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sábado, 10 de março de 2012

CONVERSA SOBRE MANOEL DE BARROS


ROSIDELMA FRAGA rosidelmapoeta@yahoo.com.br
 Professora, poeta e ensaista - Goiânia - GO  
     

 Prezado Xico Miguel 

A idéia oriunda de entrevistar o poeta Manoel de Barros nasceu quando eu trilhava o caminho da Pós-graduação Latu Sensu em Literatura Brasileira na UNEMAT e escrevia sobre O canto do insólito em Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto e Manoel de Barros. Meu ex- orientador de literatura chamado Isaac Newton Almeida Ramos, que também comparou a poesia de Manoel de Barros e Fernando Pessoa, concedeu-me o telefone do poeta. Em seguida, liguei e a dona Stella de Barros atendeu com maior simplicidade e concedeu-me o endereço. A segunda vez aconteceu em 2008, a partir da minha atual pesquisa de mestrado na UFG com o projeto Convergências poéticas: Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Corsino Fortes, com a orientação da Profª. Drª. Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo.

Não encontrei nenhum obstáculo para entrevistar o poeta, uma vez que assim como Manoel de Barros, eu tenho horror a câmeras e microfones. Eu mesma pedi a entrevista por escrito porque dois tímidos não conversariam muito bem. Nunca iria conversar pessoalmente com Manoel de Barros e nem tenho objetivos para isso. Preferi amar a poesia dele estudando-a. Não iria falar com ele porque eu me sentiria pequena demais como ele se sentiu no Rio de Janeiro quando tentou falar com o Manuel Bandeira. Não foi difícil para mim e muito menos para Manoel. Tímidos se realizam melhor na escrita, na pintura e na música. A solidão de indivíduo é melhor para o poeta. Destarte, tudo que pedi ao poeta veio muito mais rápido que o vôo de uma garça no Pantanal mato-grossense.

Meu contato com a poesia de Manoel de Barros foi a partir do Livro sobre nada que li umas quatro vezes e justamente os “nadifúndios” que infinitam e celestam o poeta ficaram em mim. Depois li a Gramática expositiva do Chão: poesia quase toda e fiquei com a imagem do “tatu fodendo em cima da tatua”. Em seguida, O guardador de águas e vislumbrei com o poeta desejando “ficar mais porcarias nas palavras”, O livro das Ignorãças, dentre outros, e fiquei como uma adolescente que descobre o beijo e não quer mais parar. É assim que eu me sinto quanto à poesia de Manoel de Barros, não consigo deixá-la nas minhas investigações. Às vezes penso em não continuar com a poesia dele no futuro doutorado, mas pressinto que nasci para cumprir um papel de estudiosa de sua lírica. Saliento, por exemplo, que antes de sair o livro Poemas Rupestres ele escreveu-me dizendo que este poderia ser seu último livro que estava no prelo, na Editora Record. Eu fiquei dias imaginando a pedra, o rústico e a língua virgem, ou a linguagem em estado nascente da que fala Paul Valéry em Poesia e pensamento abstrato. Quando o livro saiu não tive dúvidas e pensei: “este será mais um livro para o meu mestrado”. Parece-me que a “disfunção lírica” dele me pegou de uma forma incomensurável. Confesso leitor, que imaginava “a palavra de brinco”, mas não pensei “no menino que se enfiaria “dentro de uma abelha pensando ser a infância da língua”. Voei fora da asa quando li Poemas Rupestres porque sempre gostei da palavra concreta e mineral. Hoje entendo que o momento certo para fazer o mestrado seria agora porque eu viria certamente a essas páginas falar das obras de Manoel de Barros. A teologia do traste foi o poema que tocou meu ser e vi no avesso de cada verso que Manoel de Barros tem ideias iluminadas, não as ideias abstratas concebidas, mas as concretas. Recordo a imagem fabulosa no poema Se Achante que se inicia com o discurso dos contos de fadas: “era um caranguejo muito se achante” que vinha “montado num coche de princesa”. Não há como não se encantar e se incorporar com essas palavras. Muito bem disse Manoel em Livro sobre nada que “poesia é voar fora da asa”. Não escondo que eu senti ciúme da obra Poemas Rupestres. Queria ser a primeira a ler ou a primeira a estudar. Sonho com as Obras Completas do senhor Manoel que talvez será meu objeto inteiro no doutorado que não tenho pressa, mas sei da minha continuidade com a poesia manoelina.

