quarta-feira, 11 de junho de 2014

IDADE, IDENTIDADE E PREFERÊNCIA: A ESFINGE

                                         
Francisco Miguel de Moura – Escritor e
membro da Academia Piauiense de Letras

          Há muitos anos, eu ainda era menino e obedecia às ordens de meu pai, professor que sabia ensinar, por isto era chamado de mestre Miguel Guarani, em Picos e em toda a redondeza. E ele me dizia: - “Quando passar por um velho, tire o chapéu em reverência, em sinal de respeito”. Uma vez, quando entrou um inspetor do ensino em nosso colégio, papai, o mestre-escola, que já o esperava de antemão, ordenou: - “Quando ele entrar, levantem-se todos, e só se sentem quando ele mandar”. Era o respeito às autoridades e aos mais velhos, os sábios da vida. É que os cidadãos, os velhos e as autoridades se davam respeito e por isto eram respeitados. O temor de todos era que esse “modus vivendi” fosse considerado ultrapassado, conservador e precisasse de renovação. E veio a renovação apenas no que tange à liberdade integral dos direitos, especialmente a sexual, mas nada quanto às obrigações. Segundo o Papa Francisco, “a sociedade atual é extremamente consumista, hedonista e egoísta, por isto, os velhos sofrem inclusive a eutanásia encoberta” - aquela que faz com que os filhos abandonem os pais em hospitais e abrigos para velhos, sem remédios, sem comunicação, sem identidade, sem um mínimo de conforto humano.

        Por que tudo mudou tão rápido? Há entre nós os que sabem e respondem, mas ainda são poucos. Muitos são os que se calam, abaixam a cabeça, por falta de clareza do pensamento político e social, achando que tudo o que é maioria é a verdade. A palavra “velho” tornou-se um depreciativo. Inventaram a substituta “idoso”, ou então denominaram a velhice de “melhor idade” e a cujo fenômeno a mocidade deita desprezo. A gente sente na carne. Hoje ninguém mais usa chapéu (mesmo que seja careca), salvo na Copa do Mundo, quando muitos se cobrem com um boné, cheio de cores, e nem sabem o que representam o verde, o amarelo e o azul. Isto porque a mocidade não possui escolas sábias, uma educação gerida por sábios. O hino nacional era cantado na frente do colégio, antes de entrar na classe, e todos perfilados. O desmantelo desce do Ministério da Educação até os mais pobres colégios do interior, contagiando-os pela internete, uma forma de aprender sem estudar, sem ler, apenas “pescando”. Passam, os discípulos, a figurar no rol dos que não lêem um livro sequer. Não desenvolvem, assim, seu potencial intelectual de forma íntegra, através dos grandes mestres escritores, donde receberiam, de forma sutil, todo o conhecimento social e ético de que precisam. Por este caminho é que chegariam à história e às tradições, conhecimentos que muito pesam na formação do ser humano e do que muito a sociedade lhes irá cobrar.

       Há uma lei que, nas filas de correios, bancos e outras empresas públicas ou privadas, inclusive as de saúde e segurança, dá prioridade ao atendimento dos velhos, e nem sempre é cumprida: - de um lado por vergonha do idoso de identificar-se mostrando o RG (a identidade), de outro porque os chefes, gerentes e empresários, criam mecanismos que os iludem, descumprindo os ditames legais.  Aliás, sofremos, não por falta de leis, talvez soframos mais por excesso delas, a maioria malfeitas e descumpridas, desde que não há nenhuma punição aos infratores, e quando há, os que cuidam disto são bastante benevolentes nas penas e nos castigos.  

      Ora, tudo na vida presente se refletirá na sociedade futura, inclusive o que se aprendeu ou deixou de aprender na escola. E constata-se que hoje praticamente não há mais reprovações, desde que a orientação do Ministério da Educação é a de que todos e todas – que ridículo! - têm direito a um diploma do ensino médio ou superior, quer hajam se esforçado ou não, tenham capacidade ou não de desempenhar dignamente o encargo que escolheu. Que tipo de sociedade é esta?  Anarquista? Ou então, essa educação está formando e esperando chegar aonde? 

      Lya Luft, na revista VEJA (04-6-2014), pergunta ao leitor, não por perguntar e sim porque são questões essenciais: “Como valorizar o estudo se, pelo menos em uma das capitais, grande parte das escolas públicas ainda não recebeu os livros escolares, estando nós já em JUNHO, e em tantas outras pelo país faltam professores”? E assim ela enfileira mais um montão de perguntas angustiantes: - sobre a saúde, sobre os transportes e greves, sobre a desmoralização em que anda a Polícia e a Justiça, com o altissonante silêncio e as evasivas do Executivo, em benefício de quem se corrompeu ativa e/ou passivamente, de quem meteu a mão no dinheiro público, de quem furtou, roubou, mentiu e continua mentindo e perseguindo os cidadãos de bem da República. Por que se fizeram fabulosos gastos com uma Copa – construindo estádios monumentais, gastando fabulosas somas que dariam para liquidar com o desmantelo da saúde e da segurança, por exemplo - se a festa dura apenas poucos dias? E tudo mais, por isto, fica correndo ao bel prazer dos malfazejos e dos que pensam que os bens públicos ou particulares pertencem a quem chegar primeiro e avançar, mesmo que com o uso da violência. Por quê? 

        Quem ou o que seria a senhora Esfinge de que fala Lya Luft? 

        E ela própria, a escritora Lya Luft, já vai declinando algo mais que não imaginávamos sobre essa senhora, devoradora de nós todos, se não houver respostas à altura, isto é, ficarmos passivos e descrentes, sem ânimo de lutar e vencê-la.  A Copa do Mundo passará, mas o Brasil fica com eleições à vista, em meio à maior confusão, quase uma guerra intestina da nossa história. É tempo de pensar bem: se quer ficar no que está, deixar-se levar pelas imposições, ou se reage à altura - isto que  não temos feito nestes últimos catorze anos.

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