Passei a manhã
de hoje numa livraria. Não vou dizer o nome pra não fazer propaganda, que eles
pagam caro, mas se colocar aqui não recebo nem um “tostão furado”. Vá traduzir esta expressão e verá que não tem boa
correspondência em outra língua, senão em espanhol, a mais próxima de nós.
Não foi uma
manhã agradável como as de outrora, de quando eu entrava numa boa livraria com
deleite, permanecendo como que enlevado. Corri os dedos e os olhos por todas as
estantes ou prateleiras e não encontrava o que queria: um livro de crônicas, de
autor brasileiro. De autores tupininquins, só vi o surrado Paulo Coelho, que não
escreve crônicas (e nem sei se seus livros são de boa ficção). Tudo mais era “best-sellers” americanos ou de outras
paragens. Biografias de cantores, livros políticos e midiáticos.
Já na saída,
por muita sorte, li na carneira o nome de um: “O mundo é o que é”, de
Gilmar Marcílio. Dentro, na primeira linha da crônica: “Uma das coisas mais bonitas da vida é
beijar”. Tive tempo de ler a
primeira crônica e gostei. Fechei-o com cuidado. Pus o volume debaixo do braço, desci as escadas já procurando onde pagar,
com a frase da primeira crônica na cabeça: “Uma das coisas mais bonitas da vida é
beijar”.
Gosto de crônicas porque a leitura é mais amena. Na minha idade... O cronista trabalha com a matéria viva – a vida e seus passos. A vida física em toda parte é objetiva, as alterações são naturais. Mas a vida social, cultural, os acontecimentos são diferentes em cada lugar do mundo. Dizem que a crônica é um gênero menor, não sei por qual motivo. Creio que pode tornar-se maior sem exagerar na extensão. Pode ser universal sem ser de autor que só publique por famosas editoras. Geralmente a crônica vai do jornal para o livro, se for boa, bem escrita, trabalhada com estilo. Foi assim que ela começou no Brasil, com Machado de Assis. E continua ora de costumes, ora poética, ora filosófica, aqui e acolá ilustrada por ditos populares e anedotas. Abdias Lima, escritor cearense, conta uma anedota que vai dar um tom menos rígido a esta minha e esclarece porque a crônica é crônica. Escreveu ele:
Gosto de crônicas porque a leitura é mais amena. Na minha idade... O cronista trabalha com a matéria viva – a vida e seus passos. A vida física em toda parte é objetiva, as alterações são naturais. Mas a vida social, cultural, os acontecimentos são diferentes em cada lugar do mundo. Dizem que a crônica é um gênero menor, não sei por qual motivo. Creio que pode tornar-se maior sem exagerar na extensão. Pode ser universal sem ser de autor que só publique por famosas editoras. Geralmente a crônica vai do jornal para o livro, se for boa, bem escrita, trabalhada com estilo. Foi assim que ela começou no Brasil, com Machado de Assis. E continua ora de costumes, ora poética, ora filosófica, aqui e acolá ilustrada por ditos populares e anedotas. Abdias Lima, escritor cearense, conta uma anedota que vai dar um tom menos rígido a esta minha e esclarece porque a crônica é crônica. Escreveu ele:
“O menino lê o jornal, talvez deliciando-se
com uma crônica, e de repente levanta a cabeça para perguntar ao pai:
- Crônica? Que quer dizer isso?
- Crônica é o que passa – resposta do pai.
- E como é que a asma da vovó nunca passa e
o médico diz que é crônica”?
Crônica é tudo
que passa aos nossos olhos exteriores e internos a cada dia. E é “crônica”
porque não passa. Talvez seja a melhor definição do gênero. Talvez seja o mais
antigo gênero literário em prosa.
Quando
apresentei o livro à moça do caixa, pedi um desconto porque o pagamento ia ser
à vista. E ela prontamente concedeu. Agora não consigo lembrar como entrei no
assunto literatura. Disse-lhe certamente que era escritor.
