Assim como há uma filosofia do direito e outra da guerra, há também a filosofia da violência. Os filósofos pensam com suas ilusões, com seus dogmas, com seus preconceitos. No momento, tratamos especificamente da filosofia da violência imperante no Brasil, geradora de posições, comportamentos e ações da inteligência brasileira, consequentemente influenciando seus governos. Esse pensamento foi inscrito na Carta Constitucional de 1988 e nas leis daí por diante. Nunca tinha tentado interpretá-la, talvez por medo de alguma violência. Lendo a última página da revista “Veja” (8.12.2010), assinada por J. R. Guzzo, eu disse: “Heureca!”. Não vou tentar reformular a concisa conclusão do jornalista, para não traí-la. Transcrevo-a com todas as letras: “A origem do mal está na decisão mental, tomada por juristas, legisladores, governos e pela maioria dos que têm acesso aos meios de comunicação para pregar suas opiniões de que o crime não pode ser reprimido pra valer numa democracia: tem de ser entendido como resultado das diferenças de renda, das injustiças sociais, das desigualdades entre pobres e não-pobres e de tudo mais que há de errado no Brasil.”
Passemos a comentar os demais aspectos do artigo “A grande desculpa”, segura análise de J. R. Guzzo. Diz ele que, por causa dessa orientação equivocada, a culpa dos crimes que são praticados, aqui e agora, pode ser de todos nós, menos do criminoso, pois ele é sempre tratado como vítima. Não importa se mata, rouba, estupra, seqüestra, enfim se viola todo o Código Penal, do simples crime ao hediondo. Ainda assim, é considerado o coitadinho. Se fez maldades foi em legítima defesa. Ai, ai! Como dói! O assassino de hoje tem direito a tudo que tinha antes e há quem lhe acene com uma “bolsa presidiário”, além das que surrupiou dos cidadãos de bem. Por acaso, alguém ou alguma entidade já apurou quem leva celulares e armas para os presídios? Não seriam as mulheres e os familiares dos presos? Por que se incentiva tanto o criminoso e se perdoa o crime? O falecido, o roubado e o seqüestrado, por exemplo, não têm direito a nada, nem ele nem a família. Somente o direito de esperar que se faça justiça. Quem? E se a culpa maior do crime é da sociedade – como parte da sociedade, a vítima, também é culpada dos assaltos, assassínios, seqüestros... Assim sendo, como pode ter direito a nada? Os direitos à vida, à liberdade, à integridade física, à propriedade privada dos seus bens já lhe foram roubados, e daí a cidadania é levada ao mais baixo grau.
– Mas os presos são gente, não lhes devemos roubar os direitos humanos – dizem pessoas e entidades públicas representantes da sociedade.
– Mas eles, os delinqüentes, podem tudo! Ora, ora, meu Deus!
É a isto que outrora chamavam de inversão de valores. Este é o Brasil onde vivemos: confuso a partir de 1964, estabelecido a partir de 1988. São marcos históricos iniciais da degradação desses valores do cidadão. Justo seria o pagamento do criminoso pela infração (leve ou grave) cometida. É também um direito de cidadania para sociedade e para quem sofreu as dores do crime. Nos idos 1970, quando eu cursava a Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, eu e o Pe. Raimundo José, numa de suas aulas tivemos uma rápida discussão sobre o assunto. Ele argumentava que o ladrão devia ser punido. E eu, cheio da filosofia estalinista e pseudo-marxista da época, redargui que não: – “Existem ladrões no Brasil por falta de emprego, repartição de renda, etc.” Arrependo-me. A questão é complexa. Na verdade, justiça ao assassino seria a pena de morte. Mas, felizmente, vivemos numa sociedade cristã. Por isto basta a prisão perpétua como pagamento do crime de assassinato. Se hoje vivemos o horror da guerra declarada das favelas do Rio, a situação chegou a esse ponto por causa da cegueira da filosofia que questionamos. Porém o mal vem de longe. A filosofia da malandragem, por exemplo, já apontava onde queria chegar. Na sua continuidade, simpatia e trama, o malandro virou assassino, depois traficante... Mas continuou cantado, admirado e louvado pela música popular, na literatura populista e até na clássica. Com a redução de pena a um sexto, para o criminoso primário, chega-se a isto aí, Mané: a situação engraçada – SE NÃO FOSSE TRÁGICA – de querer combater os crimes com a redução de suas penas. Mesmo no caso dos chamados crimes hediondos.
À nossa vista está um beco sem saída, salvo a de mudar de rumo no pensar e no agir. Esperaremos até quando? Colocamos a mão na ferida, falta o remédio que também está à vista.
“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?!”
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Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, sócio da IWA (International Writers and Artists Association), com sede em Toledo, OH., Estados Unidos.
5 comentários:
Parabéns pelo texto. Comungo das ideias que expuseste tão bem e com tanta clareza. A vitimização do agressor e o desdém com a vítima e sua família é predominante na atual sociedade. A complascência do poder público com os delinquentes, muitas vezes, pode parecer até mesmo um disfarce ou uma mudança de direção para que não se conclua pela real ineficiência deste em punir.
O caso é grave, sério, mas os horizontes, infelizmente, ainda estão muito encobertos. Assim talvez somente nos reste a solução a longo prazo, qual seja, conscientização a respeito do problema e educação das novas gerações no intuito de remodelar a sociedade.
Um grande beijo querido amigo
Obrigado,
Giza.
Você sempre constante. Fico muito satisfeito e grato com sua sábia leitura e excelente comentário.
Cheiro em seu coração
Francisco Miguel de Moura
acho que a sociedade tem um pouco de culpa por gerar criminosos, então compensa com essas medidas que claramente fazem parte da moderna "política criminal", a nível mundial.
abrs!
Ana Lúcia Franco,
Mas até quando a sociedade como um todo tem que pagar essa culpa? Isto não gerará um círculo vicioso que termina virando uma parábola. Por a soeciedade ser um pouco responsábel pela onde de criminalidade é que a própria sociedade pensante tem que resolver deixar de ser permissiva e fazer leis e cumpri-las com tendência a freiar o círculo (ou a parábola). Basta de se sentir culpada por tudo. Afinal a sociedade é muita gente, um todo, e os criminosos ainda são uma parcela que, com certeza, não trará nenhum benefício ao todo.
Grato pela crítica, mas espero que leia a minha resposta.
Atenciosamente
francisco miguel
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