Francisco Miguel de Moura
Escritor (Academia Piauiense de Letras)
A Bíblia diz que no princípio era o verbo. Já outras
pessoas, inclusive cientistas, acreditam que antes do verbo vem o pensamento.
No Último caso está o Dr. Humberto Guimarães, psiquiatra competente, acadêmico
da Academia Piauiense de Letras e professor sério, pessoa simples e honesta,
que assim externou no início de sua conferência sobre o pensamento, num dos
nossos sábados solenes, na APL, para uma seleta assistência. Aliás, uma ótima
conferência. Pena que não tenha sido escrita ou gravada para distribuição e
leitura, que é uma espécie de audição mais demorada e apreciação em todos os
seus detalhes.
Mas nem sempre os filósofos e
cientistas são concordes. Há quem considere que pensamento pressupõe a linguagem
e vice-versa. Nascem ambos ao mesmo tempo e têm a mesma origem.
Com essas considerações, inicio este
artigo sobre um livro cujo título é “A Língua
e o Homem”, de autoria de Bertil Malmberg, tradução de M. Lopes e edição das
Editoras Nórdica/Rio e Duas Cidades/São Paulo, 1976. Com base em anotações
feitas há alguns anos, não pretendo nenhuma propaganda das editoras ou
livrarias.
Trata-se, dizem os editores sobre o
livro, de uma rigorosa introdução aos problemas gerais da ciência da Linguística,
o que não deve ser alheio aos universitários (professor ou aluno) que tenham
ligação com as ciências humanas. Tudo baseado na leitura, pois o autor não nos
é familiar e o que sabemos dele é que é um professor de fonética na Suécia e
autoridade internacional no assunto.
Mas não é mais um livro sobre a Linguística
como tantos que pululam por aí afora, eivados de estruturalismos doentios e rançosos,
de teorias universitárias indigestas até para os próprios professores. É uma
obra que tem valor para a vida prática. Poder-se-ia abri-la sem susto, pois lá se
encontram informações, comparações, análises e exemplos de quem conhece a matéria
e por isto fala de coisas difíceis com linguagem acessível.
Entre as inúmeras informações e
formulações, exemplifiquemos com esta que se encontra lá na pg. 82: “A onda sonora no ar ou as letras no papel
adquirem poder sobre os homens graças a sua característica de portadores de
conteúdos. Como já afirmamos, na relação entre um conteúdo e uma expressão está
a essência da própria língua. Mas se desejamos não ser enganados pelas próprias
palavras, devemos observar as mudanças que se produzem pouco a pouco no conteúdo,
juntamente com as modificações de tempo, espaço e ambiente. A Semântica é‚
pois, uma ciência muito útil como aliada na luta contra o poder da língua sobre
o pensamento. Não somente dela necessitam os ditadores para poder levar a cabo
sub-repticiamente sua arte de sedução. Necessitam-na também todos aqueles que
consideram como tarefa mais urgente a luta contra esses ditadores onde quer que
eles surjam”.
Minha opinião sobre o assunto, creio,
é de somenos importância. Por isto passo novamente a palavra ao autor de “A Língua
e o Homem”:
“Um
ser incapaz de captar e experimentar conceitos não pode criar uma língua. Língua
e formação de idéias são, no fundo, uma coisa só, e constituem expressão de idêntica
capacidade. A língua e o pensamento são, em sentido restrito, a mesma coisa. O
aparecimento da capacidade linguística se torna igual à ação pela qual o homem
se torna homem. Assim, a verdade do primeiro versículo do Evangelho de João,
adquire sua confirmação”.
Aos que acham que a educação linguística
é coisa supérflua, Bertil Malmberg afirma que um ser humano sem língua não é
propriamente um ser humano. Que uma pessoa com língua pobre é apenas uma pessoa
pela metade, o que acontece nas massas dos países subdesenvolvidos. Povo rico
tem língua rica, bem desenvolvida. Povo pobre tem língua pobre. Não podemos
comparar a riqueza de um inglês, francês ou russo, pelo seu patrimônio
língua/pensamento, com um pobre indígena dos confins do Amazonas.
A respeito do estudo das línguas
estrangeiras, o Autor, no livro sob referência, mostra que o conhecimento e uso
de mais outra língua faz com que a gente possa sentir os problemas de outros
povos, dá mais abertura ao pensamento. O erro está em que foi
institucionalizado o estudo obrigatório do inglês entre os povos de língua
neolatina, por exemplo, quando deveriam estudar o alemão, o sueco, o russo, de
preferência, porque distanciados das suas, pois que, quanto mais distante do
idioma materno, outra língua se torna mais fácil de ser aprendida, sem grandes
desvios. É exatamente o contrário da opinião comum, corrente. Semelhança não
conduz à facilidade do integral pensamento em outra língua. Os suecos, por
outro lado, deveriam estudar não o inglês - apesar de sua riqueza, reconhece o
Autor - mas o francês, pelo muito que poderia servir também língua rica e flexível,
objetiva e clássica, na impossibilidade de um pulo maior, estudando, por
exemplo, o chinês, por causa do alfabeto.
Depois desse estudo, pode-se pensar
que, se o mundo todo falasse a mesma língua, o entendimento dos povos (que no
caso seria povo), se tornasse mais fácil, mais possível, melhor. E, como uma palavra leva a outra, um
pensamento também leva a outro: o da Torre de Babel, registrada na Bíblia
quando da dispersão do povo e da confusão das línguas. Por isto é que um poeta
contemporâneo cantou: “minha pátria é
minha língua”. como poderia ter dito:
“o pensamento não é só meu, é um patrimônio do homem”.
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