Francisco Miguel de Moura*
Quando cursava o ginásio ouvi dizer que “filosofia é a ciência tal que, sem a qual, a gente fica tal e qual”, uma gracinha de estudantes. Na Faculdade Católica de Filosofia aprendi que “filosofia é o conhecimento científico que, pela luz natural da razão, considera as causas primeiras ou as razões mais elevadas de todas as coisas”, conceito evidentemente originário da filosofia de São Tomaz de Aquino, definição que não sei se ainda vige.
Agora, indo às origens, dizemos que há milênios o homem pensa, memoriza e escreve seu pensamento – preciosidade que só pertence a ele, espécie humana. Começou a harmonizar suas idéias e imagens em forma de religião ou arte e depois em sistemas filosóficos. Não importa que o vulgo – por não ter capacidade de pensar alto – confunda o refletir com o sentir, filosofia com poesia. “A filosofia é a indústria da criação e da modificação dos conceitos, e um conceito é aquilo que determina o modo como interpretamos qualquer acontecimento. (...) Ela não diz nada, ela se cria a partir do que é dito por aqueles que, com competência, têm o privilégio de serem os transmissores dos mais elevados modos de aparição do ser, do não-ser e do devir, sempre isso expressado em forma de discurso”, escreveu Cleber Baessa Mestriner. Portanto, filosofia é uma representação de tudo isto. E se nada existe no representar que não tenha passado pelo querer, como disse Schopenhauer, “a consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta.”
Dizem que a filosofia grega foi a que mais avançou no domínio do pensamento, que ela é autóctone. Mas Nietzsche reclama que não há nada mais irreal do que isto. Ela, a filosofia, germinou na China, na Índia, na Pérsia, na Judéia e em outras paragens, com Lao-Tsé, Confúcio, Buda, Mahiva, Zaratustra ou Zoroastro, David e Salomão. Era a infância do pensamento mundial. Os grandes inventos do Humanismo e do Renascimento já haviam sido descobertos pelos chineses: pólvora, papel e imprensa.
Também é preciso dizer que filosofia difere de ideologia. A filosofia organiza-se em sistemas, onde cabe parte da sabedoria das correntes anteriores, mas tenta fazer novas descobertas entre a fé e a razão, o ser e o estar, o bem e o mal, a escravidão e a liberdade, a vida e morte (ou, antes e acima desses pares). Procura compreender o homem todo, a vida na sua plenitude e a liberdade para avaliar as circunstâncias, sem interesse material. A ideologia, ao contrário, é subsistema de pensamentos para satisfazer os desejos de um líder, grupo, classe ou nação e quer conhecer o homem para apossar-se das fraquezas e dominá-lo. Sócrates, Platão, Marx, Nietzsche são acusados de pregar ideologias sobre as quais, deturpando-as, o poder firmou-se. Hitler, com a ideologia do Partido dos Trabalhadores Alemães, quase leva a Europa e o mundo ao desespero. Marx queria o fim do estado, mas sua doutrina serviu de base ao totalitarismo comunista de Lênin e de Stalin. Por estas e outras, os sistemas filosóficos devem ser conhecidos e estudados. Cada tempo e cada país (ou região) possuem sua ideologia dominação.
Não obstante as definições com que iniciamos, cabe lembrar que há filósofos-escritores e escritores-filósofos, levando para mais perto do seu sistema a vida e seus sentimentos. Albert Camus foi um deles. Como existencialista, dizia ele: “Eu amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza. Amo-a tanto que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida.” Não é um filósofo preocupado com definições nem com rigor conceitual. Os parâmetros do seu filosofar misturam-se com os da poesia (literatura). Seria o existencialismo a corrente mais forte da modernidade?
É matéria para muitas discussões, às quais estamos sempre voltando e descobrindo novas relações e novos conceitos.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor e membro da Academia Piauiense de Letras (APL) , com sede em Teresina, Brasil, e da International Writers and Artists Association (IWA), com sede em Toledo, Estados Unidos
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