sexta-feira, 8 de junho de 2012

EUGENIO DE ANDRADE - BIOGRAFIA E POEMAS

EUGÊNIO DE ANDRADE


Poeta português, nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão, no seio de uma família de camponeses. A sua infância foi passada com a mãe, na sua aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Em 1947 entrou para a Inspecção Administrativa dos Serviços Médico-Sociais, em Lisboa. Em 1950 foi transferido para o Porto, onde fixou residência.

Abandonou a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita, actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, a partir da descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo Pessanha constituiu outra forte influência do jovem poeta Eugénio de Andrade.
Embora não se integre em nenhum dos movimentos literários que lhe são contemporâneos, não os ignorou, mostrando-se solidário com as suas propostas teóricas e colaborando nas revistas a eles ligadas, como Cadernos de Poesia; Vértice; Seara Nova; Sísifo; Gazeta Musical e de Todas as Artes; Colóquio, Revista de Artes e Letras; O Tempo e o Modo e Cadernos de Literatura, entre outras.

A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha.
O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa).
A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimemto, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
Foi galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o Prémio Europeu de Poesia. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome.

Autor de uma importante obra poética, podem referir-se os seguintes títulos: Adolescente (1942); As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes sem Dinheiro (1950); As Palavras Interditas (1951); Até Amanhã (1956); Conhecimento da Poesia (1958); O Coração do Dia (1958); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Limiar dos Pássaros (1972); Véspera da Água (1973); Memória de Outro Rio (1978); Matéria Solar (1980); O Peso da Sombra (1982); Poesia e Prosa, 1940-1989 (1990), O Sal da Língua (1995), Alentejo (1998), Os Lugares do Lume (1998) e Antologia Pessoal de Poesia Portuguesa (1999). Organizou ainda, várias antologias, como a que dedicou ao Porto (Daqui Houve Nome Portugal, 1968) e a Antologia Breve (1972). Em 2000, publica Poesia. Escreveu também livros para crianças. É um dos poetas portugueses mais traduzidos para outras línguas.
Em 1982, o Governo português atribuiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito em 1988. Em 1986, recebeu o Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 1996, recebeu o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz (Jugoslávia).
Em 1999 organizou a obra Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa.
Em Maio de 2000, recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, entregue pelo Presidente da República. O prémio distingue todo o percurso e toda a obra do escritor. Também recebeu, no mesmo ano, o Prémio Extremadura de criação literária e o Prémio Celso Emilio Ferreiro, para autores ibéricos.
Em Fevereiro de 2001, Eugénio de Andrade recebeu o Prémio Celso Emilio Ferreiro, na Galiza. Em Maio, Eugénio de Andrade foi homenageado no Carrefour des Littératures, em França.Em Julho, foi atribuído ao poeta o Prémio Camões, que se mostrou satisfeito, quer pelo prestígio do galardão, quer por ver o seu nome associado ao de Luís de Camões.
No mesmo ano publicou Os Sulcos da Sede

SELEÇÃO DE POEMAS


Poesias de Eugênio de Andrade

Eugênio de Andrade


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.


Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.


Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.
                             
É na escura folhagem do sono
                       que brilha
                  a pele molhada,
 a difícil floração da língua.


Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?


Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.


A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo

cintila,

a boca espera

(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave,

e cantar.


Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?


Sê tu a palavra

1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?


Colhe todo o oiro

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.


Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.


Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?


Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum


De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.


Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei ás romãs a cor do lume.


Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar,
o teu corpo perdia-se no meu.

(Vontade de ser barco ou de cantar.)


Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.


À breve, azul cantilena
dos teus olhos quando anoitecem.


Eram de longe.
Do mar traziam
o que é do mar: doçura
e ardor nos olhos fatigados.


A raiz do linho
foi meu alimento,
foi o meu tormento.

Mas então cantava.


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus

Do livro “As Tormentas”
_________________________________
Matéria copida do site http://www.astormentas.com/andrade.html  como homenagem a quem, por ocasião de seu falecimento fizemos um poem e um soneto, ambos publicados em meu blog http://www.franciscomigueldemoura.blogspot.com

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