APRESENTA FRANCISCO MIGUEL
DE MOURA
JOÃO ERISMÁ MOURA*
Este momento tão solene e ao mesmo tempo festivo se reveste de muita alegria, gratidão, emoção e reconhecimento, tendo como objetivo a posse de Francisco Miguel de Moura, um dos mais novos acadêmicos eleitos para a Academia de Letras da Região de Picos - ALERP.
Minha missão neste instante é a difícil tarefa de saudar o poeta, escritor, professor, crítico literário e bancário aposentado do Banco do Brasil, Francisco Miguel de Moura eleito democraticamente para ocupar a Cadeira n. 29, nesta Instituição literária, que tem como Patrono desta cadeira o Professor Miguel Borges de Moura.
O destino traçou, Deus assim quis e meu pedido foi deferido, com a decisiva participação do acadêmico Francisco das Chagas de Sousa, presidente da ALERP e apoio dos colegas acadêmicos, para que fosse homenageado neste Sodalício, como Patrono da Cadeira n. 29, a figura de um dos maiores professores da região picoense, Miguel Borges de Moura, o Mestre e Violeiro Miguel Guarani, pai do renomado e novel confrade Francisco Miguel de Moura.
Quem sou eu para julgar os homenageados neste momento. No entanto, arrisco com certa convicção, que o discípulo ultrapassou o mestre. É verdade que as oportunidades experimentadas pelo pai e pelo filho foram distintas. Para eles o tempo e as circunstâncias foram completamente diferentes. O primeiro, com certeza enfrentou mais dificuldades que seu primogênito. Não apenas isso: fez de suas veredas caminho para que o filho pudesse trilhá-lo e por ele chegar a um melhor destino.
O professor Miguel Borges de Moura, meu tio, segundo filho do meu avô paterno e padrinho, Feliciano Borges de Moura e Rosa Maria da Conceição, nascido no local denominado Diogo, interior da cidade de Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, no dia 18 de maio de 1910, faleceu muito jovem, aos 61 anos de idade, a 07 de agosto de 1971, em Santo Antônio de Lisboa.
Ainda criança, Mestre Miguel recebeu as primeiras lições do nosso avô, Feliciano, o popular Sinhô do Diogo, com o objetivo de disseminar tais conhecimentos aos seus irmãos mais novos. E assim o fez com maestria. Foi, por pouco tempo, aluno do meu outro avô materno Cícero Clímaco da Silva. Com o tempo adquiriu mais experiência e saber, mesmo tendo enfrentado as dificuldades da época e do local onde residia, além da carência de bons livros didáticos. Viveu como um andarilho, ensinando a todos àqueles que necessitavam do estudo e informações. Brilhantemente, soube transferir esses conhecimentos aos seus inúmeros discípulos espalhados por toda a redondeza do Rio Guaribas e seus afluentes. Assim, foi no campo educacional que se destacou e desempenhou, por décadas, o ofício do magistério, como professor particular em diversas cidades e lugarejos da microrregião de Picos, recebendo um salário que mal dava para sobreviver. Chegou a trabalhar como professor contratado pelo Estado por alguns anos, não obtendo a necessária e merecida aposentadoria por entraves burocráticos e políticos. Uma injustiça jamais corrigida.
No meio artístico recebeu o nome de Miguel Guarani, vindo a produzir importante obra na literatura de cordel, tendo sido violeiro afamado em toda a região. Esta segunda profissão parecia ser o seu lenitivo para esquecer um pouco as agruras que enfrentou. Não rendia dividendos, só prazer e alguma fama. É verdade que o artista necessita muito disso.
Sua vida foi um rosário de obstáculos e sofrimentos. Viveu numa época em que o professor ainda era menos valorizado do que hoje. Tinha uma saúde bastante frágil. Ficou viúvo e no final da vida morava sozinho. Criou a família com dificuldades mais deu a todos os filhos a herança maior que um pai pode transmitir: o saber.
