terça-feira, 7 de outubro de 2008

POEMAS DE BUENO DE RIVERA

Bueno de Rivera*

ORAÇÃO AOS PROFETAS DE CONCONHAS

Graves, serenos profetas de Congonhas,
na aparência impassíveis, diante dos rebanhos.
Eu sei que há em vós, austeros santos do adro,
a angústia dos que guardam a estranha palavra,
a palavra que está em toda a harmonia
mas ninguém adivinha.
Falai, hebreus de pedra do Aleijadinho!
Há, em todos vós, a paisagem e os homens,
a paisagem quieta, os homens imperfeitos.
há os ímpios que rezam, há o negro mar dos crentes,
todos como cordeiros sonham a revelação.

Os peregrinos descem com as chagas vivas no corpo
e a alma branca de rezas e de cânticos.
Mas há dentro de nós o milagre e a fé,
aguardando apenas o verbo magnífico.

Falai, graves profetas da montanha,
eu levarei a verdade esperada aos mutilados,
aos famintos e às leprosas das cidades sem Deus.
Dizei a consolação que está na pedra escura,
e eu levarei a vossa bênção aos meus irmãos aflitos,
aos meus pobres irmãos que enchem os vales de preces
e esperam, resignados,
a palavra salvadora que os libertará.


O HOMEM DO MUNDO


Quando acordei, não vi mais os tempos de meu pai,
a face de minha mãe não falou de orações.
Minha vó rezando na tempestade
e o vulto do Monsenhor entre as rosas da praça.
As perdidas casuarinas no crepúsculo vago,
lembrança de mortos no soluço do vento.

Onde estás, vitrola de bilhar deserto?
Onde arquivaste os discursos de catorze?
Agora, ouço apenas o clamor dos vivos
unindo os continentes.

Não sou mais o homem do interior, sou o homem do mundo.
Hoje, meu coração é um alfinete no mapa,
aceso também na hora solitária.

Adeus, alegrias inúteis! A dor bateu às nossas portas.
Temos os olhos enxutos, estamos conscientes.


CANÇÃO DO SONO

Acendei as magnólias
no céu. Ó ruas, calai!
Ângela é o pássaro,
Ângela dorme.

Os dedos, algas vivas,
desfolham estrelas no sonho.
A noite acende os lírios.
Ângela dorme.

Uma rosa flui no espaço,
é a lua ou a canção do bêbado?
Meu coração não se encontra.
Ângela dorme.

Ó abelhas da rua pobre,
tecelãs da madrugada,
não cantei junto aos teares,
Ângela dorme.

Adeus, notícias do mundo!
Bocas de leite, calai.
Auroras do pão, silêncio...
Ângela dorme.

Meu pensamento na insônia
canta em voz alta. Silêncio,
coração, não assusteis
o pássaro tranqüilo.
Ângela dorme.


_____________
*Odorico Bueno de Rivera Filho, de químico a poeta da alma de Minas, nasceu em Santo Antônio do Monte – MG, em 3 de abril de 1911 e faleceu em B.Horizone, em 25-6-1982. Ao lado de Dantas Mota, Alphonsus de Guimaraens Filho, Emílio Moura e Drummond, entre outros, representa a chamada Geração de 45.

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