segunda-feira, 5 de agosto de 2013

UM BESOURO CONTRA A LUZ

Francisco Miguel de Moura*

    De súbito, um besouro começou a perturbar o silêncio de meu escritório. Bate com força e voa, bate novamente e voa, de todas as formas.  Bate contra o quê?  Ora numa ora noutra das lâmpadas acesas, como se quisesse entrar.  Mas, de tanto voar e de tanto bater, encontra um pequeno interstício entre o suporte de metal e a lâmpada propriamente dia. Depois, alguns segundos, sai do esconderijo e pára na superfície incandescente durante alguns instantes, depois de voltar a fazer a mesma coisa.
    Zumbido realmente desconfortante.
    Vou à cozinha e pego uma vassoura para enxotá-lo pela janela que dá para o nosso jardim da frente, ali tão perto, cheio de plantas perfumosas e alegres nas suas cores, tudo cuidado por minha companheira de muitos anos. Mas ele não sai do buraco e quando o faz não consigo nem tocar com a vassoura.  Bicho ligeiro. 
    Depois do primeiro susto e de ouvir seu esvoaçar no qual entram as batidas secas na lâmpada acesa e rebulíço das asas pude pensar que talvez estivesse sentindo frio e em busca do calor da luz. Tive pena dele e meu pensamento retoma por outra linha, deduzo que o bichinho é cego. E vou mais à frente. Quem não vê a escuridão, nada sabe do outro lado dos universos, a negação, o limbo, a dor sem esperança; só tem por si a alegria eufórica de quem está entorpecido por uma paixão, e assim vai se consumindo inutilmente, falta-lhe a razão. Esta, sim, vê, estuda, aprende, esquece, sente, sonha, cria. Vive poeticamente. Pois quem tem a idéia da luz e ao mesmo tempo das trevas sabe que pode perder aquela a qualquer momento e deve estar atento a tudo quanto acontece.
    Ou o nosso besouro seria cego? Neste sentido só teria escuridão em si, e, sentindo frio, buscava o calor gostoso do verão que já pressentira em redor da lâmpada.
    E volto o pensamento para o poeta que eu era na hora dessas observações, seguindo para linhas gerais. O poeta não consome, se verdadeiro o ser desta palavra, mas se consome e é consumido. Na dor e na alegria, embora nada de prático faça – ou de preferencial. Faz apenas o dia-a-dia e neste as coisas de suma importância para sobreviver.
    Por outro lado, mesmo com tal argumento que expendi apenas para contestá-lo, pergunto: 
    – E o poeta não faz? 
    – Faz. Diferente, respondo.  Ele fala e é tudo. Mágico como o criador, ele escreve, e está feito. Ele diz e está dito, porque diz de uma forma inexistente: cria. Qual o homem pleno, tem dialética. São líquidos os poetas. Como a matéria primordial.  Líquidos, límpidos, vêm do Olimpo e se acercam da fonte de Castália para purificar-se, namorar as ninfas. O poeta sabe, pouco mas o bastante para tomar o seu caminho, gostar da luz, beijá-la e reconhecer as trevas como igualmente o lusco-fusco, o cinza, todas as cores da alma.
    Será que o nosso besouro tomava o seu caminho ou consumia a luz, o calor?
    Olho para o teto e o vejo. Ainda está vivo. Preto, da cor da noite. Música, não ouve, nem mesmo a própria, mas está vivo. Para ele também tudo será mistério ou só para os homens que se preocupam em consumir, consumir?
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 *Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, leia seus textos nos seguintes lugares: www.usinadeletras.com.br  www.jornaldepoesia.jor.br  www.antoniomiranda.com.br e  www.gazzag.com/franciscomigueldemoura

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