domingo, 19 de abril de 2009

O MONGE DO HOTEL BELA VISTA


Clauder Arcanjo*

Justa homenagem de Edmilson Caminha, escritor cearense,
radicado em Brasília, aos
80 anos do nascimento do inesquecível
Antonio Carlos Villaça
(1928-2005).




Confesso que pensei em adiar a leitura de O MONGE DO HOTEL BELA VISTA, assoberbado que me encontravade tantos compromissos literários já assumidos: prefácios, releituras, ensaios... Mas quem há de resistir a um belo livro epistolar? Não serei eu, não serei eu. Explico. "O monge do Hotel Bela Vista" reúne as cartas trocadas entre Edmílson e Villaça no período de doze anos (1980 a 1991). Nelas, eles comentam de um tudo e mais um pouco: livros, autores, literatura, vida literária, e aspectos relacionados ao Brasil e ao Mundo.Tudo imerso num tom de confidencialismo, sem vitupérios, nem declarações bombásticas. Missivas
banhadas, isso sim, no caldo da límpida amizade.

Com "O monge do Hotel Bela Vista", Edmílson Caminha, que já nos brindara com Drummond, a lição do poeta (2002), homenageia o “fraterno amigo” com quem se correspondeu; aquele que, segundo Edmílson, revelou-se “a maior e mais autêntica vocação literária que já conheci”.

E lá fui eu a encostar compromissos, mergulhando completamente nas epístolas desses dois mestres! Como se trata de uma edição limitada, 200 exemplares, tomo a liberdade de dividir com você, caro leitor, algumas passagens da obra. No início, epígrafes de alguns ícones da literatura: Tristão de Athayde, Carlos Drummond de Andrade, Roger Martin du Gard, Gilberto Amado e João Antônio. A de João Antônio me cativou:
“Mostrar cartas é quase tirar a roupa em público.”

Em seguida, a apresentação do próprio Caminha, num texto intitulado: “Cartas interessantíssimas, indiscretas”. “Foi como Antonio Carlos Villaça classificou a correspondência de Guimarães Rosa com o amigo e confidente Moreira Barbosa. Assim também chamo ao que me escreveu o memorialista, de 1980 a 1991: cartas interessantíssimas, indiscretas. Não pelo gosto da maledicência, da difamação, mas pelo prazer com que Villaça fruía a vida literária, tanto quanto a literatura. Autor de um livro intitulado "Literatura e vida", para ele os dois substantivos estreitavam-se necessariamente em sujeito e predicado: literatura é vida.

Interessavam-lhe, pois, não apenas as obras, mas também os homens e mulheres que as escreviam, o cotidiano de uns e outras, as qualidades e fraquezas inerentes à condição humana.” — declara Edmílson.

Caminha conheceu Villaça em Fortaleza: “ele, na plenitude dos 50 anos, consagrado pelo êxito de "O nariz do morto"; eu com 28, jovem professor de literatura em colégios e cursinhos para o vestibular, a escrever artigos para a imprensa local”. Deram início, então, confidencia-nos Caminha, a uma correspondência “que se estendeu por 12 anos, em que lhe escrevi 24 cartas e dele recebi 37.” Não foram publicadas todas, apenas as mais significativas. Em cada página, a presença de um diálogo regido por Villaça: “peço uma opinião e Villaça me diz outra coisa, como se não lhe interessasse a pergunta...” — confidencia-nos Edmílson Caminha.
“Imensamente gordo, barba e cabelos à escovinha brancos, sempre vestido de preto, compunha um tipo eclesiástico, um espécime abacial, a representação do monge que não chegou a ser, pois não passou do noviciado no Mosteiro de São Bento. Pobre, vivia parcimoniosamente, da colaboração em jornais, do
pro labore por conferências e palestras e dos poucos direitos que lhe asseguravam os livros. Por 17 anos, morou no apartamento 304 do pequeno Hotel Bela Vista, na Rua Pascoal Carlos Magno, 5, em Santa Teresa, Rio de Janeiro — cujos empregados, hoje, nada sabem do antigo hóspede.” Assim, de forma precisa e exata, como gostava de afirmar um amigo meu de infância, Edmílson descreve-nos Villaça, além de justificar o título da obra.

Na primeira carta, aos 8 de julho de 1980, Villaça aconselha: “Não force nada. Em arte, como em tudo mais, não devemos forçar.” Para, aos 27 de janeiro de 1981, asseverar-lhe: “Você é um Poeta, um autêntico. Agora, é ousar a contumácia. Ser contumaz. Insistir, persistir.”

Antonio Carlos Villaça era de uma capacidade laboral incrível. “Você leu o Junqueira da coleção Nossos Clássicos, da Agir, ou o Junqueira da Aguilar? Ambos foram feitos por mim. Um, em 1962. Outro, em 1977. Preparei também as edições do Ronald, poesia, prosa, e do Cesário Verde, para a Aguilar. E fiz a introdução à Obra Seleta do Gilberto Freyre.” — revela, aos 18 de novembro de 1980, o autor de Os saltimbancos da Porciúncula.

Na correspondência de 19 de fevereiro de 1981, Villaça discorre acerca da sua visita ao recanto telúrico de Rachel de Queiroz: “Gostei muito de ter ido à fazenda Não me Deixes, Quixadá, um sonho, talvez o único escritor brasileiro a visitar a velha Senhora no seu habitat, no seu refúgio, na caverna mágica da sua infância sertaneja. É preciso ter visto Rachel na fazenda para compreender-se o seu modo de ser, aquela graça muito dela, aquela rude leveza, aquele tom macio, falador e seco. Rachel é áspera, é doce, é direta.”

Ao se referir à entrada de Eduardo Portella na Academia Brasileira de Letras, e instado por Caminha quanto ao seu dia de vestir o fardão dos imortais, Villaça expõe: “O Portella elegeu-se. Fui abraçá-lo. E lá fiquei umas três horas. Muita gente. Mas não tenho a mínima ilusão. Acho que jamais me candidatarei. É tudo tão político, tão social, tão na linha das jogadas astutas. O importante é escrever. O resto...”.

Ao elogiar uma carta de Caminha a Carlos Drummond, Villaça o faz de uma forma poética, lírica: “Equivaleu a uma bênção, a uma sagração ou a um batismo. V. está dentro do recinto e canta com os velhos companheiros o louvor da Palavra, o Verbum que se fez carne, caro, o Logos fecundante.”

Como anuncia Edmílson Caminha, em carta a Villaça, aos 11 de maio de 1981: “Se algo divino existe entre os homens é a arte”; então, a leitura das missivas entre escritores é uma bela maneira de sermos, de uma certa
forma, confidentes e testemunhas desse tão sublime ofício.

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*Clauder Arcanjo, professor. Texto publicado no "Gazeta do Oeste", Mossoró-RN, 29.3.2009.

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