No começo, o interesse pela obra de Manoel de Barros nasceu pelo fato de eu ter errado justamente a questão no vestibular acerca do Livro sobre nada que eu tinha lido e relido. Queria entender esses “nadifúndios”, mas não sabia que “entender é parede”. Depois cresceu pelo simples biografismo do poeta nas entrevistas do jornalista Otavio Guizzo de Mato Grosso do Sul e da Berta Waldman e, sobretudo, pelas aulas de Análise da Poética, ministrada pelo professor Isaac que me ensinou a gostar do Manoel de Barros e amar mais a poesia lírica. Posteriormente, busquei saber o que os críticos falavam de Manoel. Li o comentário que o Alfredo Bosi escreveu sobre ele em História Concisa da Literatura Brasileira. Penso que Manoel de Barros e Cora Coralina foram marcados pelo esquecimento da crítica. Manoel sempre correu dos críticos. Mas há sempre um abençoado que leva a arte que já nasce com brilho, assim como o Carlos Drummond de Andrade falou de nossa goiana Cora e o Millôr falou do nosso Manoel. O tempo é engenhoso como escreveu Guimarães Rosa no conto Desenredo. Todavia, é o tempo o responsável pela eternidade do enredo desses bons poetas. A glória que o público chama de fama vem na hora certa, mas creio que a maior glória de um poeta reside na sensação orgasmática de cada verso escrito e lido. Prêmios nacionais e internacionais e comentários da crítica são consequências da própria obra que está condicionada ao tempo.

Hoje, creio que o desconhecimento de sua lírica já foi condicionado a esse tempo. Não vejo mais Manoel de Barros como um “nômade”. Creio que o Brasil tem públicos diferenciados de leitura e a obra dele requer, de certa forma, um público elitista. A poesia não é tão rentável, mas pelo número significativo de livros vendidos, para mim, ele é muito conhecido e pode chegar a ser cânone. Detesto esta palavrinha cânone porque Manoel de Barros é maior que toda essa discussão de grupos locais, nacionais e lero lero. Não precisa ser um Bernardo Élis na Academia Brasileira de Letras para ser lido e admirado. Que fique claro, não tenho nada contra os imortais da literatura na academia, muito menos contra o Élis dos goianos. Só creio que ficar discutindo o poeta/romancista como cânone empobrece a obra e distancia leitores, pois o que é realmente bom não precisa ser forçado. O tempo e os leitores se encarregam das boas respostas.
Eu disse acima que o leitor de Manoel é elitista. Sei que da mesma forma que a tragédia no mundo helênico era para um público superior, assim pode ser hoje a poesia de Manoel de Barros. Entretanto, não quero dizer que um leitor não-acadêmico não possa ler sua poética. Penso no leitor mirim, por exemplo, meu filho que ouviu o título da história do “menino que carregava água na peneira” e depois disse: “nossa que mentiroso é esse Manoel de Barros porque ele inventou essa história de água na peneira e a água não vai sair pelo buraco?”. Ou até mesmo o poema “Campeonato” do Fazedor de Amanhecer que o deixou encantado por meio da “disputa dos meninos que conseguiam urinar mais longe e davam inveja nas meninas”. Manoel de Barros é aclamado por leitores de todas as idades. O poeta é aclamado porque há um grande número de leitores que aprovam suas invenções e ficam na expectativa do próximo livro e nem precisa entrar para a Academia Brasileira de Letras porque a imortalidade de Manoel de Barros reside no “celestamento” de cada verso que ele escreveu. Em tom profético, acredito que a obra de Manoel de Barros ainda será objeto de muito estudo no Brasil e no mundo. O bem maior que é a sua poesia será lembrado nos bens do próprio poeta pelas gerações vindouras, tais como: “os fazedores de inuntensílios”, “um travador de amanhecer”, “uma teologia do traste”, “uma folha de assobiar”, “um alicate cremoso”, “uma escória de brilhante”, “um caranguejo todo se achante”, “um parafuso de veludo” e “um lado primaveril”, além do verso “poesia é voar fora da asa” e tantas outras heranças. No futuro tão próximo, vejo a poesia de Manoel de Barros consagrada e "canônica", eis a infeliz palavrinha novamente para agradar alguns e ferir meus ouvidos. Como a prosa poética do Guimarães Rosa, “Manoel de Barros não morrerá, ficará encantado”.