A imagem derradeira que guardo do meu tio é aquela de um homem um pouco amargurado, solitário, esquecido e conformado com o sofrimento e as dificuldades encontradas no decorrer de sua vida. Apesar disso, sempre foi admirado por todos pela sua capacidade e inteligência.
Depois de sua morte, como acontece com a maioria dos brasileiros ilustres, fora reconhecido por alguns pelo cabedal de conhecimento transmitido aos seus alunos, muitos deles hoje doutores e figuras importantes nascidas em nossa cidade e municípios circunvizinhos. Infelizmente não fui alfabetizado por ele, não tive este privilégio de ter sido seu aluno, pois muito cedo fui residir na Capital Federal. Entretanto, aprendi a admirá-lo e reconhecer os seus notáveis atributos humanos.
Assim, ao ultrapassar tantos obstáculos, jamais perdeu a ternura, a educação, a calma e a paciência. Dentre as suas marcantes virtudes destacamos, principalmente, a honestidade, ser humilde, verdadeiro e amigo, além da competência e dedicação à educação de base e à formação intelectual de seus alunos. As pessoas que lhe conheceram consideravam-no um verdadeiro educador. Não aquele que só pensa em ter uma ocupação, um emprego. Foi um mestre na expressão máxima da palavra, um homem dedicado ao próximo, preocupado em ensinar tudo aquilo que sabia aos mais necessitados, sem pensar em obter um lucro fácil ou prestígio junto a algum político ou pessoas de posse da região. Se pudesse tinha alfabetizado toda a população local da época.
Na literatura espanhola, destacou-se outro Miguel; este de Cervantes, autor de uma das principais obras da literatura mundial. Seu clássico “Dom Quixote de la Mancha”, escrito há pouco mais de 400 anos, narra a fábula de um Cavaleiro Andante que encontrara muitas barreiras em seu caminho, mas que não desanimara diante da luta da inteligência contra a estupidez, da luz contra a escuridão. Princípios básicos da vocação, altruísmo e vontade de quem quer ensinar o próximo.
Nosso humilde Mestre Miguel Guarani foi assim até seus últimos dias de vida. Cavaleiro Andante que enfrentou poderosos moinhos de vento sem jamais desanimar frente a esses obstáculos que a vida nos oferece. Boa parte da população de Francisco Santos, Santo Antônio de Lisboa, Monsenhor Hipólito, Alagoinha, São Julião, Bocaina, Itainópolis, Aroeiras do Itaim e outros locais, tais como: Angico Branco, Carnaíbas, Diogo e Curral Novo, num gesto de gratidão e reconhecimento, embora tardio, deveria agradecer sempre a este homem o aprendizado que do mesmo foi recebido.
Na verdade, viveu até falecer enfrentando a pobreza e outras carências materiais. Seus parcos ganhos como professor davam mal para o sustento de sua família. Quando mais precisou foi desamparado pelos Poderes Públicos. Mesmo assim nunca perdeu a sua dignidade e coragem para o trabalho. Jamais abandonara a luta e dedicação ao magistério. Nos últimos anos de vida, com problemas de saúde e já cansado, viveu num mundo de ostracismo, solidão e visível desamparo.
Em meu discurso proferido na década passada, mais precisamente no dia 27 de dezembro de 1999, por ocasião da inauguração da Praça em homenagem póstuma ao meu avô Francisco Rodrigues de Sales, o nosso Chodó, sugeria aos mandatários de Francisco Santos a criação de um Teatro com o nome de Miguel Guarani. Mais uma vez renovo a sugestão a quem de direito. Quem sabe uma escola, uma rua, uma praça, uma biblioteca, enfim. A nossa Academia já fez a sua parte em destinar-lhe uma cadeira como patrono. Agradeço à ALERP por este significativo gesto.
