Francisco Miguel de Moura*
Uma crônica se faz do nada, o nada que é tudo, a vida, o amor, a paixão e até a paisagem. Porque a paisagem é a natureza, o meio-ambiente, a vida, o ar que respiramos. Além da paisagem humana. Por falar nisto, ontem à noite estávamos sentados no jardim, reunidos em família, uns riam, outros falavam de tudo. Minha mulher riu de mim, que de vez em quando me levantava para aliviar um pouco a dor na coluna. Repetia a dose, mirando meu filho Júnior, depois me disse: Ele não achava graça nenhuma do que sua mãe ria. Por que será que não ?
Talvez pensasse no que seria amanhã: Como o pai, ele. Ela também por respeito, é certo, parou de rir. Chegou um amigo, quebrando a conversa familiar descontraída. E então todos foram prestar atenção ao seu Antônio, cunhado do Fritz, que também chegava para pegar umas coisas de nossa casa e levar para a sua, visto que já estamos em trabalho de mudança para um apartamento. Não me admiro porque minha mulher ria. Ela ri de tudo, quando está bem. Eu também rio de tudo.
Talvez pensasse no que seria amanhã: Como o pai, ele. Ela também por respeito, é certo, parou de rir. Chegou um amigo, quebrando a conversa familiar descontraída. E então todos foram prestar atenção ao seu Antônio, cunhado do Fritz, que também chegava para pegar umas coisas de nossa casa e levar para a sua, visto que já estamos em trabalho de mudança para um apartamento. Não me admiro porque minha mulher ria. Ela ri de tudo, quando está bem. Eu também rio de tudo.
A palavra de Júnior foi cortada com o advento do amigo chegante. Recordo-me que ele dizia: “Até uma revista velha, já lida, amassada, Ana não deixa ir para o lixo”. Umas fotografias que a quase ninguém interessa. Daqui a pouco, quem quer mais saber delas?Economiza-se espaço, espaço. A vida moderna.
- Depois do computador, da internete, a gente guarda tudo é lá, pra não tomar espaço cá na terra. Eu digo sempre a Mécia que, para a nossa nova moradia, não devemos levar nenhum traste, nada inservível para o momento. Quadros, fotos, diplomas, estou tirando todos da parede. Quem vai querer vê-los daqui a um ano? Naquele momento eu aspirava o cheiro de uma flor do jardim. Quando abre, é uma delícia. Agora sei por que as abelhas voejam em seu redor. É, hoje, tudo é descartável. - “Até a própria vida, a vida dos pais perante os filhos?” – não sei quem disse: “voa”.
Arredei de mim os pensamentos do que minha mãe chamava de ruindade. Os maus pensamentos. Eles ali estavam como prova, para ajudarem na efetivação da mudança que estamos processando. “A vida é feita de mudança”, Camões. Vou perder o jardim – “o luar, nem tanto; poderei senti-lo vendo a lua pelo quadro do pequeno terraço”. Vou perder quintal, terraço do fundo, mas ganharei: não ir abrir e fechar portão elétrico, quando o motor dá o prego; não mais abrir e fechar tanta porta, nem suportar as formigas de asas que têm sua morada no teto de meu escritório: saem na época da desova, nas primeiras chuvas. É certo que vou pagar condomínio, por tudo isto que vou deixar de fazer – ganham os empregados do prédio. Mas tudo é por aí, fui bancário por cerca de 30 anos e sei que em tudo há o deve e o haver, não existe débito sem crédito, nem na contabilidade nem na vida. Lá umas tantas horas, matutando no que a gente perdia, porque a vida moderna é toda descartável, disse para meu filho:
- Nada é para sempre, tudo se acaba, tudo morre, o sol está morrendo, a terra também, só demora mais um pouquinho. Do jeito que a humanidade está consentindo em viver, o fim do mundo vai ser breve. E tudo vira nada, o homem em primeiro lugar, dando vez às aranhas, formigas, abelhas, lagartas e tantos e tantos bichinhos miúdos. Ninguém mais pensará o mundo e o planeta, pensará a si mesmo. Talvez seja melhor, a eternidade do nada, da escuridão, da falta de essencialidade e espiritualidade. Será só matéria sem memória. É tudo que será nada. Sem pessimismo, apenas com um pé na realidade. E eu e você, e esta crônica, e este papel, e este computador e a internete, invenções que hoje acumulam tudo, já perderam o sentido, não há mais sentido nenhum. Nada terá valor nem será esperança. Tudo é nada. E aqui, hoje, nesta crônica, feita de nada, nada que é tudo, o nada que é nada, vamos usufruindo da noite, da lua, das falas, dos rostos, do amor, dos risos e do sério. Até chegar o nosso apocalipse.
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*Francisco Miguel de Moura-Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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