sábado, 20 de dezembro de 2014

LA DULCE FRANCELINA, UMA CRÔNICA

La Dulce Jovem
Francisco Miguel de Moura

 Francelina, ah, Francelina!
A felicidade é uma beleza que não se descreve, não se diz, apenas se sente e pensa. Como um sonho, é gravada pelo inconsciente e lá se fica enterrada.  É coisa inédita, sem cópia, só existe uma vez, original.
        Por isto, num esforço ingente, o menino conta, depois de tantos anos, seu momento de prazer mais intenso, felicidade do tempo em que ainda vivia seu mundo mágico da infância, quando seu “ser” ensaiou passos para o futuro adolescente. 
Francelina era maior, quase moça – a única que ele conhecia e com quem crescera junto. O contorno dos seios já transparecia pelo pano ralo, de chita, do vestido solto, sem cinto, sem atavios. Nem se lembra de mais nada do seu corpo, salvo dos olhos pretos, cheios de brilho ao sol da manhã. O menino de memória fraca, por ter sido alimentado com mingau massa de macambira, tinha felizmente tinha a imaginação fértil que ninguém sabe donde veio. Guardou a substância do instante num cantinho do seu “eu” ainda inconsciente. Tempo de Angico Branco! Brincava debaixo das mangueiras, à tarde, quando não estava na escola.    
        De manhã, a mãe intimava:
        – Levante, meu filho, vá à escola. 
       E ele ia pra lá, distante, caminhando. Meninos e meninas se encontravam na estrada, subiam ladeira, desciam... Dentre todas, Francelina ficou. Que era bonita, tinha certeza, pelo riso, pelos olhos, pela velocidade no andar e subir às mangueiras para tirar mangas.
      Cantava. O quê?  Ah, se lembrasse ao menos um pezinho daquelas cantigas! Colocaria aqui para ficar mais viva essa lembrança. 
        Mas de uma coisa Chico sabe, não há como esquecer.         Voltavam da escola, o sol quente, suados, corriam para chegar cedo. Ele e Francelina se adiantaram, ela mais velha, ele bancando o forte.
- Vamos subir o morro?
A elevação era muito alta para uma criança.
- Vamos.
- Lá é o céu!
- Lá é o céu.
Subiram na ânsia de alcançar um prêmio, ora se separando, ora juntando-se numa volta da trilha. As mãos se entrelaçavam e riam, finalmente um furtivo abraço.
- É o céu!
- Chegamos!
- Só nós dois.
- É bom.
- Ai! – Ela disse.
Depois, olhando lá embaixo, o canavial como se fosse grama, as mangueiras, baixas, pequeninas...
- Agora, vamos rápido, antes que os outros nos vejam.
- Senti um arrepio no corpo.
- E eu também, sério!
- O que será?
Mas não dava tempo pra conversa.
 Vimos nosso céu.
“Vimos nosso céu” – ouvia o murmúrio dos corações.
Os outros já apontavam na estrada lá embaixo, nas curvas, numa clareira da mata de costaneira.  Francelina e o menino estremecem. De medo?
Sentiram o céu que lhes parecia distante na reza e agora estava ali, na palma de mãos que se agarravam, na descida vagarosa, até chegar ao vale. 
Vale a pena! – lembra depois...
Nunca mais se separaram. Brincavam de roda no terreiro, ao anoitecer, com lua ou sem lua. O menino acostumava-se ao seu cheiro. Mais ainda, quando, naquele dia – é o único que se lembra, nem sabe se houve um segundo dia – em que banharam nus, no açude. Os pequenos estavam lá, mas não se importavam.
Gozo celestial. Para nunca mais senti-lo na vida.
Será que depois da morte, quando estiver ao lado de Deus e dos anjos, vai sentir gozo igual?  Maior não há.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...