pagam caro, mas se colocar aqui não recebo nem um “tostão furado”. Vá traduzir esta expressão e verá que não tem boa correspondência em outra língua, senão em espanhol, a mais próxima de nós.
Não foi uma manhã agradável como as de outrora, de quando eu entrava numa boa livraria com deleite, permanecendo como que enlevado. Corri os dedos e os olhos por todas as estantes ou prateleiras e não encontrava o que queria: um livro de crônicas, de autor brasileiro. De autores tupininquins, só vi o surrado Paulo Coelho, que não escreve crônicas (e nem sei se seus livros são de boa ficção). Tudo mais era “best-sellers” americanos ou de outras paragens. Biografias de cantores, livros políticos e midiáticos.
Já na saída, por muita sorte, li na carneira o nome de um: “O mundo é o que é”, de Gilmar Marcílio.  Dentro, na primeira linha da crônica: Uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”. Tive tempo de ler a primeira crônica e gostei. Fechei-o com cuidado. Pus o volume debaixo do braço, desci as escadas já procurando onde pagar, com a frase da primeira crônica na cabeça: “Uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”.
Gosto de crônicas porque a leitura é mais amena. Na minha idade... O cronista trabalha com a matéria viva – a vida e seus passos. A vida física em toda parte é objetiva, as alterações são naturais. Mas a vida social, cultural, os acontecimentos são diferentes em cada lugar do mundo. Dizem que a crônica é um gênero menor, não sei por qual motivo. Creio que pode tornar-se maior sem exagerar na extensão. Pode ser universal sem ser de autor que só publique por famosas editoras. Geralmente a crônica vai do jornal para o livro, se for boa, bem escrita, trabalhada com estilo. Foi assim que ela começou no Brasil, com Machado de Assis. E continua ora de costumes, ora poética, ora filosófica, aqui e acolá ilustrada por ditos populares e anedotas.  Abdias Lima, escritor cearense, conta uma anedota que vai dar um tom menos rígido a esta minha e esclarece porque a crônica é crônica. Escreveu ele:
“O menino lê o jornal, talvez deliciando-se com uma crônica, e de repente levanta a cabeça para perguntar ao pai:
- Crônica? Que quer dizer isso?
- Crônica é o que passa – resposta do pai.
- E como é que a asma da vovó nunca passa e o médico diz que é crônica”?
Crônica é tudo que passa aos nossos olhos exteriores e internos a cada dia. E é “crônica” porque não passa. Talvez seja a melhor definição do gênero. Talvez seja o mais antigo gênero literário em prosa.
Quando apresentei o livro à moça do caixa, pedi um desconto porque o pagamento ia ser à vista. E ela prontamente concedeu. Agora não consigo lembrar como entrei no assunto literatura. Disse-lhe certamente que era escritor.
- Talvez esta livraria tenha alguns livros meus.
- O senhor escreve o quê? – falou como se já me conhecesse.
- Escrevo crônicas e romances. Este é de crônicas - expliquei – e estou levando porque gosto de ler crônicas, normalmente são curtas, a gente lê na rede e até mesmo no banheiro.
Moça branca, comunicativa, risonha, bonita para mim, naquela ocasião. E interessou-se mais:
- Como são seus romances? São românticos?
- São românticos até certo ponto, pois geralmente há casos de amizade, namoro e casamento. Mas pode haver romance sem romance. O que não se deve é escrever um romance sem mistério. É uma arma para levar o leitor até a página final.
Como sou conversador quando o assunto é livro, literatura e leitura, fui respondendo à curiosidade da moça até que, afinal, escupuli e descrevi um pouco da história do meu primeiro romance.
- Meu primeiro romance tem nome de “Os estigmas”. Sabe o que são os estigmas? Não a deixei falar, prossegui. Os estigmas com que trabalhei estão patentes nos personagens principais: uma moça negra que morava numa pensão e termina na “zona de mulheres”, uma aleijada que quis namorar o rapaz, no caso eu próprio, feio e pobre, que ficou com a negrinha, entre outras formas de estigmas.
- Mas o senhor não é feio, não.
- Bondade sua! São seus olhos. Mas já fui melhor quando era jovem de 20 anos.
Olhando para o meu relógio, abreviei a despedida. Nosso papo terminara por ali mesmo.  Mas, se “uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”, com diz o autor logo na primeira crônica, confesso que me deu vontade de beijá-la. Em seu lugar, beijei o livro.
A manhã, a partir dali, ficou mais prazerosa. Voltei pra casa alegre, lembrando as palavras da moça. Mas não foi o principal sentimento. Saí pensando sobre a vida e seus caminhos. Principalmente os caminhos da leitura. Será que a influenciei? Pelo que sei, quem vende livros não os lê. Quando muito passa um vista pelas orelhas, nome do autor, título e editora. E pronto.
Já li quatro crônicas que eu chamaria de ensaios à la Montaigne e gostei do estilo, dos temas e da maneira de focá-los. Vou continuar até o fim. Depois, volto a ela, a moça, para recomendar a leitura. Para mim, só existem três coisas que me fazem entender bem a vida: o toque, a vista e o ouvido. E fora dos órgãos físicos, a leitura. Nenhum discurso ouvido, por melhor que seja o orador, não se concatena na minha cabeça. É como se entrasse por um ouvido e saísse por outro. Melhor do que a leitura silenciosa não existe.
A leitura silenciosa é uma conversa com o autor, com o mundo do texto e consigo mesmo – o próprio leitor. E cada releitura é um novo caminho para desvendar mundos diferentes, vidas interessantes, luzes que mais brilham, gente que vive, sofre, ri e canta. E dança. Às vezes conforme a música, outras vezes infelizmente não.
Na leitura de Gilmar Marcílio encontro tudo isto, talvez até mais do que meu olho interno enxergava antes, pregado ao meu chão, a mim mesmo e ao meu egoísmo.