Feliz daquele pai que deixa a herança do saber aos seus herdeiros. Vem-me à lembrança o legado que o maior poeta piauiense Da Costa e Silva (Amarante-PI – 1885 e Rio de Janeiro-RJ -1950) repassou ao seu filho, diplomata e intelectual Alberto da Costa e Silva, membro da Academia Brasileira de Letras, seu ex-presidente no período de 2002/2004.
Até aqui falamos do passado, vamos virar uma página da história sem, no entanto, esquecê-la.
II
Tive a satisfação de tomar posse na Cadeira n. 13 desta Academia de Letras da Região de Picos, cujo patrono é Francisco Lopes dos Santos e seu último ocupante fora o escritor, poeta, cantor e artista Francisco de Moura Barbosa, em memorável noite de 27 de agosto de 2005. Até o momento só tive satisfação pessoal e acolhimento por parte dos meus confrades. É uma nova família, uma grande escola de intelectuais e artistas. Uns mais distantes por motivos relacionados aos seus afazeres, outros mais próximos, companheiros de todas as horas.
A Academia de Letras da Região de Picos – ALERP foi fundada em 22 de outubro de 1989, tendo como instituidores um grupo de intelectuais e admiradores das letras, artes e cultura, residentes em Picos. Tivera como ícones os escritores “teresinenses” Francisco Miguel de Moura e Hardi Filho, num evento que teve como organizadora a professora Rosa de Lima Araújo Lima, eleita sua primeira presidenta, contando ainda com a colaboração de outros mentores da literatura, vários deles eleitos para ocuparem vagas na futura Agremiação, como o nosso atual presidente Francisco das Chagas Sousa, Chaguinha e outros aqui presentes.
Durante essas duas décadas a ALERP passou por dificuldades de toda ordem. Privou-se de uma sede própria por muito tempo, careceu de ajudas financeiras e apoio das iniciativas públicas e privadas, enfim, resistiu ao tempo somente pela dedicação e trabalho de alguns de seus abnegados membros, dos quais, de público, quero parabenizá-los neste momento.
É óbvio que, hoje, a situação é outra. Temos nossa sede, munida de um razoável auditório, recebemos da instituição total apoio quando da produção de trabalhos literários. Por intermédio da ALERP são realizados Seminários, Encontros e Ciclos literários. Em seu prédio tão bem localizado está funcionando uma biblioteca que dispõe de centenas de livros colocados à disposição do público, estudantes ou pesquisadores. Por fim, é notória a divulgação e amadurecimento da arte, cultura e produção literária picoense, que tem amparo da Academia em várias manifestações artísticas e culturais. Devemos reconhecer que a ALERP hoje é uma instituição respeitada e que presta relevantes serviços de utilidade pública e cultural para a comunidade.
III
Ler a biografia de alguém deixa de ser interessante quando repetitiva ou o biografado é por deveras conhecido. Obviamente, agora ocorrerá o segundo caso. Sendo assim, peço minhas escusas pela omissão dos principais dados do vasto e rico curriculum vitae do homenageado nesta noite, fazendo apenas uma síntese da sua vida literária, em consideração aos presentes, mesmo porque certamente o mesmo fará sua breve apresentação. Falar do acadêmico Chico Miguel é reconhecê-lo, sem nenhum favor, como o maior escritor piauiense em atividade. É poeta, contista, romancista, cronista e intelectual dedicado à cultura e à literatura mundial. Acompanho, há muito tempo, a trajetória percorrida pelo escritor, desenvolvida em diversas vertentes da literatura. É um homem das letras. Na verdade, vive e se alimenta das letras. É a sua seiva física e mental. As palavras correm por suas artérias. A maior parte da sua vida dedicou e ainda dedica às atividades de ler e escrever.
