sábado, 11 de abril de 2015

NEPOTISMO E FAVORECIMENTO, QUAL A DIFERENÇA?

Francisco Miguel de Moura *
     



Lutar contra o nepotismo é lutar contra a natureza humana. Os pais defendem os filhos, filhos defendem os filhos dos filhos e por aí vai. Se a civilização é feita do encontro e mistura de famílias, é muito difícil esperar que não aconteçam nepotismo e favorecimento. Certa vez numa repartição, o gestor se desculpa por ter usado um “nepotismozinho”.
         - Não se incomode não, meu caro, no Brasil, nepotismo não é exceção, mas regra – eu disse. E ele silenciou.
         Explicando, nepotismo é um termo utilizado para designar o favorecimento de parentes ou amigos próximos em detrimento de pessoas mais qualificadas, geralmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. Tem origem no latim “nepus”, que significa sobrinho, descendente. Originalmente o termo era usado no âmbito das relações do Papa com seus parentes, na época em que a Igreja Católica dominava a Europa. E, segundo os historiadores, na Idade Medida, dois terços das terras do continente, especialmente as áreas cultiváveis, pertenciam ao Papado. Por esse motivo, o Dicionário Houaiss identifica um “nepote” como "sobrinho do sumo pontífice" ou "conselheiro papal".
        O sentido da palavra se foi modificando com o passar do tempo. Vieram os reinados, e os reis e imperadores fizeram o mesmo que os Papas romanos: nomeavam seus sobrinhos, primos, parentes, irmãos, filhos, mulheres como sucessores. Aliás, o reinado nada mais é do que a passagem do poder à própria família do rei.
       Atualmente é utilizado como sinônimo da concessão de privilégios ou cargos a parentes no funcionalismo público. Nepotismo é mais do que favorecimento, porque fortifica o poder, unifica o poder, tanto no imperialismo quanto nos regimes republicanos. Já no favoritismo não se encontram as relações de parentesco com o favorecido; muitas vezes ele se mistura com a política, para então gerar a corrupção e todos os males daí advindos. Neste caso, costumam juntarem-se as duas formas: o nepotismo e o favoritismo. O nepotismo é um favoritismo sem mérito, e favoritismo é um nepotismo sem parentesco. Apura-se o mérito pelos concursos bem feitos, e isto só acontece nas democracias plenas, que são pouquíssimas.
        Mas é preciso esclarecer que existe também o chamado nepotismo cruzado, que é a troca de parentes entre agentes públicos para que tais parentes sejam contratados diretamente, sem concurso. Favoritismo cruzado também é o ajuste mediante designações recíprocas, ou seja, a nomeação, daqueles relacionados, que sejam parentes de autoridade, por outra autoridade do mesmo ente federativo. “É importante mencionar que o nepotismo não constitui um ato criminoso”, diz-me um beletrista (encontrei-o com esta frase, na internet). Para mim, nepotismo é crime, sim, especialmente quando é praticado de forma intencional. De toda forma, o servidor público ficará sujeito a uma ação civil pública por improbidade administrativa. Sendo confirmada uma ação judicial, o servidor público poderá ter que ressarcir integralmente o dano público causado e também perder o cargo e os direitos políticos durante um prazo de três a cinco anos.
            O nepotismo é uma afronta à profissionalização da gestão, porque alguém que tem poder político dificilmente avaliará com imparcialidade o trabalho de uma pessoa que pertence à sua família. O artigo 37 da Constituição Federal refere que as contratações de funcionários para cargos públicos devem cumprir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este artigo revela então que o nepotismo é uma prática anticonstitucional.
             O Supremo Tribunal Federal possui também a 13ª Súmula Vinculante, aprovada em 21 de agosto de 2008, onde o nepotismo é proibido nos Três Poderes: federal, estadual e municipal, cuja súmula prevê e proíbe igualmente o nepotismo cruzado.
           Não obstante as leis, os costumes não mudaram ou mudaram muito pouco. No Brasil, o nepotismo corre frouxo de sul a norte, de leste a o este. Não precisa ir longe. Basta observar em cada eleição, em cada administração municipal, principalmente, mas nas outras áreas também.
            O caso mais patente, gritante mesmo, é do escritor e senador José Sarney. Segundo um jornal humorístico, o senador teria dito que “deixaria de escrever, caso ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura”. A frase deve ter sido dita num momento em que lhe criticavam abertamente pelo seu primeiro livro “Marimbondos de Fogo”.
            Dir-se-á que Sarney, como senador é um ótimo ficcionista: emprega sua ficção em toda a família. O costume pegou e assim aconteceu. Ou já vinha de seus pais? Então, seu uso do nepotismo é avoengo. Ele é mestre, aprendeu com a Ditadura Militar, continuou na meia democracia de Color a Fernando Henrique e aperfeiçoou-se com a longa Ditadura do PT. Seria ridículo, se não fosse trágico o último caso de nepotismo do Sarney.  Trata-se da nomeação do estudante João Fernando Michels Gonçalves Sarney, filho de Fernando Sarney, o primogênito do Senador, como funcionário do Senado, onde passou 18 meses dependurado na folha de pagamento, recebendo salário. Após uma denúncia e em seguida por decisão do Supremo Tribunal Federal o rapaz foi demitido. Mas um mês depois a mãe do dito rapaz foi nomeada para a vaga.
           Parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade: “lutar contra o nepotismo / é a luta mais vã / no entanto, lutamos / mal rompe a manhã”.   

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  *Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, e-mail: franciscomigueldemoura@gmail.com

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