Eu diria àqueles que ainda não conhecem a obra de Manoel de Barros que procurem observar as “sobras do lixo e dos rios podres que correm por dentro de nós”, desse ser estilhaçado que perde a sua unidade interior, conforme citado na pesquisa A poesia alquímica de Manoel de Barros de Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo. Em síntese, minhas memórias e descrições sobre o poeta Manoel de Barros residem em meus poemas e na minha pesquisa. Portanto, a mais fiel narrativa consta neste discurso de anamnesis e na entrevista editada por Dilson Lages no http://www.portalentretextos.com.br/ , conforme a autorização que recebi do poeta para divulgar sem nada acrescentar, distorcer ou transformar. Nunca disse a ninguém que sou fã de Manoel de Barros porque não é assim que vejo sua lírica. Vejo-a no plano da linguagem, da imagem poética e procuro investigá-la com subsídios teóricos ou até mesmo por bel-prazer, mas nunca fã porque detestaria me portar como seguidora de ator de novelas de TV. Eu sempre evito cair no “fanatismo bobo” porque acho ridículo e patético, perdoem-me os fanáticos em literatura. Qualquer narrativa distorcida que gerou a minha entrevista sobre o poeta tem sido má exegese de jornalistas que inventaram afirmações e grafaram por conta própria. Nesse texto está o meu retrato verdadeiro sobre a poesia de Manoel de Barros. Além de minhas memórias sobre o poeta, segue abaixo a homenagem no poema que enviei a ele e misturo aqui ao gênero de minha narrativa, já que é possível pensar no hibridismo de gêneros na literatura:


A BELEZA DOS INÚTEIS

(homenagem a Manoel de Barros)

No pé da parede nascem ciscos de algodão
Fios chiando surdamente no lixo da praça.
O útil e o inútil do chão valem mais que o fazer
O inútil traz mais beleza que a flor.

A flor é o artista inconfessável.
É com a indiferença dos inúteis
que o poeta ouve o canto do concreto
e toca no avesso da cor de um passarinho no fim da tarde.
É o poeta que faz uma borboleta voar parada
Tira suas asas e depois ela vira lesmas
Fica tonta de tanto criar plumas nas palavras.
E no fim aprende com a própria criança do poeta
que a borboleta não voa no pé de algodão.
Vem a outra criança e diz: a borboleta avoou no chão.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O ASSASSINATO DO LEITOR E DA LITERATURA NOS CURSOS DE LETRAS




 Rosidelma Fraga*

Influenciada pela insônia que me toma sempre quando penso na morte e guiada pelo título ensaístico “O assassinato de Mallarmé”, de Silviano Santiago e da profecia poética de Stéphane Mallarmé “tudo existe, no mundo, para acabar em livro”, eu abri uma página para escrever um texto às avessas. Paradoxalmente ao que diz a frase célebre do poeta francês, descortino a palavra, a fim de ponderar um assunto que vem me perturbando desde o instante em que eu determinei ser professora de literatura, ao entrar para a Graduação em Letras e, paulatinamente vivenciar práticas pedagógicas na Educação Básica e no Ensino Superior. De forma brevíssima, meu objetivo fulcral aqui é dar algumas alfinetadas sobre o tema o assassinato do leitor e da literatura associado ao diploma conferido a um professor da área de Letras. Parece estranha a proposta, já que na própria envergadura e no corpo fônico da palavra LETRAS há o verbo LER. Por conseguinte, quem escolhe a licenciatura ou bacharelado em Letras será um leitor. Seria mais que óbvio se não fosse obtuso, diria meu amigo Roland Barthes.
Antes de tudo, assevero que não foi o Curso de Letras que me conduziu à literatura. Ao contrário, a poesia quem me levou a prestar vestibular para Letras que, por sorte celestial, havia a Universidade do Estado de Mato Grosso em minha terra-mãe. Mesmo almejando a Licenciatura em Música, diria que se eu tivesse que fazer outra graduação, em qualquer lugar do Brasil ou do exterior, eu escolheria Letras duplamente pela Literatura, apesar dos percalços e das pedras que vou encontrando no caminho para persistir na profissão desejada e amada.

