terça-feira, 12 de novembro de 2013

VEZ POR OUTRA... - Pedro Salgueiro

CRÔNICA
Pedro Salgueiro*

Vez por outra algum amigo, colega de trabalho ou familiar pergunta — curioso com meus encontros com outros escritores — sobre o que tanto conversamos. Fico (apesar da insistência) assustado com a pergunta; e tento devolver a dúvida: “Sobre o que você conversa com seus amigos?”. O interlocutor também titubeia: “Depende...”. Emendo: “Pois é, depende, tem dias que falamos sobre futebol, noutros sobre os ‘assuntos quentes’ da época: ‘violência’, ‘protestos’ etc, etc”.

Escrever é um ofício por demais solitário, que quase não compartilhamos com ninguém; quando muito trocamos algumas ideias sobre um tema que nos inquieta (alguns são supersticiosos sobre temas futuros de seus escritos: se falarem não conseguem mais escrever sobre o mesmo, perdem o interesse, então silenciam), um “truque” que outro para começar uma história, certas dificuldades nas abordagens de um determinada temática... enfim, escritores quase não interagem com outros quando o assunto é escrita. Estamos, na maioria das vezes, sozinhos com nossos fantasmas.

Resta-nos para conversamos a totalidade de outros assuntos, de futebol à volta da inflação, da beleza feminina ao começo inverno; e, mesmo com essa variedade de temas, sobra tempo demais para brincadeiras, trocadilhos infames, gozações... Escritores, pois, falamos muita besteira. Engana-se quem pensa que entre eles prevalecem as pérolas lingüísticas, os conteúdos filosóficos, os ditos assuntos “sérios”... Sobram pilhérias, gozações, informações inúteis.

Mas sempre aprendemos alguma coisa com nossos colegas de letras, entre uma anedota e outra aparecem informações sobre livros lançados, conversas esquisitas escutadas, projetos de contos, poemas ou romances; tudo diluído na confusão de vozes em quase gritos e sussurros.

No encontro mensal da turma toda, nos subdividimos em vários pequenos grupelhos, às vezes bisbilhoto quatro ou cinco temas sendo conversado na mesma mesa: alguns participam (e dão opiniões) de mais de uma conversa, trocando as bolas nas intervenções, principalmente quando a cerveja já rola solta desde o começo da noite. Uns bebem muito álcool; outros, apenas refrigerante; um distribui amendoins e batatas-fritas; alguns trocam livros e revistas literárias: todos falam mal dos ausentes. Não raro um faltoso liga reclamando das “orelhas quentes” na noite passada. O ouvinte aconselha: “Melhor não faltar da próxima vez”.

E essas patotas de escritores se encontram em bares, restaurantes, fins-de-semana na praia: seja no Restaurante do Ideal, Clube do Bode, Poetas de Quintas, Bar do Vaval, Abraço Literário, Bar do Assis da Gentilândia, Bosque da Letras... e uma infinidade de outros lugares em que jovens e veteranos escritores se “batem”.

Claro, há os que não arredam os pés de casa, e acham tudo isso uma tremenda perda de tempo, uma chatice; são minoria, verdade, mas odeiam “panelinhas”, “grupelhos de escritores menores que se juntam para falar mal dos outros”, os outros são eles, os reclusos, óbvio. Guardam em si toda a seriedade do mundo, mas nem sempre conseguem transformar suas “sobras de tempo” em boas obras literárias.

Não sou de “circular” muito, não é de meu temperamento as festas e farras constantes, mas tiro sempre uma noite ou duas por mês para reencontrar os amigos, colocar as conversas em dias, trocar livros e velhas piadas, falar mal da turma dos ausentes (“cortar-a-casaca-da-humanidade”, como diz o amigo Sânzio de Azevedo), fazer visitas aos que não saem mais de casa.

Este mês, por exemplo, fui a dois bons lançamentos: um da amiga Hermínia Lima no “Terraço do Ideal”, e lá, entre as saudações à autora e as declamações dos seus poemas, reencontrei os escritores Batista de Lima e Dimas Carvalho, que há muitos anos não via; outro no Dragão do Mar, do primeiro romance do amigo Carlos Vazconcelos, onde (depois da conversa agradável entre o autor e o poeta Henrique Beltrão) também revi amigos longamente ausentes.

E este final de semana fizemos um encontro que há tempos não se realizava, mas tão prazeroso que deveria se repetir sempre: fui, com Nilto Maciel e José Mapurunga, visitar o poeta Soares Feitosa. E foi com muito prazer que os já gastos meninos de calças curtas encheram a casa de histórias e recordações: cada um queria falar mais que o outro, como se há décadas não se encontrassem, como se fosse a última vez que se veriam. Um atropelava o outro com anedotas saborosas, causos do arco-da-velha, temperados por gargalhadas e pedaços de rapadura.

O velho Salomão da Serra de Monsenhor Tabosa (Soares) disputava com o Menestrel de Viçosa (Mapurunga) quem contava a melhor história, tudo mediado pelo Sátiro de Baturité (Maciel), que de quando em vez “sapecava um mote” venenoso para os dois gigantes; tudo isso para deleite deste pobre cronista de meia-tigela, que tenta agora em vão transferir para o papel a riqueza daquelas poucas horas de mágicas palavras trocadas entre velhos amigos.
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Pedro Salgueiro, escritor cearense, especialmente cronista e contista. Esta crônica foi publicada em O POVO, Fortaleza-CE, em   09  outubro de 2013

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