Francisco Miguel de Moura nasceu em Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, sendo filho de Miguel Borges de Moura e Josefa Maria de Sousa, nascido aos 16 de junho de 1933. Fez seus estudos primários com seu pai, Mestre Miguel Guarani, antigo ensino ginasial e técnico em contabilidade nesta cidade de Picos - Piauí. Casado com D. Maria Mécia Morais Araújo Moura, tem os seguintes filhos: Franklin, Laudemiro, Francisco Jr., Fritz e Mécia. É formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduado pela Universidade Federal da Bahia. No início da sua vida exerceu diversas atividades profissionais, sendo aposentado do Banco do Brasil, instituição mantenedora das suas necessidades financeiras básicas. No Brasil, infelizmente o escritor não vive dos lucros de suas obras. Noutras vertentes foi radialista, professor de língua portuguesa e literaturas brasileira e portuguesa. Atualmente se dedica exclusivamente a ler, escrever e cuidar dos filhos e netos, em Teresina, cidade que a elegeu como o seu paraíso terreno, no dizer de Manuel Bandeira, a sua Pasárgada querida. Sempre foi cultor da leitura. Desde menino já gostava de ler e de escrever, rabiscando seus primeiros versos, assinados em papel de embrulhar mercadorias. Seu primeiro livro de poemas, "Areias," foi editado tardiamente, em 1966, para quem produziu tantas obras depois. Daí para frente sua produção literária não parou, chegando atualmente a casa de mais de 30 (trinta) obras publicadas. Seus livros já foram traduzidos e editados em várias línguas e muitos são objeto de estudos acadêmicos.
Apesar de primo carnal, nossos pais são irmãos, quis o destino que nos conhecêssemos pessoalmente somente em 29 de dezembro de 1978, em Teresina, ocasião em que recebi de presente o livro "Pedra em Sobressalto". Nessa época, de passagem pela capital piauiense, quebramos as amarras de um distanciamento que não haveria nenhum motivo para acontecer, passando, a partir daí, a conservar uma amizade, cada vez crescente e sólida.
Chico Miguel desenvolve um projeto literário em Teresina de tamanha magnitude que a Academia Piauiense de Letras o tem como o maior operário das letras no Estado do Piauí. Sua produção é muita extensa e diversificada. São escritos livros, crônicas, poesias e artigos literários de toda natureza. Ele não tem hora para escrever. Pode ser até mesmo na madrugada. Sua mais recente obra chama-se "Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura", resumo de artigos, resenhas, citações e cartas escritas por grandes escritores e críticos literários brasileiros, relativos à sua respeitável obra.
Dias atrás publicou em seu blog um interessante artigo em homenagem ao centenário de falecimento do escritor Euclides da Cunha (Cantagalo-RJ 20.01.1866 – Rio de Janeiro 15.08.1909), autor do épico "Os Sertões". Curiosamente, neste mesmo ano faleceram os ilustres Afonso Pena, ex-presidente da República e Cesare Lombroso, velho conhecido da área jurídica, considerado o maior antropólogo criminal de todos os tempos. Em compensação, nasceram em 1909, há um século atrás, Dom Hélder Câmara, Roberto Burle Marx. Ataulfo Alves, Carmem Miranda e o nosso saudoso Patativa do Assaré. No próximo ano o mundo literário certamente homenageará o centenário de nascimento da nossa imortal Rachel de Queiroz; e nós, aqui na ALERP, comemoraremos os cem anos de nascimento do Mestre Miguel Borges de Moura, patrono da Cadeira n. 29.
Estimado primo e insigne confrade, a partir de agora nossa Academia se sente honrada com o seu ingresso e constante presença neste Sodalício, contando com a sua importante contribuição para a cultura brasileira, fato que só vem engrandecer nossos quadros e elevar cada vez mais o nome da ALERP no cenário nacional. Seja bem vindo e que Deus lhe reserve ainda muitos anos de vida, e que este tempo não seja como diz sua obra de poemas, em co-autoria com Hardi Filho, intitulada “Tempo contra tempo”, para nos oferecer um profícuo e produtivo convívio nesta Casa de Cultura.
Por fim, quero dedicar a todos os presentes lendo uma das obras primas do homenageado, transcrita nos belos versos do poema intitulado: "Não me negues..." – Soneto:
Ai, não me negues teu olhar, senhora,
Não me negues ouvir-te, sei que falas,
Não me negues teu rosto quando calas,
Não me negues o dia, o tempo e a hora.
