Francisco Miguel de Moura
A PARTIDA
Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.
Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.
Ninguém vai, ninguém fica. Oh! se reparte
no transporte que liga e que desliga!
Confusão de saber quem fica ou parte.
Não se explica tamanha intensidade
Amarga, e doce, e errante, que interliga
os corações perdidos de saudade.
EX-ANIMAL
Impossível falar à alma de um
dos viventes de Deus sobre esta lida,
sobretudo o que vai na alma ferida,
ou na lembrança que não é comum.
Somos ilhas cercadas por nenhum
outro ser dito irmão. Nada o convida
a um mínimo de esforço que dê vida
ou assunção de problemas, seja algum
conselho, bate-papo ou sofrimento
sobre ações, pensamentos e palavras,
salvo se se tratar do testamento.
O desumano egoísmo é sem limite,
do prazer de si só faz suas lavras,
e o mundo inteiro que se dinamite.
AS COISAS QUE...
Passo a limpo os guardados, vejo a capa
de um livro de poemas que me roeu
por ter nele o meu rosto!... Olho-o, à socapa,
tentando deslembrar quem era eu.
O mundo é diferente em cada etapa,
e a gente nem percebe que sofreu.
Já não quero sequer buscar, no mapa,
a alma, o sonho onde ela se perdeu.
Como senti-me mal naquele dia!
Mas me guardei daquela coisa fria
pra me esquecer, enfim, que fui um jovem.
Por que perder meu tempo em desmazelo?
Se o passado morreu já não é belo,
quero o presente e as coisas que nos movem.
CAMINHANTE
No início, para trás eram meus passos,
mesmo assim alcancei quem se atrasou
mais do que eu, quem nada me escutou.
Meus pés doíam presos a alguns laços...
De rosto, a olhar em volta do ocidente,
jamais ouvi um som de voz alheia,
sem ver minhas pegadas pela areia,
a curtir um passado inconseqüente.
Fiz pecados tão poucos, rezei tudo.
Cansado de falar me tornei mudo,
de tanto acreditar fiquei descrente.
Atrasei-me de amor pelo vizinho,
mas descobri, agora, que sozinho
ainda posso dar passos para frente.
DA VIDA E DA MORTE
Há quem busque esta vida noutra vida,
e são felizes recriação da morte.
E quem encontre a vida na antemorte,
e são felizes plenamente em vida.
Por que preocupar-se com a tal morte,
se ela vem no seu tempo como a vida,
ou depois. E se o ente está sem vida,
logo o engana e faz dele vida e morte?
Há quem, afadigado pela vida,
transforme a vida-vida em vida-morte
e passe uma existência sem ter vida.
E os que só vivem dissecando a morte
pra saber se depois da vida há vida,
ou se depois da morte tudo é morte.
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*FMM ou Francisco Miguel de Moura, escritor, habitante do Piauí, na Capital, onde passava o rio Parnaíba, quando era vivo, mas, coitado, está morrendo. Apelo para as autoridades que deixem que se faça do Piauí um deserto. Partido Verde, que é que você está fazendo? Qual sua função,sua luta? Meu Deus, é doer! O rio está secando... ESTES SONETOS FAZEM PARTE DE UM LIVRO INÉDITO CHAMADO "A CASA DO POETA".
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