sexta-feira, 17 de junho de 2011

SUA ALTEZA, A TROVA, E SEU PODER POÉTICO


Teresink Pereira*
 

Sávio Soares de Sousa nos oferece uma definição da trova em “Argumento de Trovador” que diz o seguinte: “Queremos que a trova continue sendo a joia que deslumbra, pelo brilho próprio, admirado por todos – mesmo que se apresente revestida de sua simplicidade franciscana. À prova de tempo e desmemória.”
 
Quase sempre tratamos a trova como se fosse um gênero tipicamente brasileiro. Mas não é bem assim. Rubén Darío, o poeta nicaragüense que lançou o modernismo na literatura hispano-americana, escrevia trovas e aqui está uma delas: “Juventude divino tesoro, / ya te vas para no volver! / Cuando quiero llorar no lloro... / Y a veces lloro sin querer...”
 
Rubén Darío não era trovador no rigor da palavra, mas faço questão de citá-lo aqui para provar que se o modernismo não chegou a erradicar a trova da literatura, nenhum outro movimento poético vai poder chamá-la ultrapassada. A trova vai ter sempre a fortaleza da poesia excelente, enquanto houver poetas capazes de expressar um tema, um pensamento e uma inspiração em sua totalidade, em 4 versos de 7 sílabas acentuadas na terceira e sétima, com rimas consoantes alternadas. Esta forma é uma das mais líricas existentes e de fato requer um talento nato, um ouvido atento, um sentido estético superior, assim a inspiração de um tema que possa valorar a forma. Nosso maior poeta em todas as idades, Carlos Drummond de Andrade, não depreciou a trova e soube utilizá-la com a mesma destreza com que escreveu a grande obra poética que dá honra à literatura brasileira: “Solidão não te mereço, / pois que te consumo em vão. / Sabendo-te, embora, o preço, / calco teu ouro no chão”.
 
É necessário ter certa maturidade intelectual e destreza em compor os versos para ser trovador. E isso vem coincidir com um tema importante na alma do poeta como o fim da vida. Portanto, a morte vem a ser um dos tópicos à prova de bala para o trovador. Apresento aqui os consagrados poetas no gênero da trova tratando desse tema. Maria Thereza Cavalheiro o trata com uma boa analogia onde a vida é uma boa analogia onde a vida é uma representação dramática que termina com o cerrar das cortinas: “No palco há lágrima e riso: / um drama entre o Mal e o Bem./ Até que a mão, sem aviso / desce o pano que retém.”
 
Já o poeta Silvério da Costa apresenta uma perspectiva mais real do sistema vida/morte: “Cuidado, não digas não /quando podes dizer sim. Não percas nunca a razão, / pois a vida tem um fim.” Arlindo Nóbrega põe o jogo da vida e da morte ao acaso: “Se a vida é passageira / há pressa no que fazer, / pois se queira ou não se queira, / tudo pode acontecer.”

O poeta Francisco Miguel de Moura apresenta um segmento de um poema que quase resultou em trova. Embora não venha em métrica tradicional da trova, vem quatro versos e rimas alternadas. Além disto, é um precioso poema, que insisto em citar pelo merecimento do tema e da surpresa lírica tão poderosa como na perfeita trova: “A vida nasce e come / E vive e cresce e chora / E seca e some / E devora...”
 
Por essas razões é que o escritor Antônio Soares, doutor em Teoria Literária e Psicanálise Social e editor da revista CAOSÓTICA diz em um de seus tratados: “Um poema bem elaborado, bem inspirado ou desejado, muitas vezes escrito e reescrito, será o metapoema, o hiper-poema, o hiper-moderno, termos estes que dizem que o ato criativo está sendo vivo, colorido, intenso, valorativo, fazendo que a experiência tida, volvida sobre si mesma e tomada em sentimento ou emoção avance para uma unidade cada vez maior e esta se torne poema ao ser escrita.” 

Antônio Soares não faz menção de tamanho dos versos nem do poema e sim da qualidade e das possibilidades temáticas. Também o poeta mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, 1990, assim explica o poeta e a poesia: “O poeta fala das coisas que são suas e de seu mundo, mesmo quando nos fala de outros mundos.”

Entretato há trovadores que tratam de temas variados, porque o poeta, como um ser humano inspirado, constrói seu pensamento e sua obra literária como um testemunho do espaço geográfico, ecológico e histórico em que está destinado a viver. 

Kleber Leite é um desses trovadores excelentes em qualquer motivo que emocione sua alma, até mesmo o trabalho de um pequeno pássaro. Suas trovas abrangem o sentimento da solidariedade e da vida em suas celebrações: "João de Barro miudinho, / que mestre de segurança! / Nem furacão destroi o ninho /feito de amor e esperança!"

Anderson Braga Horta, escritor de todos os generos e assuntos, acaba de publicar um livro intitulado Signo: Antologia Metapoética, no qual estabelece no prefácio o seguinte: "Desde muitos anos venho lançando no papel essas reflexões acerca do fenômeno com o qual tenho convivido a existência inteira, já como simples expectador , já como autor e ator."  Cito isto para confirmar que o escritor, principalmente o poeta inspirado na orquestra de vivência ao seu redor, é um registrador da história emocional do mundo. Eu havia guardado anteriormente estes quartetos nos arquivos da IWA e aproveito para citá-los aqui: "Muito amor, amores poucos. / Cem mil dores numa dor!/ E beijos... Desejos loucos.../ Tanto amor num só amor!// Meigas vozes, gritos roucos... / Róseas pétalas... Multiflor!/ Doce angústia... Ouvidos moucos.../ Sonho, saudade, torpor..."   No novo livro recolho um mais: "Olhos lunares, / olhos lunares / dai-me a pureza / dos vossos mares."

Os poetas cujas trovas cito a seguir têm uma visão da humanidade como as leis naturais e justas que devem ser exigidas e respeitadas por todos os humanistas quem têm fé na dignidade do ser humano.   "Neste leito arredio / Tu me negas tudo amor. / Louco vivo em desvario / Busco quem me dê valor."  (Maria Aparecida Calandra). E Ferreira Gullar também fez trovas. Vejamos esta: "Como dois e dois são quatro, / sei que a vida vale a pena / embora o pão seja caro  / e  a liberdade pequena.""

Agora posso terminar, um pouco com pena de  não ter citado  tantos outros excelentes trovadores. Entretanto vou citar umas frases de Humberto del Maestro, o escrigor de "Ditos, adágios e aforismos", cujo livro recebi recentemente. Ele confessa, com todo seu pessimismo: "Sou o resultado de muita filosofia barata, inclusive das minhas." Mas antes disto dizia: "Se pudesse me despir dessas tristezas, o mundo, por certo, seria um pouco mais feliz."  Isto me oferece a oportunidade delhe aconselhar: Leia e escreva mais trovas, companheiro. Seus ditos filosóficos poderiam transformar-se em um divertido jogo poético, de uma leitura mais positiva como o é esta  sua trova: "Jamais sentirei estrelas / no toque de minha mão, / mas poderei sempre tê-las / no arrojo da inspiração."

É claro que tenho que dizer e terminar dessa maneira, pois isto é um artigo de elogio à sua alteza, a TROVA.

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*Teresinka Pereira é escritora e agitadora cultural, preside a Associação Internacional de Escritores e Artistas - IWA(sigla em inglês), com sede em Toledo,OH, Estados Unidos

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