Não me escondas o vulto que conduzes
Tão bem de frente, de perfil, de costas.
Teu seio arfante, em busca do que gostas,
Faz-me lembrar mamãe, me acende luzes.
Não me negues!... Qualquer gesto me importa.
Sinto o sabor pular da tua língua...
Não me mostres teus lábios como porta,
Dispenso o beijo de que vivo à mingua.
Mas não me negues, flor, teu santo riso
Que abre à minha alma eterno paraíso.
Para finalizar, como membro da família Moura, quero agradecer a presença de todos que abrilhantaram com as suas presenças esta solenidade, em especial a família do homenageado na pessoa de minha amiga Mécia, filhos, noras e netos.
Picos – PI, 04 de setembro de 2009.
______________
*JOÃO ERISMÁ DE MOURA, funcionário público aposentado (Tribunal de Contas da União), escritor, membro da Academia de Letras da Região de Picos, mora em Brasília-DF
DE MOURA
JOÃO ERISMÁ MOURA*
Este momento tão solene e ao mesmo tempo festivo se reveste de muita alegria, gratidão, emoção e reconhecimento, tendo como objetivo a posse de Francisco Miguel de Moura, um dos mais novos acadêmicos eleitos para a Academia de Letras da Região de Picos - ALERP.
Minha missão neste instante é a difícil tarefa de saudar o poeta, escritor, professor, crítico literário e bancário aposentado do Banco do Brasil, Francisco Miguel de Moura eleito democraticamente para ocupar a Cadeira n. 29, nesta Instituição literária, que tem como Patrono desta cadeira o Professor Miguel Borges de Moura.
O destino traçou, Deus assim quis e meu pedido foi deferido, com a decisiva participação do acadêmico Francisco das Chagas de Sousa, presidente da ALERP e apoio dos colegas acadêmicos, para que fosse homenageado neste Sodalício, como Patrono da Cadeira n. 29, a figura de um dos maiores professores da região picoense, Miguel Borges de Moura, o Mestre e Violeiro Miguel Guarani, pai do renomado e novel confrade Francisco Miguel de Moura.
Quem sou eu para julgar os homenageados neste momento. No entanto, arrisco com certa convicção, que o discípulo ultrapassou o mestre. É verdade que as oportunidades experimentadas pelo pai e pelo filho foram distintas. Para eles o tempo e as circunstâncias foram completamente diferentes. O primeiro, com certeza enfrentou mais dificuldades que seu primogênito. Não apenas isso: fez de suas veredas caminho para que o filho pudesse trilhá-lo e por ele chegar a um melhor destino.
O professor Miguel Borges de Moura, meu tio, segundo filho do meu avô paterno e padrinho, Feliciano Borges de Moura e Rosa Maria da Conceição, nascido no local denominado Diogo, interior da cidade de Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, no dia 18 de maio de 1910, faleceu muito jovem, aos 61 anos de idade, a 07 de agosto de 1971, em Santo Antônio de Lisboa.
Ainda criança, Mestre Miguel recebeu as primeiras lições do nosso avô, Feliciano, o popular Sinhô do Diogo, com o objetivo de disseminar tais conhecimentos aos seus irmãos mais novos. E assim o fez com maestria. Foi, por pouco tempo, aluno do meu outro avô materno Cícero Clímaco da Silva. Com o tempo adquiriu mais experiência e saber, mesmo tendo enfrentado as dificuldades da época e do local onde residia, além da carência de bons livros didáticos. Viveu como um andarilho, ensinando a todos àqueles que necessitavam do estudo e informações. Brilhantemente, soube transferir esses conhecimentos aos seus inúmeros discípulos espalhados por toda a redondeza do Rio Guaribas e seus afluentes. Assim, foi no campo educacional que se destacou e desempenhou, por décadas, o ofício do magistério, como professor particular em diversas cidades e lugarejos da microrregião de Picos, recebendo um salário que mal dava para sobreviver. Chegou a trabalhar como professor contratado pelo Estado por alguns anos, não obtendo a necessária e merecida aposentadoria por entraves burocráticos e políticos. Uma injustiça jamais corrigida.
