sexta-feira, 2 de setembro de 2011

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA - ANTOLOGIA

“A METÁFORA DE CADA DIA”
A poesia está na entranha
entre prisões de pedras
duras magras frágeis
como um veio d´água
sem margens


f.m.m.

Assim começa o grande poeta piauiense Francisco Miguel de Moura a sua Antologia, setenta composições por ele escolhidas para celebrar quarenta anos de actividade poética.
Celebração plena só com os leitores, com quem estabeleceu uma identidade sólida dentro e fora de fronteiras. Essa empatia resulta da qualidade da obra feita, da autenticidade que dela se desprende e com a qual o autor pondera a razão das componentes essenciais da sua vivência: “mordo a metáfora de cada dia”.
Tudo o que transborda do íntimo cativa o outro, o próximo, ansioso por se irmanar na mesma “busca em palavra”Minha busca (). Sem constrangimentos ou falsos pudores, sem comprometimento com esquemas métricos como ele mesmo diz (Como Fazer) sem preocupações ainda com consensos da crítica, o poeta descodifica com desembaraço uma cartografia de sentimentos, itinerários íntimos, únicos, e ainda assim intemporais e tão familiares a toda a gente.
Fá-lo como se levitasse sobre as coisas, sobre os outros, alcançada uma paz dentro da inquietação que mais não é que distanciamento calculado, sabedoria temperada com os condimentos do percurso social e o aroma da aventura literária. O ritmo nem sempre é o mesmo: ou verso livre, de medida curta e longa, ou soneto finamente elaborado. Igual é a sonoridade expressiva, a riqueza lexical. É o jogo obsessivo das palavras sob o constante bailado das ideias.
Original, às vezes irreverente, Francisco Miguel de Moura oferece aos leitores, nesta sua selecção de poemas, as palavras que o confortam. Não para desvendar urdiduras ficcionais, mas para partilhar o indizível das lembranças e “deslembranças” que permanecem. Que outra dádiva poderia ser maior do que desnudar a alma sem artifícios, mostrando como é seguir o caminho igual a ninguém, a não ser a si mesmo, trabalhando a palavra, o pensamento, a vida? “Trabalhei, trabalhei:/Há outra forma de amar? (A Casa).
Francisco Miguel de Moura revela-se um poeta extremamente moderno na alternância das conjugações estróficas, por onde espraia uma consciência crítica de ser social inteiramente livre (Que País é Este; Contrastes). Livre mas não apartado. Inequívoca é a sua determinação em auscultar as contraditórias pulsações do Tempo, uma entidade recorrente ou omnipresente no seu trabalho poético. Porque a verdade é que há “um tempo acumulado em tempo-sim/ e um tempo esvaziado em tempo-não”, como ele diz (O Tempo Existe).
E porque o Tempo existe vestindo diferentes máscaras e esmaga a lúcida tarefa de as enfrentar a cada passo, o poeta reconhece o dispêndio de energias para tão efémera viagem. Daí que reitere a vontade de experimentar todas as emoções de ser vivente, “ganhar as estradas incultas/ e abraçar novos sentidos” (Era o tempo de Pintar) com a consciência de que “um dia a mais é sempre um dia a menos” (A Bela e a Fera).
No entanto, para melhor aproveitar os fluidos luminosos do presente efémero, ou aumentar a vantagem redentora do tempo-sim, Francisco Miguel de Moura expressa, no final da Antologia, a única forma de poupar a si mesmo algumas parcelas de sofrimento, escapando ao remoinho do tempo esvaziado:
“Quero viver do ideal concreto
quero arrancar de mim o coração
incapaz de conter todas as dores”

                                                 (Querenças)   
Foi com a cúmplice emoção de quem desfralda velas em palavras que recebi a minha quota-parte do abraço de Chico Miguel na sua Antologia, o abraço longo e comovido de um poeta maior aos seus fiéis leitores.
___________________
*Maria Helena Ventura - Parede, Cascais, 26 de AGOSTO DE 2011
Essa escritora vive no Concelho de Cascais, é membro da Associação Portuguesa de Escritores, Sociedade de Geografia de Lisboa e IWA - International Writers and Artists Association (EUA)


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