Um leitor é assassinado sempre que as universidades e o MEC conferem o diploma a alguém que passou os quatro anos em busca da habilitação em Licenciatura Plena em Letras, sem ter se identificado com o curso, sem ser apaixonado por Literaturas e pela Língua Portuguesa roçando em nossa língua. É assassinado também sempre quando sai do curso sem compromisso com a formação do leitor, quando não vive o curso de corpo e alma. É assassinado desde o momento em que desejou cursar Medicina e, como não foi e nunca seria aprovado, resolveu prestar vestibular para Letras porque é o curso de menor demanda, não necessariamente o mais simplificado e de menos valor cultural ou com menos exigência de Leitura. Acredito que ser formado em Letras é mais que uma responsabilidade social, uma vez que a leitura legitima o homem. Em Vários escritos (2004, p.176), o professor Antonio Candido grafou: “a literatura confirma a humanidade do homem”. Ela contribui para “a formação da personalidade [por ser] uma forma de conhecimento do mundo e do ser”. Logo, a leitura deve estar adiante de todo e qualquer diploma, mormente o de Licenciatura Plena em Letras.

Assim, defendo que a exigência no mencionado curso deveria ser mais austera e a disputa pelo diploma deveria ser acirrada como jogar e ganhar na mega sena. Escrevo isso porque a nota de corte na seleção do vestibular para Letras nas regiões periféricas do país é insignificante em relação aos cursos de maior demanda. A maioria dos candidatos que passa para Letras normalmente lê resumo de obras literárias e redige muito mal. E isso não é uma metáfora, muito menos um discurso ficcional. O candidato aprovado passa o curso inteiro tentando se enganar e ludibriar alguns professores que, muitas vezes, se parecem mais com “padrinhos”, dando de presente sempre um “jeitinho de brasileiro” com oportunidades a certos alunos que estão muito mais preocupados com qualquer DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR do que com a FORMAÇÃO DE LEITORES. 

Por causa de tal objetivo que diverge dos objetivos do Curso de Letras, eu fui me transformando numa sadista em matéria de exigência. A leitura deve ser prazerosa? Indubitavelmente. Mas para um professor, leitura por prazer e leitura por obrigação devem ter uma relação cordial de sinonímia, independente do que diz uma regra gramatical. Eu tenho consciência de que me tornei um ser humano antipático, já que nem sempre é possível despertar o prazer pela leitura em alguém que escolheu o curso errado. Aprendi que não há nada mais prazeroso para um professor do que apreciar um aluno não-leitor jubilando no curso. Seria mais ou menos que ver a queda do World Trade Center e rir liricamente em vez de chorar. Parece puro sadismo misturado a masoquismo que, em literatura pode até virar Katharsis. Ao ser jubilado, o ex-futuro professor estará salvando diversos leitores dos escombros sociais. Haverá menos um professor que lê pouco e lê mal para prejudicar uma sala de aula inteira depois de sua formação. 

Posteriormente a licenciatura em Letras, esse assassino da literatura jamais passará em concurso público para altos cargos federais. Quem não ama literatura irá amar leis e códigos? O certo é que o “habilitado” em Línguas e respectivas literaturas será um pobre, perdido e fracassado. Entre ser carregador de feira livre como o João Gostoso do “Poema tirado de uma notícia de jornal” e ser professor, a última opção será mais apropriada. Com o diploma na mão, lá vai o miserável assassinar leitores. Mesmo não sendo aprovado em concursos públicos para professor, abrirão vagas para contratação nas redes municipais e estaduais e o governo economizará a metade do salário nos cofres públicos porque a preocupação com a educação é uma falácia. E a partir desse momento inicia-se a “bola de neve” para o professor formador de professores. 

E o que uma bola de neve tem a ver com formação de leitor? Entendamos que o professor mal formado irá cultivar outros maus leitores que nem saberão a diferença desse mal com l e mau com u que usei propositalmente. E esses miseráveis que não são os mesmos miseráveis de Victor Hugo poderão entrar para o curso de Letras pelos mesmos pretextos de seu professor de português. Resultado: mais um leitor irá morrer de sede com tantos livros na biblioteca das faculdades de letras que vão se espalhando por todos os cantos periféricos do país. E o que o professor está fazendo se o problema sempre existiu? Cabe a cada um responder a si mesmo.