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*Francisco Miguel de Moura, brasileiro, casado, bancário aposentado, escritor (prosa e poesia), publica uma crônica ou um artigo a cada sábado, no jornal "O DIA". Esta foi publicada em 19-7-2014, página 6 - Coluna "Opinião".

domingo, 25 de maio de 2014

PRETO NO BRANCO - MORENO BRASILEIRO

Francisco Miguel de Moura*

Não me refiro ao preconceito de cor, mas à população brasileira como um todo, começando pelo Piauí. Se o IBGE usa essas expressões, por que não podemos usá-las também! São as mais consentâneas com a verdade, visto que as demais (pardo, caboclo, cafuso, por exemplo) podem parecer deboches. Sobre este assunto, lembrei-me de certo dia, lá pela década de 1980, quando estava a ler o jornal “A Tarde”, de Salvador.  No importante diário, deparei-me com a notícia, para mim até então estúpida, de que, proporcionalmente, o estado brasileiro onde a população “de cor” é maior não é a Bahia, como muitos falam, mas o Piauí. Infelizmente não guardei recorte da matéria. Tal afirmação de que Oeiras, proporcionalmente, tinha mais negros do que a Bahia (todo baiano chama a sua capital assim), mesmo proporcionalmente como ele frisava, me deixou “grilado”. 

Será que ele tinha razão? Pegando um compêndio escolar denominado “Estudos Regionais do Piauí”, de Joselina Lima Pereira Rodrigues, edição de 2001, leio: “Os povoadores do Piauí originaram-se dos elementos básicos formadores da raça brasileira: o branco, o negro e o índio”. Repare o leitor que a professora escreve expressamente “raça brasileira”, referindo a nossa população atual. O caldeamento dessas três raças se deu de modos muito diferentes, aqui e ali, do primeiro ao século atual. É preciso que a gente se lembre que as terras do Piauí foram as últimas a serem alcançadas por portugueses: Em 1674, o português Afonso Mafrense penetra pelos sertões acima do rio São Francisco, com muito risco, pois os índios, perseguidos  pelos senhores de engenho, aqui se encastelavam. Era o início do desbravamento. Tenha-se, naturalmente, em conta a dificuldade de chegar-se até onde fundaram a capital e daí produzir a expansão acontecida, a partir do centro até o norte e o sul. É preciso também não deixar fugir da nossa memória – pois que ainda não fugiu da memória escrita, como atestam historiadores como Odilon Nunes e atualmente Reginaldo Miranda – que o Piauí é o único estado brasileiro onde todos os índios foram exterminados, não sobrando nenhum, o que faz lembrar Canudos, infelizmente.  Eis por que nossa mistura com índio é praticamente nula.

