BORBOLETA
Desejos fulminantes despertaram
na hora em que o jardim se pôs:
Borboletear a sina,
beijar, sugando amáveis bordas,
sugar profundos cálices,
hímens deflorar.
Bela, bela...
Não há feio quando é fim.
Aqui estás... Aqui o prazo
de duas vidas contínuas:
Último vôo entre espinho
e flor!
Dormir, não acordar,
antegozando a dor da noite funda.
Mais uma vez uma esperança nasce.
SER BRASILEIRO
Quero ser brasileiro
me procuro no campo
de futebol e na pista de automóvel,
estou aqui, ali, acolá, além de lá,
mas não sou Deus nem diabo,
como o pão que ele amassou.
Sou vadio, não faço nada,
só samba e carnaval.
Samba, ora samba?
Carnaval, ora carnaval?
Eu queria encontrar-me brasileiro
na cor, no amor, na paixão.
No trabalho, neste não.
Brasileiro em todo lugar,
de todas as formas,
sem caráter nenhum.
Corri mundo e não me encontro:
Europa, Oceania e África,
Ilhas do Pacífico e Ásia, fui até o Himalaia
e não encontrei Brasil nem brasileiro.
Disseram que ele se chama Washington,
foi pra América, falar inglês
e nunca voltará.
Como é difícil ser brasileiro!
CHEGA O TEMPO
chega o tempo de dizer-se
o que não se ouviu.
mas as palavras são mistérios
nem mais soam
como os sinos
nos nossos ouvidos
sonolentos
chega um tempo de dizer-se o impossível
e o impossível já foi dito
chega um tempo de calar
e a gente inventa uma maneira triste
de dizer numa língua estranha
um silêncio amordaçado.
SÓ-SÓ-SÓ...
há tempo desci sem projeto
ao inferno de mim mesmo
e descobri-me
o terremoto das almas.
busquei a paz dos anjos coxos
de asas partidas, ventas quebradas.
e entre reticências e grifos
minha sofreguidão
comprazia os deuses.
o grito de minha carne
tomba lá embaixo:
face retorcida, olhos afogueados
dentes pelos cabelos.
não duvidei da eternidade:
foi tenra idade (e pouco siso?)
e o meu começo do fim.
e há minutos perdia o céu
quase de todo impossível.
ÊXTASE E SUOR
Sou perfume de mim e odor do mundo
para que a terra me cuspa.
O sopro que me der
me enterrará fundo,
frio de fazer corpo e alma se unirem.
E ao infinito e à luz,
que meu suor
jamais sirva de foice ou gume.
A dor com que me cortam
com explosão
seja lembrada em mansa contramão.
Ao meu último perfume, o mundo furta
a cor e deita
maus bocados ao cão que ama.
Deito-me agora em êxtase de fé,
levando o vento limpo à pele e ao imo
pela mão.
FEITIÇO CAPITAL
A máquina engole o ar da sala,
anula a persona
toma o espaço e a luz das palavras.
Séculos de poder, ciência, escravidão
e glória (talvez prisão)
para não mais dizer-se.
O espectro é um silumacro,
nem oratório nem oráculo,
donde a voz de Deus não soará,
mas o tom do mercado
e a sombra do dragão devorador.
Ditará a solidão aos homens,
às casas de um só,
às almas opressas na multidão.
TROVANDO O TEMPO
O tempo é meu grande apelo:
Não tem começo nem fim:
Enquanto eu passo sem vê-lo,
Ele me vê sempre a mim.
Posso fazer o que é dele
E ele vai passando assim:
Enquanto não penso nele,
Ele só pensa em meu fim.
A vida é morte, mas ele
Não tem começo nem fim.
Sem o meio – meu e dele,
O que seria de mim?
Tudo isto é muito belo,
Vivendo tim por tintim,
Portanto, perder seu elo,
Seria muito ruim.
Porém se perco este anelo,
Faço o crime de Caím:
Enquanto o mato, ele é belo,
Mas, se me mata, ai de mim!
Vou terminar por aqui,
Pois que isto não tem fim:
Eu só vou até ali,
Mas ele diz: Sou assim!
Se és assim ou assado,
Tempo, faz algo por mim:
Sem presente nem passado,
Dá-me a lâmpada, Aladim!
TROCA D'OLHOS
para fernanda
Estranhou meus olhos
Como eu sou estranho!
