POESIAS DE OLAVO BILAC
PÁTRIA
Olavo Bilac
Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
circulo! E sou perfume, e sombra, e sol e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,
e subo do teu cerne ao céu de galho em galho!
Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde,
do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,
do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,
de ti, - rebento em luz e em cânticos me espalho!
Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes,
no alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!
E eu, morto, - sendo tu cheia de cicatrizes,
tu golpeada e insultada, ¬ eu tremerei sepulto:
e os meus ossos no chão, como as tuas raízes,
se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!
LÍNGUA PORTUGUESA
Olavo Bilac
Última flor do Lácio, inculta e bela,
és, a um tempo, esplendor e sepultura:
ouro nativo, que na ganga impura
a bruta mina entre os cascalhos vela...
amo-te assim, desconhecida e obscura,
tuba de alto clangor, lira singela
que tens o trom e o silvo da procela,
e o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
em que da voz materna ouvi: “meu filho”,
E em que Camões chorou no exílio amargo,
¬o gênio sem ventura e o amor sem brilho!
NEL MEZZO DEL CAMIN...
Olavo Bilac
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
EM MIM TAMBÉM
Olavo Bilac
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Mas amastes, sem dúvida ... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
que é dos loucos somente e dos amantes
na maior alegria andar chorando
PRIMAVERA
Olavo Bilac
Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!
Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"
E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço....
A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera...E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!
REMORSO
Olavo Bilac
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
AO CORAÇÃO QUE SOFRE
Olavo Bilac
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
VELHAS ÁRVORES
Olavo Bilac
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
OUVIR ESTRELAS
Olavo Bilac
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
A BONECA
Olavo Bilac
Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.
Dizia a primeira: "É minha!"
- "É minha!" a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.
Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.
Tanto puxaram por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.
E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca ...
MEIA NOITE
Olavo Bilac
– Ó mamãe quando dormimos
Todos num sono profundo
Há mesmo almas do outro mundo
Que aos meninos aparecem?
– Não creias nisto, é tolice.
Fantasmas são invenções
Para dar medo aos poltrões
Não houve ninguém que os visse.
Não há gigantes nem fadas,
Nem gênios perseguidores,
Nem monstros aterradores,
Nem princesas encantadas.
As almas dos que morreram
Não voltam à terra mais,
Pois vão descansar em paz
Do que na terra sofreram.
Dorme com tranqüilidade,
Nada receia, meu filho,
Quem não se afasta do trilho
Da Justiça e da Bondade.
____________
BIOGRAFIA – Olavo Bilac
Do posfácio de "Poesias", denominado "O autor e a obra," por R. Magalhães Júnior, destacamos, nesta breve apresentação do Poeta, alguns tópicos:
“Muitos de seus versos se tornaram proverbiais, citados até por pessoas que jamais os leram e só os conhecem de oitiva, de citações".
Carioca, nasceu em 1865 e faleceu em 28 de dezembro de 1918, no Rio de Janeiro. Seu nome - Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, constitui um verso alexandrino perfeito.
“Atraído pelas letras e pelo jornalismo, abandonou os estudos (primeiramente Medicina, no Rio, e depois Direito em São Paulo).
Rompeu com o pai, saiu de casa e começou vida independente, colaborando em precários jornais e revistas, associando-se a José do Patrocínio, Raimundo Correa, Coelho Neto, Pardal Mallet, Luís Murat e outros, da roda boêmia que vivia entre as redações e as confeitarias da Rua do Ouvidor e adjacências".
Em Paris, conviveu com Eça de Queirós, Domício da Gama, Eduardo Prado e outros. Era já autor de um volume de versos - "Poesias"- publicado em 1888, foi jornalista de renome e co-autor de romances-folhetins, um deles, "O Esqueleto", com Pardal Mallet.
Deixou, inéditos, o livro "Tarde", depois incorporado em suas "Poesias", e também um "Dicionário Analógico", que até hoje não foi publicado.
Sua prosa está um pouco esquecida, mas foi um cronista de muito bom gosto e preocupado com o estilo, tendo escrito e feito muitas conferências e dicursos.
Nos quadros do Parnasianismo brasileiro, nenhum outro poeta supera Olavo Bilac. E o retorno de sua obra às mãos dos leitores deve ser saudado com aplausos, pois vem fornecer aos estudantes de Letras valiosos elementos de nosso patrimônio poético que não mais estavam ao alcance de todos (1977).
Lutou para que o serviço militar fosse obrigatório e fez outras campanhas em favor da educação. É autor da letra do Hino da Bandeira. Aposentou-se como inspetor escolar, tendo escrito também muitos e belos poemas para as crianças e a juventude. Por reconhecimento dos seus contemporâneos, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros.
(De "Poesias", 28ª e 29ª. edições, Col. Vera Cruz (Literatura Brasileira), Livraria e Editora Civilização Brasileira, respectivamente, Rio, 1977)
Do posfácio de "Poesias", denominado "O autor e a obra," por R. Magalhães Júnior, destacamos, nesta breve apresentação do Poeta, alguns tópicos:
“Muitos de seus versos se tornaram proverbiais, citados até por pessoas que jamais os leram e só os conhecem de oitiva, de citações".
Carioca, nasceu em 1865 e faleceu em 28 de dezembro de 1918, no Rio de Janeiro. Seu nome - Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, constitui um verso alexandrino perfeito.
“Atraído pelas letras e pelo jornalismo, abandonou os estudos (primeiramente Medicina, no Rio, e depois Direito em São Paulo).
Rompeu com o pai, saiu de casa e começou vida independente, colaborando em precários jornais e revistas, associando-se a José do Patrocínio, Raimundo Correa, Coelho Neto, Pardal Mallet, Luís Murat e outros, da roda boêmia que vivia entre as redações e as confeitarias da Rua do Ouvidor e adjacências".
Em Paris, conviveu com Eça de Queirós, Domício da Gama, Eduardo Prado e outros. Era já autor de um volume de versos - "Poesias"- publicado em 1888, foi jornalista de renome e co-autor de romances-folhetins, um deles, "O Esqueleto", com Pardal Mallet.
Deixou, inéditos, o livro "Tarde", depois incorporado em suas "Poesias", e também um "Dicionário Analógico", que até hoje não foi publicado.
Sua prosa está um pouco esquecida, mas foi um cronista de muito bom gosto e preocupado com o estilo, tendo escrito e feito muitas conferências e dicursos.
Nos quadros do Parnasianismo brasileiro, nenhum outro poeta supera Olavo Bilac. E o retorno de sua obra às mãos dos leitores deve ser saudado com aplausos, pois vem fornecer aos estudantes de Letras valiosos elementos de nosso patrimônio poético que não mais estavam ao alcance de todos (1977).
Lutou para que o serviço militar fosse obrigatório e fez outras campanhas em favor da educação. É autor da letra do Hino da Bandeira. Aposentou-se como inspetor escolar, tendo escrito também muitos e belos poemas para as crianças e a juventude. Por reconhecimento dos seus contemporâneos, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros.
(De "Poesias", 28ª e 29ª. edições, Col. Vera Cruz (Literatura Brasileira), Livraria e Editora Civilização Brasileira, respectivamente, Rio, 1977)
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