Como toda crítica, ainda que não hegemônica, deve seguir de uma presumível solução, a minha recomendação é mais que uma reflexão: “faça um bem para a educação, evite divulgar matérias com quantidade de formados em Letras. Priorize a qualidade do leitor que deve vir antes do professor graduado, especialista, mestre, doutor ou pós-doutor. Antes do nome de uma pessoa da educação seria mais interessante inserir Professor-Leitor fulano de tal em vez de Professor Doutor fulano de tal. Nunca apreciei essas exuberâncias e estrelismos pelo simples fator título ou altamente obrigatório e recomendável pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Evite uma tragédia brasileira. Promova o mesmo bem que Misael fez para Maria Elvira. Em som de paródia a Manuel Bandeira: tire uma Elvira da rua, trate-a com livros e folhas de papel couché. Dê um livro como abrigo, nem que ela descubra o prazer de ter como diversos amantes: José de Alencar, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Drummond, Cecília Meireles, Gerardo Mello Mourão, Mia Couto, José Saramago, Lídia Jorge, Ezra Pound, Victor Hugo, Honoré de Balzac, Gustave Flaubert e tantos outros autores da literatura nacional e internacional. Faça cada leitor levantar pela manhã e ler Homero, Virgílio, Camões (lírico e épico), Petrarca, as obras fundamentais da literatura portuguesa e brasileira, incluindo a Literatura Africana de Língua Portuguesa, ainda que Maria Elvira (metonímia para leitor) seja uma lésbica apaixonada por Safo, a décima musa na ilha de Lesbos. Somente assim, a literatura será liberta e o leitor não ficará acorrentado como Sísifo. Lembre-se de Mário Quintana: “quem faz um poema salva um afogado”. Afinal, poetizou um artista pernambucano/goiano chamado Jamesson Buarque (2011) que considero como um professor realmente leitor: “Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé: A história de uma pessoa é a história do planeta”.
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*Rosidelma Fraga é poeta e ensaísta brasileira, mora em Goiânia -GO, onde é professorauniversitária. 
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NOTA IMPORTANTE: Este ensaio também pode ser visto e apreciado no link abaixo, basta clicar. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O FIO DO RISO EM TERESINA - Crônica de Viagem