No meio artístico recebeu o nome de Miguel Guarani, vindo a produzir importante obra na literatura de cordel, tendo sido violeiro afamado em toda a região. Esta segunda profissão parecia ser o seu lenitivo para esquecer um pouco as agruras que enfrentou. Não rendia dividendos, só prazer e alguma fama. É verdade que o artista necessita muito disso.
Sua vida foi um rosário de obstáculos e sofrimentos. Viveu numa época em que o professor ainda era menos valorizado do que hoje. Tinha uma saúde bastante frágil. Ficou viúvo e no final da vida morava sozinho. Criou a família com dificuldades mais deu a todos os filhos a herança maior que um pai pode transmitir: o saber.
A imagem derradeira que guardo do meu tio é aquela de um homem um pouco amargurado, solitário, esquecido e conformado com o sofrimento e as dificuldades encontradas no decorrer de sua vida. Apesar disso, sempre foi admirado por todos pela sua capacidade e inteligência.
Depois de sua morte, como acontece com a maioria dos brasileiros ilustres, fora reconhecido por alguns pelo cabedal de conhecimento transmitido aos seus alunos, muitos deles hoje doutores e figuras importantes nascidas em nossa cidade e municípios circunvizinhos. Infelizmente não fui alfabetizado por ele, não tive este privilégio de ter sido seu aluno, pois muito cedo fui residir na Capital Federal. Entretanto, aprendi a admirá-lo e reconhecer os seus notáveis atributos humanos.
Assim, ao ultrapassar tantos obstáculos, jamais perdeu a ternura, a educação, a calma e a paciência. Dentre as suas marcantes virtudes destacamos, principalmente, a honestidade, ser humilde, verdadeiro e amigo, além da competência e dedicação à educação de base e à formação intelectual de seus alunos. As pessoas que lhe conheceram consideravam-no um verdadeiro educador. Não aquele que só pensa em ter uma ocupação, um emprego. Foi um mestre na expressão máxima da palavra, um homem dedicado ao próximo, preocupado em ensinar tudo aquilo que sabia aos mais necessitados, sem pensar em obter um lucro fácil ou prestígio junto a algum político ou pessoas de posse da região. Se pudesse tinha alfabetizado toda a população local da época.
Na literatura espanhola, destacou-se outro Miguel; este de Cervantes, autor de uma das principais obras da literatura mundial. Seu clássico “Dom Quixote de la Mancha”, escrito há pouco mais de 400 anos, narra a fábula de um Cavaleiro Andante que encontrara muitas barreiras em seu caminho, mas que não desanimara diante da luta da inteligência contra a estupidez, da luz contra a escuridão. Princípios básicos da vocação, altruísmo e vontade de quem quer ensinar o próximo.
Nosso humilde Mestre Miguel Guarani foi assim até seus últimos dias de vida. Cavaleiro Andante que enfrentou poderosos moinhos de vento sem jamais desanimar frente a esses obstáculos que a vida nos oferece. Boa parte da população de Francisco Santos, Santo Antônio de Lisboa, Monsenhor Hipólito, Alagoinha, São Julião, Bocaina, Itainópolis, Aroeiras do Itaim e outros locais, tais como: Angico Branco, Carnaíbas, Diogo e Curral Novo, num gesto de gratidão e reconhecimento, embora tardio, deveria agradecer sempre a este homem o aprendizado que do mesmo foi recebido.
Na verdade, viveu até falecer enfrentando a pobreza e outras carências materiais. Seus parcos ganhos como professor davam mal para o sustento de sua família. Quando mais precisou foi desamparado pelos Poderes Públicos. