terça-feira, 7 de junho de 2011

O RIO RIACHÃO ESTÁ AGONIZANDO; COMO SALVÁ-LO?

Autor: João Erismá de Moura*
   

Desde as duas últimas décadas, numa observação apenas superficial, tenho constatado durante os meus passeios ao nosso querido Piauí, que o outrora tão belo e generoso rio Riachão atualmente permanece na UTI, com os seus dias contados.

Um dos principais afluentes do rio Guaribas, pela sua margem esquerda, vem aquele se juntar a este, na localidade de Barras, já próximo à cidade de Bocaina, sede da maior barragem da região, abrangendo em seu percurso dezoito municípios piauienses. 

Quando criança, nas décadas de 1950/1960 fui testemunha da sua utilidade quer no abastecimento de água para o consumo humano ou para os animais, ou na produção de alimentos, frutas e verduras tais como: cebola, alho, batata doce, abóbora e melancia e os cheirosos melões, além de outros hortigranjeiros como o tomate, o coentro, o pimentão, a alface, a cebolinha, o cheiro verde, etc. Estes produtos eram plantados em extensas e verdes vazantes, sem contar da abundância de peixes, especialmente as espécies de traíra, mandi, curimatã, tilápia e os populares corrós.

Durante o inverno, a partir do mês de dezembro, até maio, às vezes junho, o rio permanecia caudaloso, levando a alegria e o entretenimento para a população local. Nas chuvas iniciais o pessoal se animava e corria para ver a “chegada das primeiras enchentes”. Era um espetáculo impressionante e ao mesmo tempo assustador. As águas barrentas denunciavam a origem das suas cabeceiras, normalmente os afluentes principais estavam no município de Pio IX e São Julião, onde se localiza uma barragem que nos deixava atônitos com medo de uma catástrofe, caso ela se arrebentasse.

Nós crianças corríamos para ver a chegada das primeiras águas. Com elas vinham algumas esperanças e desilusões. Meu pai, por exemplo, foi embora com outros conterrâneos para Brasília, em conseqüência da histórica enchente do início de 1960 que deixou muitos desabrigados e com enormes prejuízos.   
    
Muitas vezes a violência e o volume das águas eram tão grandes e inesperadas que cercas inteiras, plantações e animais se perdiam junto com as “grandes cheias”. Animais mortos, árvores, remansos e redemoinhos se locomoviam num espetáculo indescritível. Navegavam lentamente frente aos nossos olhos. Os adultos não deixavam as crianças se aproximarem do rio. E assim, se passavam alguns dias até que pudéssemos nadar às suas margens ou pequenos poços. Os profissionais de natação atravessavam seu leito, num vai-e-vem de acrobacias e coragem. O povo ficava admirando os audaciosos nadadores. Alguns até ganhavam dinheiro atravessando pessoas.

 No decorrer do período de verão as águas baixavam e apareciam os ”bancos de areia” e poços, onde a população ribeirinha plantava e, meses depois, colhia a produção agrícola de subsistência. Em certas ocasiões até comercializava a safra excedente de alho e cebola. A plantação se realizava em canteiros previamente preparados nas vazantes existentes na bacia do rio. Ali próximo vários produtores construíam as suas “latadas”, residências rústicas e provisórias onde se acampavam durante o período de plantação. 

Na minha infância participei da formação destas vazantes no rio Riachão. Tenho como lembrança a raspagem (colheita) e o transporte de folhas secas (paul), colhidas debaixo das árvores, hábitat de cobras, lagartos, aranhas e escorpiões. O trabalho era penoso e de alto risco. Às vezes estes animais, alguns peçonhentos, saiam correndo nos canteiros, em busca de abrigo. Esta espécie de adubo orgânico, juntamente com outros fertilizantes naturais, servia para o preparo dos canteiros onde se iniciava a plantação da lavoura aquática, distribuída em divisões simétricas em forma de quadriláteros. Entre um espaço e outro dos canteiros, corria, numa espécie de canal, um pouco de água que seria utilizada duas vezes por dia nas plantações. E aí, se realizava mais um lindo espetáculo. Com as cuias (cabaças serradas ao meio) as lavradoras (profissionais do ramo) aguavam os canteiros, num movimento contínuo para cima e para baixo, com apurada técnica, jogando-lhes água que, em contraste com os raios solares, ofereciam um show muito bonito.
   
