sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

SELEÇÃO DE POEMAS ESCOLHIDOS

*Francisco Miguel de Moura
                   
BORBOLETA

Desejos fulminantes despertaram
na hora em que o jardim se pôs:
Borboletear a sina,
beijar, sugando amáveis bordas,
sugar profundos cálices,
hímens deflorar.
Bela, bela...
Não há feio quando é fim.

Aqui estás... Aqui o prazo
de duas vidas contínuas:
Último vôo entre espinho
e flor!

Dormir, não acordar,
antegozando a dor da noite funda.

Mais uma vez uma esperança nasce.

SER BRASILEIRO

Quero ser brasileiro
me procuro no campo
de futebol e na pista de automóvel,
estou aqui, ali, acolá, além de lá,
mas não sou Deus nem diabo,
como o pão que ele amassou.
Sou vadio, não faço nada,
só samba e carnaval.
Samba, ora samba?
Carnaval, ora carnaval?
Eu queria encontrar-me brasileiro
na cor, no amor, na paixão.
No trabalho, neste não.
Brasileiro em todo lugar,
de todas as formas,
sem caráter nenhum.

Corri mundo e não me encontro:
Europa, Oceania e África,
Ilhas do Pacífico e Ásia, fui até o Himalaia
e não encontrei Brasil nem brasileiro.

Disseram que ele se chama Washington,
foi pra América, falar inglês
e nunca voltará.

Como é difícil ser brasileiro!

CHEGA O TEMPO

chega o tempo de dizer-se
 o que não se ouviu.

mas as palavras são mistérios
           nem mais soam
           como os sinos
                       nos nossos ouvidos
                       sonolentos

chega um tempo de dizer-se o impossível
e o impossível já foi dito

chega um tempo de calar
e a gente inventa uma maneira triste
de dizer numa língua estranha
um silêncio amordaçado.

SÓ-SÓ-SÓ...

há tempo desci sem projeto
ao inferno de mim mesmo
e descobri-me
o terremoto das almas.

busquei a paz dos anjos coxos
de asas partidas, ventas quebradas.

e entre reticências e grifos
minha sofreguidão
comprazia os deuses.

o grito de minha carne
tomba lá embaixo:
face retorcida, olhos afogueados
dentes pelos cabelos.

não duvidei da eternidade:
foi tenra idade (e pouco siso?)
e o meu começo do fim.

e há minutos perdia o céu
quase de todo impossível.

ÊXTASE E SUOR

Sou perfume de mim e odor do mundo
para que a terra me cuspa.
O sopro que me der
me enterrará fundo,
frio de fazer corpo e alma se unirem.
E ao infinito e à luz,
que meu suor
jamais sirva de foice ou gume.

A dor com que me cortam
com  explosão
seja lembrada em mansa contramão.

Ao meu último perfume, o mundo furta
a cor e deita
maus bocados ao cão que ama.

Deito-me agora em êxtase de fé,
levando o vento limpo à pele e ao imo
pela mão.

 FEITIÇO CAPITAL

A máquina engole o ar da sala,
anula a persona
toma o espaço e a luz das palavras.

Séculos de poder, ciência, escravidão
e glória (talvez  prisão)
para não mais dizer-se.

O espectro é um silumacro,
nem oratório nem oráculo,
donde a voz de Deus não soará,
mas o tom  do mercado
e a sombra do dragão devorador.

Ditará a solidão aos homens,
às casas de um só,
às almas opressas na multidão.

TROVANDO O TEMPO

O tempo é meu grande apelo:
Não tem começo nem fim:
Enquanto eu passo sem vê-lo,
Ele me vê sempre a mim.

Posso fazer o que é dele
E ele vai passando assim:
Enquanto não penso nele,
Ele só pensa em meu fim.

A vida é morte, mas ele
Não tem começo nem fim.
Sem o meio – meu e dele,
O que seria de  mim?

Tudo isto é muito belo,
Vivendo tim por tintim,
Portanto, perder seu elo,
Seria muito ruim.

Porém se perco este anelo,
Faço o crime de Caím:
Enquanto o mato, ele é belo,
Mas, se me mata, ai de mim!

Vou terminar por aqui,
Pois que isto não tem fim:
Eu só vou até ali,
Mas ele diz: Sou assim!

