Francisco Miguel de Moura*
Acabo de ler “Música para pensar”, o novo livro de Gilson Chagas. Com esse autor, venho mantendo contato desde sua estreia, um livro de poemas. Achei na sua poesia muito mais a veia de compositor que a de simples poeta, o que não é pouco, e merece louvor. Gostei imenso do seu primeiro romance, o “A ferro e fogo”, onde o autor se busca no estágio da vida de adolescente e estudante, crônica meio desbragada, ágil e condizente com o seu desenvolvimento humano e social. Sobre ele escrevi dois artigos.
Gilson Chagas, agora surpreende em muitos pontos. Em “Música para pensar”, ressalvados os arroubos de discursos atribuídos a dois ou três personagens (frases e vocábulos da língua comum reinventados, no que se aproxima um tanto de Fontes Ibiapina), o autor construiu uma história com personagens similarmente reais, tipos pitorescos, num estilo sardônico e bem humorado, o que facilita em muito a aceitação do grande público. Essas meias-vozes de personagens aturdidos com a crueza do mundo, e mesmo assim sonhadores, não deixam de ser também a voz do romancista, que, diferentemente dos demais, consegue ter vários alteregos, um tento de criatividade e beleza a ressaltar na sua criação. Eis a estrutura estilística de “Música para pensar”, em poucas palavras, na minha percepção.
Uns poucos teóricos poderão torcer a cara ante tal afirmação – isto de o autor estar na pele da maioria de seus personagens, quando a obra pode ser classificada de neorealista. Mas é até bom que assim seja. O romance moderno é todo centrado no autor, queiram ou não os teóricos passadistas. É sempre psicológico. Não há mais realismo como antigamente. As obras modernas e pós-modernas parecem mais autênticas do que as do classicismo. Aliás, os grandes romances terminam sendo mesmo os autobiográficos ou memorialísticos. Como são o D. Quixote, Madame Bovary, os de León Tolstoi (com sua nova filosofia) e os de Dostoievski (com seu existencialismo), em cada um o forte acento de pessoalidade. Não se queira colocar Gilson Chagas na família de Machado de Assis e Graciliano Ramos. Mais bem compreensível colocá-lo entre Jorge Amado (em algumas de suas obras), Gabriel García Marques e Saramago.
Quanto ao enredo, o leitor que descubra: um Joca cheio de sonhos e depois desiludido (um vencedor-vencido); um Zé Luís pleno de comprometimentos com o poder, coisa que começa explorar logo no seu tempo de estudante; uma Medinha, guerrilheira fracassada na sua inclinação para dirigir e ficar do lado errado (como diria o direitista Boa Sorte); um Josafá, o engº do Deptº d Estradas etc. Não é que a história de “Música para pensar” comova. Comove pelo lado errado: a sátira. Mas comover não foi o objetivo do autor, conforme expressa bem o título. Mas certamente fará muito leitor dar voltas ao seu modo de ser, pensar e agir, ora sendo vencido pela realidade – ou o que assim se apresenta como tal – ora, continuando a sonhar mesmo depois de tantas derrotas como a do Joca, um cantor latino americano cujo fracasso é o seu próprio sucesso.
Com o propósito de terminar pelo assunto música, visto que “Música para pensar”, é representativo da popularidade que nossas canções alcançaram – parafraseio Belchior, nos seguintes versos: “Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve (...) Sou apenas um rapaz latino-americano”. Gilson Chagas, você com o seu Joca e eu com o meu D. Xicote, somos os jocas e d. xicotes da vida, como tantos outros. Pois toda obra de arte verdadeira é uma catarse. E essa catarse que estamos sempre a realizar torna o mundo mais humano. Portanto, parabéns pela sua vitória. E parabéns à Editora Saramandaia, que promete ser a editora deste milênio, com obras tão bem realizadas quanto a sua.
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