- “Quando morreres
Dá-me os teus azuis
De que tanto gosto
Em troca escolhe algo
Do que me aprecias
No meu jeito. E folgo”
Sem titubear disse:
- “Quero a tua boca
Para rir tão bem
Do que tanto gosto
Ficarás mais doce
Ficarei mais doce”
Se a morte não veio
Somente no Além
Nós nos cobraremos:
-“ Cadê minha boca”?
- “E cadê meus olhos?
“
Quão estranha troca
Entre almas e corpos!
O OLHO E O SÊMEN
O sêmen nascente
é quando o ver fêmeo
sobrevoa o mundo.
Só o olhar-pássaro,
em vôo cortante,
enxerga a semente.
E o pássaro, a um passo
do praça, vê os laços:
Menino, semente e fio.
A pomba enlarguece
as penas, e sorri,
enlanguece, dormir...
No prato, abelha e mel,
o olho do macho nasce
voa, revoa – zumbi.
Branco, amarelo, cinzento,
o céu do sêmen se embaça
quando a força do olho se exila.
LEMBRANÇA
No cheiro do café daquela manhã
havia um beijo ainda vermelho,
com gosto de beiju e carne,
arrepiando a língua e a suavidade da pele.
Agora é só lembrança de desejos,
frenesi, captura do ar... arr...
de quando teus olhos se fechavam
para o mundo
e os meus se abriam
a tão passageiro amor.
As folhas já caíram, todas as folhas caem,
mas logo renascerão com o cheiro de antes
nem que só por um instante.
DO VÁRIO SENTIR
Ouvir sem olhos abertos,
saber da pele sem mão,
achar a língua sem dente,
ver pelo espelho da mente
onde a fé nunca se extingue.
Viver carícias passadas,
olhos secos ou magoados,
gozos santos, gostos mil...
Castigos na calma noite?
Só havendo dois amigos
para a dor não ser açoite.
Nas distâncias e no perto
a luz que ajunta, separa.
Claro do claro inda é cor.
No escuro, quem não se ampara?
Ah se as idéias e idades
fossem nossas, de verdade,
e unidas no tom da vida!
Carne e sangue em desalinho
venceriam descaminhos
nas horas desimpedidas.
LOAS A TRÊS AMORES
I
Vinha andando rua acima,
vi um pé de bogari,
a flor branquinha sorria.
Com o olhar azul do céu.
cheiro tão grande senti.
Lembrei-me de Mariana,
minha neta da Bahia,
cheirei tanto e de cheirar
quase que me entonteci.
Mariana é a beleza
do Piauí à Bahia
Para mim já é a misse
que quer o meu coração.
Se for coroada um dia,
vão ver que eu tinha razão.
II
Aqui lembrei de Davi,
menino mais buliçoso,
inteligente e magrelo,
mas amigo e carinhoso.
Sei, é um poeta do amor,
igual ao outro da Bíblia,
pra consolar com seus salmos
nossas angústias aqui.
Quem sabe, Nosso Senhor,
através do seu amor,
ajudará as conquistas
de tudo quanto a mãe sonha,
de tudo que o pai sonhou.
III
Não esqueci o Luquinha,
nem podia me esquecer,
que é sempre um mensageiro
de boa vontade e valor.
Já falei noutro poema
Dele – “um gato”, sim senhor,
Gosta dos pais e resolve
tudo no computador.
Escoteiro aprende muito,
tem muita força e vigor,
E será sempre bonzinho.
Neto querido do avô.
A PARTIDA
Na partida os adeuses, gume e corte
dos prazeres do amor, quanto tormento!
Cada qual que demonstre quanto é forte,
lábios secos mordendo o sentimento.
Do ser brotam soluços a toda hora,
as faces no calor do perdimento,
olhos no chão, no ar, por dentro e fora,
pedem aos céus a força e o alimento.
Ninguém vai, ninguém fica, e se reparte
no transporte que liga e que desliga,
confusão de saber quem fica ou parte.
Não se explica tamanha intensidade
amarga e doce, e errante, que desliga
os corações perdidos de saudade.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, PI, Brasil, onde construiu e publicou a maioria de suas obras, em torno de 33, a partir de "Areias", 1966, até "O Menino quase perdido", 2011.
Um comentário:
Bela seleção! Sigo-vos!
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