- Talvez esta
livraria tenha alguns livros meus.
- O senhor
escreve o quê? – falou como se já me conhecesse.
- Escrevo crônicas
e romances. Este é de crônicas - expliquei – e estou levando porque gosto de
ler crônicas, normalmente são curtas, a gente lê na rede e até mesmo no
banheiro.
Moça branca,
comunicativa, risonha, bonita para mim, naquela ocasião. E interessou-se mais:
- Como são
seus romances? São românticos?
- São
românticos até certo ponto, pois geralmente há casos de amizade, namoro e
casamento. Mas pode haver romance sem romance. O que não se deve é escrever um
romance sem mistério. É uma arma para levar o leitor até a página final.
Como sou
conversador quando o assunto é livro, literatura e leitura, fui respondendo à
curiosidade da moça até que, afinal, escupuli e descrevi um pouco da história
do meu primeiro romance.
- Meu primeiro
romance tem nome de “Os estigmas”.
Sabe o que são os estigmas? Não a deixei falar, prossegui. Os estigmas com que
trabalhei estão patentes nos personagens principais: uma moça negra que morava numa
pensão e termina na “zona de mulheres”, uma aleijada que quis namorar o rapaz,
no caso eu próprio, feio e pobre, que ficou com a negrinha, entre outras formas
de estigmas.
- Mas o senhor
não é feio, não.
- Bondade sua!
São seus olhos. Mas já fui melhor quando era jovem de 20 anos.
Olhando para o
meu relógio, abreviei a despedida. Nosso papo terminara por ali mesmo. Mas, se “uma
das coisas mais bonitas da vida é beijar”, com diz o autor logo na primeira
crônica, confesso que me deu vontade de beijá-la. Em seu lugar, beijei o livro.
A manhã, a
partir dali, ficou mais prazerosa. Voltei pra casa alegre, lembrando as
palavras da moça. Mas não foi o principal sentimento. Saí pensando sobre a vida
e seus caminhos. Principalmente os caminhos da leitura. Será que a influenciei?
Pelo que sei, quem vende livros não os lê. Quando muito passa um vista pelas
orelhas, nome do autor, título e editora. E pronto.
Já li quatro
crônicas que eu chamaria de ensaios à la Montaigne e gostei
do estilo, dos temas e da maneira de focá-los. Vou continuar até o fim. Depois,
volto a ela, a moça, para recomendar a leitura. Para mim, só existem três
coisas que me fazem entender bem a vida: o toque, a vista e o ouvido. E fora
dos órgãos físicos, a leitura. Nenhum discurso ouvido, por melhor que seja o orador,
não se concatena na minha cabeça. É como se entrasse por um ouvido e saísse por
outro. Melhor do que a leitura silenciosa não existe.
A leitura
silenciosa é uma conversa com o autor, com o mundo do texto e consigo mesmo – o
próprio leitor. E cada releitura é um novo caminho para desvendar mundos
diferentes, vidas interessantes, luzes que mais brilham, gente que vive, sofre,
ri e canta. E dança. Às vezes conforme a música, outras vezes infelizmente não.
Na leitura de
Gilmar Marcílio encontro tudo isto, talvez até mais do que meu olho interno
enxergava antes, pregado ao meu chão, a mim mesmo e ao meu egoísmo.
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*Francisco Miguel de Moura, brasileiro, casado, bancário aposentado, escritor (prosa e poesia), publica uma crônica ou um artigo a cada sábado, no jornal "O DIA". Esta foi publicada em 19-7-2014, página 6 - Coluna "Opinião".
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*Francisco Miguel de Moura, brasileiro, casado, bancário aposentado, escritor (prosa e poesia), publica uma crônica ou um artigo a cada sábado, no jornal "O DIA". Esta foi publicada em 19-7-2014, página 6 - Coluna "Opinião".
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