quinta-feira, 9 de junho de 2011

ABL – OU SEJA: ACADEMIA BANAL DE LERDOS


CONCEDE MAIOR HONRARIA A RONALDINHO GAÚCHO

Márcio Almeida

       O fim do mundo está realmente próximo. E já começou no Rio de Janeiro, onde a Academia Banal de Lerdos (ABL) outorgou a concessão do mérito de máxima relevância ao mezzo atacante Ronaldinho Gaúcho. A medalha concedida é também a máxima desmoralização contra a classe literária e intelectual do Brasil. Como poderia um autor sério, de amplo reconhecimento pela qualidade de sua obra no país e no exterior, vir a almejar pertencer doravante em nível honoris causa à Casa de Machado de Assis impunemente, sabedor de que poderá ouvir em qualquer lugar que um jogador de futebol em plena decadência esportiva, boêmio, pagodeiro, vazio, tem o mesmo mérito do imortal que por toda uma vida ralou para fazer jus ao respeito nacional e do leitorado estrangeiro?
       O que o título de Machado de Assis concedido acrescenta alguma coisa à vida desse jogador que não foi capaz de citar títulos de dois livros que já tenha lido e declarou a leitura não estar entre seus entretenimentos prediletos? O que fez de tão culturalmente meritório para merecer tal distinção?
       A impressão que esses arroubos acadêmicos passam é que a instituição parece corroborar a intenção de o governo federal detonar a cultura brasileira com atos que aviltam a memória da nação. Esculhambar de vez com a cultura pode até ser mais uma estratégia política para nivelar por baixo a consciência crítica nacional. A ministra  da Cultura, irmã de Chico Buarque só fez até agora provocar polêmica e endossar favoritismo de artistas consagrados, vide caso recente de Maria Betânia. A eliminação da escrita correta do erro de concordância dentro da escola, distribuído em 493 mil cartilhas para quase todos os educandários chega a arrepiar o bom senso lingüístico e gramatical. A concessão do título de doutor ao ex-presidente Lula pela Universidade de Coimbra escandaliza quando se sabe ter ele afirmado em entrevista à revista Piauí que não lê porque lhe dá sono, tendo o mesmo passado à História recente do país como o rei das gafes gramaticais. Ainda há pouco e Monteiro Lobato foi acusado de ser racista. O Brasil é recordista de analfabetos funcionais. E agora a ABL torna um jogador de futebol digno da maior honra da instituição.
       Só por muita ingenuidade não admitir que alguém, avesso à cultura, quer mesmo desmantelar a intelectualidade a pretexto de fazer coro à tese de que Lula veio do nada e tornou-se símbolo universal sem precisar de estudos, ao contrário, por exemplo, de FHC, sociólogo e intelectual.
       Não obstante ter a ABL eleito alguns autores estimáveis merecedores de ampla consideração e respeito, caso de Bandeira, João Cabral de Mello Neto, Guimarães Rosa, entre outros, aquela instituição cada vez que elege um “imortal” põe em xeque sua própria idoneidade institucional. Como é possível respeitar uma instituição de Letras que elegeu gente como Getúlio Vargas, Assis Chateaubriand, José Sarney, Marco Maciel e Paulo Coelho?
       “A ABL, disse Moacyr Scliar, paga o preço de assumir a impostura.” “A partir de 1930, a ABL tornou-se o que é hoje: um clube de intelectuais e similares sem maior repercussão ou influência”, asseverou o mestre Antonio Cândido. “A ABL serve para oferecer companhia na velhice, direito ao mausoléu”, ironizou com razão Sérgio Sant´anna. Em 529, o imperador bizantino Justiniano fechou a primeira academia, fundada em 487 a.C por Platão. Uma lei universal deveria então ter sido mantida: é proibido  criar academias.
       O mérito acadêmico deveria vir atrelado a condições como a de o homenageado ter e provar na prática ser portador de idoneidade intelectual, contribuir para a formação do hábito de leitura desde a infância, enriquecer a língua, propor ações efetivas para intercâmbio lusófono, participar de eventos públicos como incentivador da defesa dos valores literários, culturais, históricos, patrimoniais e artísticos, manter blog na internet para oportunizar debates interessantes sobre questões populares, publicar, sempre que possível, artigos úteis na imprensa de modo a contribuir para a sociedade refletir sobre a qualidade de vida humana e do ambiente.
       A inércia, o imobilismo, a estagnação, o desfile de fardões e de vaidades no chá das 5 da ABL – fazem daquela instituição um elefante branco da cultura, inutilidade pública patrocinada pelo poder público, ou seja, pelos contribuintes que nada usufruem em benefício advindo de seus “imortais.” A Casa é um panteão de dinossauros, repositório do nada.
       A ABL comprovou, com essa concessão esdrúxula, fazer parte da sociedade do espetáculo na qual deve prevalecer a ignorância e a espertise. A medalha a Ronaldinho Gaúcho é uma afronta e leva a pensar também que talvez seja para compensar não haver ali representantes negros da imortalidade recente. Nessa atitude acadêmica está o mais vil empobrecimento cultural, o conformismo, a desvirtualização da ABL, a vulgarização da meritocracia, a exploração de sentimentos previsíveis, a degradação de uma classe que paulatinamente veio sendo desestabilizada por si mesma.
       Ainda bem que Boris Pasternak escreveu: “a fama é reles”. A honraria da ABL ao jogador foi um réquiem para os homens escribas de um tempo mouco de olhos, cegos de ouvidos, átropos de voz.
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Nota importante: Este artigo me foi enviado por email do escritor, jornalista e professor Paschoal Motta, Belo Horizonte-MG  
Concordo em gênero, número, grau e declinação, com o autor e com o meu correspondente.   Francisco Miguel de Moura

Um comentário:

Anônimo disse...

Que paranóia é essa? Falar a verdade também tem alguma utilidade. Os intelectuais aí deveriam ler Saramago (Ensaio sobre a cegueira)
Paulo César Maranhão
Taguatinga - DF

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