quinta-feira, 8 de novembro de 2012

MARIA HELENA VENTURA: “ONDE VAIS, ISABEL"*

Francisco Miguel de Moura 
Escritor, membro da Academia Piauiense 
de Letras-Teresina - Piauí - Brasil



Antes de escrever sobre o romance “Onde Vais Isabel”. lido durante este ano de 2012, vai um pouco da bibliografia da autora, Maria Helena Ventura, nascida em Coimbra, residente em Cascais já na área da grande Lisboa. Mestre em Sociologia, fez jornalismo, mas dedicou-se ao ensino, pesquisa e literatura. Sua obra é representada por 17 livros entre poemas e romances (estreia com “Pedras Lapidadas”, poesia). Recentemente editou três excelentes romances (“Um Homem Só”, “Onde Vais Isabel” e “Cidadão Orson Welles”. O último foi comentado neste jornal. Do segundo, conforme título, estamos fazendo estas notas, visto ser um romance histórico com 271 páginas compactas, cuja leitura não me foi fácil em vista do meu confesso desconhecimento da História de Portugal.

Maria Helena Ventura é uma das maiores culturas do Portugal moderno. Além disto é pessoa de fina educação, dedicada e sensível, trabalhadora incansável, generosa com os amigos e até com os conhecidos, como demonstrou comigo e minha obra. Os personagens principais do romance sob comento são D. Isabel, princesa, terceira filha de Pedro III de Aragão e de Constança de Hoenstaufen da Sicília, e D. Dinis (6º. Rei de Portugal) que se casaram por procuração, em Barcelona, a rainha em viagem para Portugal. Memorável e romanesca foi a viagem. Com enorme séquito, D. Isabel segue até aos limites de Portugal (Trancoso) ao encontro de D. Dinis, onde se conhecem, a princesa com apenas 12 anos (nascida em 1270). Naquela viagem começa a aparecer o narrador do romance de D. Isabel e D. Dinis (Javier, ou Xavier de Cardeña) em cuja tarefa a autora se esmerou, criando-o do tamanho necessário em confiança e nobreza para servir o trono, tanto quanto a família real precisava.
A vida de D. Isabel bem poderia ser de rosas, mas foi bastante conturbada pela maneira de ser de D. Dinis que, em cada parte importante do reino, mantinha uma concubina daí nascendo inúmeros filhos bastardos, para sofrimento da rainha, embora esta os tratasse muito bem. D. Isabel procurava conviver bem e esperava mais desvelo do marido. Casaram-se não por escolha dos dois, mais por interesse das famílias reais, tendo o rei D. Dinis recebido do pai de D. Isabel um dos maiores dotes do tempo: cem mil maravedis. “Não podia ter escolhido melhor rainha” teria dito. Além do mais D. Isabel trazia um segredo com origem no Templo, o qual iria ser muito útil às estratégias de D. Dinis, quando começava a receber os perseguidos * expulsos da Ordem. Portugal era, na época, muito cobiçado pelos reinos de Castela, Aragão e arredores.

Outra coisa: se D. Isabel tinha complexo por causa de sua feição e compleição, não se sabe. Ela compensava todos os desgostos, trabalhando pelos pobres do reino e pelas ordens religiosas, tendo fundado e construído vários conventos de freiras, trabalho que enciumava o rei, quando não ocupado com suas trovas, trovadores e concubinas, além dos negócios do reino. Para tanto, faltava dinheiro para as esmolas e D. Isabel produzia flores, que depois, no momento de entregar aos pedintes, transformavam-se em moedas (entre outros, este foi um dos milagres comprovados para que o Papa a aclamasse santa). Algumas vezes a rainha seria tolhida por alguém de D. Dinis. Vejamos o diálogo:

“No momento em que D. Isabel transpõe o portal com as damas, (D. Dinis) apressa-se no seu encalço, mal disfarçando as passadas largas. Já ela dá os primeiros passos no pátio onde o povo aguarda, quando ouve bradar de longe o seu rei, seguido pelo mancebo Estêvão da Guarda:

ONDE VAIS ISABEL?
…..
Por aí, visitar meus pobres e doentes, senhor. Precisais de alguma coisa?
Preciso sempre de minha mulher no paço, ou não sabeis?
No paço não vos vejo quase nunca, D. Dinis
Trato de meus assuntos com meus secretários
E eu dos meus vou tratar (…) senhor. Podeis dar-me espaço para não chegar muito tarde?
Depois que me disserdes o que levais no regaço…
Apenas rosas, senhor, o que havia de levar?
Rosas? No Inverno algum jardim dá rosas, por milagre?


E contente deste episódico ardil, que muitas orações lhe vai custar, a rainha deixa cair o fardo amorosamente preparado para a ocasião. São botões de rosa viçosos, conforme testemunha D. Dinis num silêncio de espanto, entre o rosto da mulher e cada flor a tombar. Os pobres precipitam-se para os pés de D. Isabel, em busca de moedas ou tão-só da flor, como se de pão sagrado se tratasse.
São mesmo rosas, senhor – fala de Estêvão da Guarda".

Apesar de tudo D. Dinis foi um rei sábio e grande administrador. Com a ajuda de D. Isabel conseguiu construir templos e palácios, ajudar o crescimento da lavoura e da pesca, mas principalmente a florescer a cultura sendo trovador como era e de muito talento, também decretou o dialeto já falado no país como língua oficial, a língua portuguesa – na opinião deste articulista uma mistura de galego, espanhol e outras diferenciações que o tempo e a cultura do povo engendraram.

Finalmente, um pouquinho sobre o estilo de Maria Helena Ventura deve ser destacado: forte, elegante, até certo ponto adaptado à época onde transcorre o romance. Merece ser lido com a maior das atenções. Em termos universais, pode ombrear com “Guerra e Paz” de Leon Tolstoi. Entre nós brasileiros, com Assis Brasil nos seus romances históricos, especialmente “Bandeirantes, os comandos da morte”, contando a origem e fundação de S. Paulo, seria outro parâmetro.

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* "Onde vais, Isabel", de Maria Helena Ventura, contando a história apaixonante da Rainha Santa Isabel, é um romance histórico, publicado em Portugal, em 2008, pelas Edições Saída de Emergência, 1ª edição, março de 2008. Pode ser encontrado através do site www.saidadeemergencia.com


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