04 de dezembro, de 2011
 
Com o livro O fio do riso, de Ângela Lago que li na manhã de sábado, do dia 03 de dezembro, de 2011, organizei tantos outros livros e jornais e voei para Teresina. Dormi profundamente e às vinte e três horas ouvi a voz do comissário de bordo a sobressaltar-me: “Senhores e senhoras, sejam bem-vindos a Teresina”.
Desci as escadas do voo 3882, caminhei lentamente até a porta de desembarque e li a seguinte informação: “Quem sair por esta porta não poderá retornar”. Esteticamente, recebi os dizeres como um convite à permanência no local dos rios Poti e Parnaíba.
Pessoas de todas as cores vão para todos os lados, rostos piauienses, cearenses, recifenses, paulistas, goianos e troianos, nem sei quantas almas estiveram diante de mim. Bem que eu desejei escrever um poema, leitor. Porém o fio que tece minhas memórias é mais prosaico.
Aproximei de uma companhia de táxi e comprei um ticket para o Hotel Pio, na Avenida do Centenário e perguntei: “É perto?” A moça não respondeu com palavras. Somente gesticulou com as mãos: “mais ou menos”. Retirei treze reais e entreguei-lhe. Concomitantemente, um estrangeiro pede um táxi para o Bairro Pirajá e paga os mesmos contos de réis.
Olho a moça loira chupando chiclete e a fila andando. Misturo ao estrangeiro com a sensação de ser um personagem de Albert Camus. Noto o fio do riso nos lábios da moça e quase indaguei: “A senhorita está a rir de mim ou do estrangeiro?” Calei, escolhendo seguir o meu destino para regar as minhas rosas.
O motorista, com as mãos na cabeça e com ar de incredulidade, comentou: “nossa, a senhora está somente com esses livros e poderia ir caminhando. Olhe lá o hotel”. Esqueci da elegância e, como sou filha de Deus, soltei um famoso: “Filha da puta”. Só agora compreendi o riso da moça do chiclete. Aprendi que os livros abrem caminhos, desencadeiam risos e a imaginação. Porém, eles não possuem GPS e nem nos mostram quando seremos assaltados propositalmente. O imaginário poético da literatura esconde a realidade, muitas vezes.
Enfim, cheguei ao lugar desejado no tempo de um minuto que custou treze contos. Logo à minha espera estava um menino com cabelos pretos tal como negro preto cor da noite. Intertexto que caso com Negro preto, cor da noite, do poeta Afro-Brasileiro Lino Guedes lido por mim no voo entre Goiânia e Brasília. O menino também não se conteve quando narrei o fato. Desabrochou o fio do riso em Teresina.
Dia seguinte, encontrei-me com uma professora de Porto Alegre com os olhos azuis da cor do mar e a minha narrativa identificou-se com a dela. Soltamos o fio do riso e indignamos com a falta de bom senso da informante do ticket.
Logo mais à tarde, meus pés desfilavam numa palhoça a sentir o gosto típico de um prato à moda caseira. Na palhoça, eu que sou observadora e sensível, li a cor do riso de um moço com a pele marcada pelo sol teresinense, cuja pele dos pés abria-se pela dor, como alguém que bebeu a secura do cruel destino nas ruas ou na beira das pedras. Pensei: “Prosaico era o fio do riso da moça loira chupando chiclete feito vaca no capim molhado, ao passo que poético era o sorriso gordo e aberto do menino magro”. Era um sorriso enriquecedor. Traduzia uma luz germinada do fundo da alma.
Sobrevoei ao retorno de minhas raízes e todas essas imagens foram se mesclando entre a veia lírica das águas e as nuvens do céu. O fio do riso tornou-se pequeno em seu fio narrativo e diante da poesia abraçada ao fio celeste das águas piauienses e o sorriso sagrado do menino cor da noite.
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*Rosidelma Fraga, professora, doutorando em Literatura, poeta     e   cronista, nascida em Mato Grosso, mora em Goiânia - GO.


Comentários (1)
Rosi,
Seja eu o primeiro a comentar sua crônica. Seu texto é maravilhoso típica crônica de viagem, mas de uma viagem inacabada. Se você voltar alguma vez (e acho que vai voltar) ao Piauí, entenderá nossa gente, talvez, de um outro modo. O piauiense é tímido, dizem que até não há gente mais parecida com o mineiro do que um piauiense. Ah! Como gostaria de lhe mostrar o cais do Parnaíba, a Av. Raul Lopes em frente ao rio Poty, o monumento ao Cabeça de Cuia na embocadura do Poty com o Velho Monge. Também, se a gente passeasse pelo Mercado Velho, pela Shopping Cidadão; se a gente fosse a Sete Cidades; se a gente visse um dia a praia de Amarração - uma Copacabana bem maior e mais calma; se a gente pudesse passar um dia num barco que nos mostraria o Delta do Parnaíba... – Ah! como seria bom. Creio que você escreveria um livro de muitas crônicas sobre o Piauí, como, aliás, já fez o Eneas Athanázio, de Santa Catarina. Mas sua crônica, para uma viajante tão apressada e que fez uma viagem tão prosaica quanto a de submeter-se a um concurso, está ótima. Melhor não poderia ser. Deliciei-me com ela, conheço agora, melhor, seu estilo em prosa corrida, sem alinhavo, como você é. Para mim, nada melhor do que esse tipo de conhecimento por dentro, pelo que é, não pelo que poderia ser ou ter sido. TOMARA QUE VOCÊ ABISCOITE O LUGAR DE PROFESSORA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ  E AQUI VENHA MORAR. Meu coração está pulando de alegria. Tenho certeza, você gostará, de coração, desta terra e desta gente. Abraço bem piauiense
francisco miguel de moura.
francisco miguel de moura
postado:
05-12-2011 15:49:54 


 Links: acesse estes:
http://franciscomigueldemoura.blogspot.com 
http://abodegadocamelo.blogspot.com 
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