 Começando com o núcleo inicial, como deve ser, não estamos trabalhando com dados precisos, estatísticos, mas com hipóteses e algumas citações: “O povoamento inicial do Piauí deu-se com muitas famílias enviadas do Maranhão e, pouco depois, com 300 brancos criminosos libertados em Lisboa, além de escravos e índios”. Também o crescimento de Oeiras foi muito lento. “Criada por Carta Régia de 30-6-1712, em 1730 a vila tinha apenas entre 25 e 30 moradores”, conforme registra Cláudio Bastos, no “Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí”, editado em 1994. O que existia antes era apenas uma freguesia sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória, ligada ao bispado de Pernambuco, a qual foi desligada como vila em 1696, ano em que justamente se comemora o nascimento de Oeiras, nossa antiga capital. Consta também, em vários historiadores, que a maioria dos piauienses brancos é originária de sete famílias que vieram para cá, com o intuito de permanecer, fato notável porque o comum era virem, enriquecerem e voltarem para Portugal. Parece-me que elas povoaram do centro do para o sul do nosso estado. E, em minha opinião e de alguns comentaristas antes de mim, estas famílias de audazes e fortes portugueses, vindas para cá com armas e bagagens, foram crescendo e se reproduzindo. Chegamos a pensar que a burguesia piauiense que domina as várias atividades, ontem a pastoril e agrícola, hoje a de políticos e administradores, de uma forma ou de outra descende desses troncos familiares. Eles combateram ferozmente os indígenas e importaram negros, para o trabalho muito extenso das fazendas de gado. E ninguém estuda nem fala, mas tivemos a civilização do couro: porta, mesa, cadeira, roupa e tudo mais que mais se pudesse e quisesse fazer era feito de couro de boi. Nessa época, exportávamos gado para o Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e quiçá para o sul do país.

Se fizéssemos uma pesquisa lingüística nos modos e hábitos do piauiense, certamente encontraríamos indícios e traços do preconceito, no passado. Mas os tempos e o modo de ser da população foram mudando, a miscigenação entre brancos e pretos aumentando. Recentemente veio a Constituição Federal de 1988, que, num dos seus artigos iniciais, proíbe o preconceito de todos os tipos - nem precisamos citá-lo. Portanto, pode-se deduzir que quem tem preconceito não é um ser humano útil, pois pratica um ato dos mais incongruentes com a vida em sociedade. A partir do conhecimento que tenho sobre estes assuntos, tanto os históricos quanto os atuais, é que vejo o desenvolvimento da sociedade brasileira no rumo de um povo homogeneizado na cor, na linguagem, nos costumes, na sensibilidade e na doçura, na inteligência e no amor. Tenho observado, particularmente no Piauí, que a cor morena domina, é maioria. Sou capaz de apostar que sim. E esta é a cor da “raça brasileira”, de que falou a professora Joselina Lima Pereira Rodrigues. Para mim, não tem a inteligência e o coração brasileiros aquele que interpõe, seja pessoa entidade civil ou governamental, qualquer obstáculo à tendência da “morenização” do brasileiro. É a tendência do norte, nordeste, sudeste e centroeste.  A região sul demorará mais a integração de que falamos em virtude do tipo de imigração recebida, destoante daquela do Brasil colonial e imperial, porque mais recente. Quem não concorda?  

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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras - APL-Teresina, PI; membro da União Brasileira de Escritores (SP e PI) e sócio a IWA - International Writers and Artists Association - Estados Unidos. 

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