domingo, 30 de setembro de 2018

Alguns haicais de Guilherme de Almeida

O PENSAMENTO

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.

HORA DE TER SAUDADE

Houve aquele tempo...
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)

INFÂNCIA

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".

CIGARRA

Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
o ar. E brilha. E passa.

CONSOLO

A noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou.

CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.

NOTURNO

Na cidade, a lua:
a jóia branca que bóia
na lama da rua.

OS ANDAIMES

Na gaiola cheia
(pedreiros e carpinteiros)
o dia gorjeia.

TRISTEZA

Por que estás assim,
violeta? Que borboleta
morreu no jardim?

PESCARIA

Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.

JANEIRO

Jasmineiro em flor.
Ciranda o luar na varanda.
Cheiro de calor.

DE NOITE

Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?

FRIO

Neblina? ou vidraça
que o quente alento da gente,
que olha a rua, embaça?

FESTA MÓVEL

Nós dois? - Não me lembro.
Quando era que a primavera
caía em setembro?



ROMANCE

E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
____________
*Guilherme de Almeida, poeta paulista, estes haicais farão parte do livro "Antologia de poemas e poetas mais amados", organizada por Francisco Miguel de Moura, Teresina, Piauí.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...