Se és assim  ou  assado,
Tempo, faz algo por mim:
Sem presente nem passado,
Dá-me a lâmpada, Aladim!


TROCA D'OLHOS

              para fernanda

Estranhou meus olhos
Como eu sou estranho!
- “Quando morreres
Dá-me os teus azuis
De que tanto gosto
Em troca escolhe algo
Do que me aprecias
No meu jeito. E folgo”

Sem titubear disse:
- “Quero a tua boca
Para rir tão bem
Do que tanto gosto
Ficarás mais doce
Ficarei mais doce”

Se a morte  não veio
Somente no Além
Nós nos cobraremos:
-“ Cadê minha boca”?
- “E cadê meus olhos?
Quão estranha troca
Entre almas e corpos!

O OLHO E O SÊMEN

O sêmen nascente
é quando o ver fêmeo
sobrevoa o mundo.

Só o  olhar-pássaro,
em vôo cortante,
enxerga a semente.

E o pássaro, a um  passo
do  praça, vê os laços:
Menino, semente e fio.

A pomba enlarguece
as penas, e sorri,
enlanguece, dormir...
No prato, abelha e mel,
o olho do macho nasce
voa, revoa –  zumbi.

Branco, amarelo, cinzento,
o céu do sêmen se  embaça
quando a força do olho se exila.

LEMBRANÇA

No cheiro do café daquela manhã
havia um beijo ainda vermelho,
com gosto de beiju e carne,
arrepiando a língua e a suavidade da pele.
Agora é só lembrança de desejos,
frenesi, captura do ar... arr...
de quando teus olhos se fechavam
para o mundo
e os meus se abriam
a tão passageiro amor.
As folhas já caíram, todas as folhas caem,
mas logo renascerão com o cheiro de antes
nem que só por um instante.

DO VÁRIO SENTIR

Ouvir sem olhos abertos,
saber da pele sem mão,
achar a língua sem dente,
ver pelo espelho da mente
onde a fé nunca se extingue.

Viver carícias passadas,
olhos secos ou magoados,
gozos santos, gostos mil...
Castigos na calma noite?
Só havendo dois amigos
para a dor não ser açoite.

Nas distâncias e no perto
a luz que ajunta, separa.
Claro do claro inda é cor.
No escuro, quem não se ampara?

Ah se as idéias e idades
fossem nossas, de verdade,
e unidas no tom da vida!

Carne e sangue em desalinho
venceriam descaminhos
nas horas desimpedidas.
                                               
LOAS A TRÊS AMORES
             
              I   

Vinha andando rua acima,
vi um pé de bogari,
a flor branquinha sorria.
Com o olhar azul do céu.
cheiro tão grande senti.
Lembrei-me de Mariana,
minha neta da Bahia,
cheirei tanto e de cheirar
quase que me entonteci.
Mariana é a beleza
do Piauí à Bahia
Para mim já é a misse
que quer o meu coração.
Se  for coroada um dia,
vão ver que eu tinha razão.
          
          II

Aqui lembrei de Davi,
menino mais buliçoso,
inteligente e magrelo,
mas amigo e carinhoso.
Sei, é um poeta do amor,
igual ao outro da Bíblia,
pra consolar com seus salmos
nossas angústias aqui.
Quem sabe, Nosso Senhor,
através do seu amor,
ajudará as conquistas
de tudo quanto a mãe sonha,
de tudo que o pai sonhou.
                   III

Não esqueci o Luquinha,
nem podia me esquecer,
que é sempre um mensageiro
de boa vontade e valor.
Já falei noutro poema
Dele – “um gato”, sim senhor,
Gosta dos pais e resolve
tudo  no computador.
Escoteiro aprende muito,
tem muita força e vigor,
E será sempre bonzinho.
Neto querido do avô.

A PARTIDA

Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.

Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.

Ninguém vai, ninguém fica, e se reparte
no transporte que liga e que desliga,
confusão de saber quem fica ou parte.

Não se explica tamanha intensidade
amarga e doce, e errante, que desliga
os corações perdidos de saudade.

____________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, PI, Brasil, onde construiu e publicou a maioria de suas obras, em torno de 33, a partir de "Areias", 1966, até  "O Menino quase perdido", 2011.

Um comentário:

Lucian disse...

Bela seleção! Sigo-vos!

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