sábado, 5 de julho de 2014

IIVAN JUNQUEIRA ( 1934 - 2014)

RIO - Morreu nesta quinta-feira, dia 3 de julho, aos 79 anos, Ivan Junqueira. Sexto ocupante da cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Letras (ABL), o carioca teve insuficiência renal. Segundo antecipou o colunista Ancelmo Gois, ele estava internado no hospital Pró-Cardíaco havia mais de um mês. O corpo do acadêmico foi velado no Salão dos Poetas Românticos, no Petit Trianon da ABL até às 15h. Depois, foi sepultado no mausoléu da Academia, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. 

Poeta, ensaísta, tradutor e crítico literário, vencedor de importantes prêmios como o Jabuti de poesia por "A sagração dos ossos" (1994) e "O outro lado" (2007), Junqueira completaria 80 anos em novembro. Para marcar a data, que concide com seus 50 anos de carreira literária, sua editora, a Rocco, estava planejando o lançamento de dois livros inéditos do autor: "Reflexos do sol posto", coletânea de ensaios, em agosto, e "Essa música", de poemas, previsto para outubro.

Em "Reflexos do sol posto", Junqueira reflete sobre o cenário das letras brasileiras em críticas e análises feitas ao longo dos últimos anos e dedica um espaço especial à poesia. Quase premonitório, logo nas primeiras páginas ele avisa o leitor que esta deveria ser sua última reunião de ensaios. Já em "Essa música", seu amigo e crítico Alfredo Bosi afirma na quarta-capa que, com a obra, ele "alcança o zênite de sua trajetória poética". Também sobre o livro, o poeta Marco Lucchesi afirma: "'Essa música', essencialmente atonal, perfeitamente esquiva, contínua e sincopada é uma pauta de raro encantamento” no texto de abertura da orelha.

Também em ocasião de seus 80º aniversário, a Editora Nova Fronteira programou a edição de bolso da premiada tradução dos poemas de T. S. Eliot, de 1981, que mereceu dez edições. Outras obras do Acadêmico, como "O outro lado" (Record) e "Testamento de Pasárgada" (Global), antologia crítica sobre Manuel Bandeira, também estão no prelo para ganhar novas edições.

Junqueira foi o sexto a assumir a cadeira de número 37 da ABL, em 2000, ocupando a vaga deixada por João Cabral de Melo Neto. Nascido no Rio em 3 de novembro de 1934, estudou medicina e filosofia na Universidade do Brasil (atual UFRJ), sem concluir nenhum dos dois cursos. Em 1963, começou a trabalhar como jornalista na "Tribuna da Imprensa", tendo passado pelas redações do "Correio da Manhã", "Jornal do Brasil" e "O GLOBO".

Também foi colaborador das enciclopédias Barsa, Britannica, Delta Larousse, entre outras, além do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro editado pela Fundação Getúlio Vargas. Na Funarte, foi editor da revista "Piracema" e chefe da Divisão de Texto da Coordenação de Edições, tendo se aposentado no serviço público em 1997. Na Fundação Biblioteca Nacional, foi editor-adjunto e depois editor executivo da revista "Poesia sempre", entre 1993 e 2002.

Em nota, o presidente da ABL, Geraldo Holanda Cavalcanti, lamentou a morte do colega. "A morte do acadêmico Ivan Junqueira é uma grande perda para a Academia. Acadêmico exemplar, Ivan engrandeceu a casa à qual serviu durante 14 anos com exação, competência e dedicação. Grande poeta, mestre indiscutível nas artes do ensaio crítico e da tradução literária, Ivan deixa um legado que enriquece a nossa tradição e a história literária do Brasil.”

Ivo Barroso, poeta e tradutor, lembrou a importância de Junqueira como poeta e tradutor. Os dois trabalharam juntos com Antônio Houaiss e na tradução das obras de T.S. Eliot: um com a poesia e o outro com o teatro.

— Nós tivemos à princípio um grande convívio, à sombra do Antônio Houaiss. Tudo o que o Houaiss fazia, chamava a gente. Depois, fui para o exterior e a nossa convivência foi por cartas. Ele me dava dicas de tudo que acontecia literariamente no Brasil. Quando fui incumbido pela editora Aguilar de organizar as obras completas do Baudelaire, fui buscar todas as traduções que existiam. A do Ivan, de "Flores do mal", é a melhor até hoje, nunca foi superada — afirma Barroso. — Depois de ter nos dado essa preciosidade, fez toda a obra poética e os ensaios do T.S. Eliot. Trabalhamos juntos de novo, eu fiz o teatro e ele a poesia. Ele fez outra surpreendente, do Dylan Thomas, um poeta praticamente intraduzível.

O poeta Alexei Bueno disse que o Brasil "perdeu um de seus maiores poetas":
— Ivan era um dos maiores poetas brasileiros, um tradutor de poesia extraordinário, um critico de fineza rara e eu perdi um dos meus maiores amigos. São mais de 20 anos de amizade, é muito triste. Perdemos um homem extremamente espirituoso, de humor afiadíssimo, apesar de ter fama de ser fechado.

Ivan Junqueira foi presidente da ABL em 2004 e 2005. O imortal foi ainda tema do documentário "Ivan Junqueira, apenas um poeta", de André Andries, lançado em 2012. Ele deixa viúva a jornalista e escritora Cecília Costa Junqueira e cinco filhos: Suzana, Rafael, Raquel e Eduardo, do primeiro casamento, e Otávio, com a atual mulher.  

 SELEÇÃO DE POEMAS
                           IVAN JUNQUEIRA
 
TRISTEZA

Esta noite eu durmo de tristeza.
(O sono que eu tinha morreu ontem
queimado pelo fogo de meu bem.)
O que há em mim é só tristeza,
uma tristeza úmida, que se infiltra
pelas paredes de meu corpo
e depois fica pingando devagar
como lágrima de olho escondido.

 (Ali, no canto apagado da sala,
meu sorriso é apenas um brinquedo
que a mãozinha da criança quebrou.)

E o resto é mesmo tristeza.


ELEGIA ÍNTIMA

Minha mãe chorando no fundo da noite
rachou o silêncio do quarto adormecido.
Meu pai olhava o escuro e não dizia nada,
Um relógio preto gotejava barulho.

Lá fora o vento lambia as espáduas do céu.

Minha mãe chorando no fundo da noite
Apunhalou o sono de Deus.



 MADRIGAL

 Azul e pontual,
o céu acordou:
cada aurora
em seu horizonte.
Mas a pergunta,
Como um gládio
em riste, cravou
seu aço no vazio
— e lá, imóvel, ficou
esperando a resposta
que não raiou.



HOJE

 A sensação oca de que tudo acabou
o pânico impresso na face dos nervos
o solitário inverno da carne
a lágrima, a doce lágrima impossível...
e a chuva soluçando devagar
sobre o esqueleto tortuoso das árvores



HAICAI


Na gaiola jaz
o pássaro
sem espaço

 

O POEMA

Que será o poema,
essa estranha trama
de penumbra e flama
que a boca blasfema?

 Que será, se há lama
 no que escreve a pena
 ou lhe aflora à cena
 o excesso de um drama?

 Que será o poema:
 uma voz que clama?
 Uma luz que emana?
 Ou a dor que algema?


 TALVEZ O VENTO SAIBA

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

____________________
Nota:   Texto - Notícias - O Globo Cultural. Copiada por Francisco Miguel de Moura
                      Seleção de Poemas - Antônio Miranda - (vide seu site)                                             

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