CRÍITICA DA CRÍTICA
Francisco Miguel
de Moura*
É gratificante ler um livro de crítica. no Brasil, digno
deste nome. Crítica não é elogio gratuito nem espinafração pura e simples. A
subjetividade pessoal não conta, embora seja um componente inevitável. A
finalidade da crítica é, objetivamente estudar, analisar e qualificar as obras
de arte, cuja leitura, no caso do bom livro, deve ser incentivada. Mérito
crítico é traçar um roteiro de leitura que, de forma alguma deve ser
considerado único. Mas, o verdadeiro crítico terá, numa leitura, várias
leituras, já pelo seu preparo técnico, já por sua imaginação, para que possa
tirar o máximo proveito, o máximo de emoção. Não se concebe um bom crítico sem
criatividade. Dói ler ensaios e artigos em que o crítico apenas repete o que
outros já disseram.
Única como a obra de arte, assim deveria ser também a
crítica. Mas é exigir muito de quem não se preparou para o exercício ingrato de
dizer se uma determinada obra é boa ou ruim, na hora mesma em que ela nasce,
publicamente arriscando-se a um julgamento falho. Há uma chusma de
impressionistas, jornalistas ou professores, que passam de raspão sobre a
literatura e vão direto para a biografia do autor ou outro assunto que nada tem
de importante, salvo como escândalo, esquisitice ou anedota. Há outros que têm
a indignidade de falar do que não leram e até de fazer uma avaliação.
Assis Brasil, ao contrário, é um caso raro de excelente
escritor e, ao mesmo tempo, bom crítico, alguém já disse, não lembro se Nereu
Correia. Ávido leitor dos clássicos e dos modernos, sem ser professor
universitário nem propriamente jornalista do batente – mas um jornalista
literário – tanto melhor, pois não se submete e a determinada teoria estética,
mas está atento a todas elas. Assim, escreveu uma das melhores histórias da
literatura brasileira, centrada no que ele chamou de “a nova literatura” publicada
com o nome aleijado de “O Livro de Ouro da Literatura Brasileira”, assim
chamada por imposição do editor. Os demais historiadores da nossa literatura
vêm copiando Sílvio Romero, José Veríssimo, Ronaldo de Carvalho, quando não os
três.
Entre tantas obras de crítica, sem falar no seu fecundo
trabalho de ficcionista, sai agora o livro “Teoria e Prática da Crítica
Literária” (Topbook, Rio, 1955), que, de certa forma atualiza “A
Literatura do Brasil” (5 volumes) - obra supervisionada e orientada por
Afrânio Coutinho, através da colaboração dos melhores críticos da atualidade,
inclusive do próprio Assis Brasil.
Assis Brasil, respondendo pelo estudo, divulgação e crítica
dos “novos autores”, sempre que é chamado a escrever, em jornal, revista ou
livro, por isto participou da obra “A Literatura do Brasil”, coordenada
por Afrânio Coutinho, VI volume. Mas não só sobre os “novos autores”, mostrando
a essência teórica do conto, do romance e da poesia, aquilo que fez no batente
diário, seja por artigos e ensaios substanciosos, seja com as simples resenhas
que têm garantido o seu pão como escritor.
Embora de importância não fundamental, nota-se, ao longo
dos trabalhos ali inscritos, que o Autor insiste no termo e ou categoria
“universal”. Não creio que o termo seja de bom emprego na crítica. Parece-me
mais pertencer à filosofia. “Universal”, no meu entendimento, é aquela
qualidade do que, na escrita, faz tornar facilmente legível uma obra,
traduzível, melhor dizendo. Para esclarecer este ponto, tomemos o que diz L. A.
Richards:
“Os dois pilares sobre os quais uma teoria da crítica
deve repousar são uma explicação do valor e uma da comunicação. (...) Os
artistas e poetas de que se pode suspeitar que dêem atenção especial ao aspecto
comunicativo tendem (há exceções a isto, de que Shakespeare pode ser uma) a
cair num nível inferior.”
Para ser verdadeiramente literatura, a
obra tem que ser original, única e, portanto, nova. Ressalve-se que, à primeira
olhada, a categoria do “universal” contrasta com a categoria do “novo”, que é
tão cara ao crítico Assis Brasil. Creio. portanto, que são antitéticas.
Parece-me um vezo do crítico, adquirido do meio acadêmico, entre os que têem
medo de não serem alcançados pela história.
Todo escritor é homem de sua terra, da sua cidade, de sua
aldeia, de seu bairro, portanto não deve ter cerimônia dessa condição. A universalidade da obra será alcançada não
só por fatores intrínsecos, mas, na maioria das vezes fatos políticos,
sociológicos, etc... ou seja por fatores externos. A universalização depende da
história – que não depende do autor.
Pensamos que não há forma nova sem conteúdo novo e
vice-versa. Acreditamos como André Gide, que “tudo já foi dito”. Mas
falta ainda aquilo que tenho para dizer, da forma que é a minha forma. Assim, a maioria das verdadeiras obras
literárias são intraduzíveis. O que é traduzível na obra de arte é a parte
intelectual, jamais a sua forma específica. Toda obra de arte é singular.
Singular porque o homem é singular. Como o próprio Assis Brasil em seus
romances, que terão tantas leituras quantos leitores singulares delas se
acerquem. Em resumo, ainda temos críticos de coragem e competência. Enquanto
houver pessoas tão dedicadas à literatura como Assis Brasil, a nova literatura
brasileira, mesmo com obras “invisíveis” existirá.
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*Francisco Miguel de
Moura, membro da Academia Piauiense de Letras. Esta matéria foi publicada no
jornal “Diário do Povo”, Teresina, PI, 10 de outubro de 1995.
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