Este cenário de extrema beleza, nostalgia e lirismo praticamente já não existe. O rio Riachão deixou de ser útil nas plantações de veraneios e suas águas sujas e poluídas, agora correntes só por poucos meses, não são tão utilizadas. Também já não existem os famosos poços que forneciam peixe para alimentar o caiçara. Quanto ao lazer que usufruíamos nos banhando e nadando nas suas águas, já nem se fala mais. As belas noites de luar às suas margens, nas areias finas e brancas, onde se deleitavam os amantes, ora namorando, ora fazendo serenatas, contando histórias ou pescando ficaram no esquecimento. Restam-nos as lembranças de um passado que se foi num período tão feliz e acolhedor vivenciado pela população ribeirinha.

Em pesquisa realizada pelo autor deste artigo, nada foi encontrado sobre o rio Riachão. Parece mesmo que ele foi ignorado e esquecido por boa parte do nosso povo.

A título de curiosidade, encontrei dois trabalhos acadêmicos, intitulados: “Indicadores de bem-estar social nos municípios da bacia hidrográfica do rio Guaribas – Piauí”, de autoria de João Soares da Silva Filho e Jaíra Maria Alcobaça Gomes e “Usos múltiplos da água na bacia hidrográfica do rio Guaribas (Estado do Piauí)”, de Marcos Airton de Sousa Freitas que em momento algum cita o seu afluente rio Riachão. Sendo assim, nenhuma solução prática é ali apresentada em benefício do nosso rio.

Embora leigo no assunto, posso constatar uma série de providências malignas praticadas pelo homem que contribuíram bastante para o triste estado de agonia em que se encontra o rio Riachão. Percebe-se que já não existem matas acompanhando o seu leito e suas ribanceiras; os mananciais ou nascentes desapareceram; extraíram, desordenadamente, areias e barros do seu interior, utilizados em construção de residências; construíram barragens e açudes próximos ao seu curso, dando fim à sua antiga perenidade; constata-se uma grande ocupação de animais e lixos de toda espécie no seu leito; é visível a existência de métodos ultrapassados na exploração da terra, como, por exemplo, queimadas e desertificação das áreas antes cultiváveis; observa-se a utilização de processo erosivo, dentre outros. Todas essas atividades tão devastadoras ao meio ambiente estão contribuindo para o desaparecimento do rio Riachão.  

Conclamo a população dos municípios de Monsenhor Hipólito, Francisco Santos e Santo Antônio de Lisboa para, numa só corrente, formada pela comunidade e seus mandatários, iniciar um movimento para salvar o que resta do rio Riachão. O primeiro passo a ser dado é a conscientização de todos da gravidade do problema, exigindo do Poder Público medidas saneadoras, tomadas através de políticas governamentais para que nosso rio não seja lembrado apenas pelos mais velhos ou em antigas fotografias já descoloridas pelo tempo. Cada cidadão deverá fiscalizar a prática degradante de atividades nocivas do homem, em busca do lucro fácil, quando retiram do seu solo substâncias nutrientes e desmata suas margens; coibir o assoreamento indiscriminado do seu leito; criar mecanismos jurídicos proibindo e punindo os infratores que continuarem a jogar lixos e poluir seu curso e suas margens; estruturar e determinar à Secretaria do Meio Ambiente para desenvolver ações em prol desta campanha. Mesmo de longe estou disposto a lutar por esta causa justa e necessária. Quem sabe amanhã já não seja tarde?
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*JOÃO ERISMÁ DE MOURA é advogado, pedagogo, escritor e funcionário público aposentado do Tribunal de Contas da União residente em Brasília desde 13.07.1962. Autor dos livros “Um Anjo Retorna ao Céu” e “Essas Mulheres Maravilhosas”. Tem publicado em livros, revistas e jornais vários contos, crônicas, ensaios e artigos literários. É membro das Academias Açailandense de Letras de Açailândia-MA e da Academia de Letras da Região de Picos - PI – ALERP.


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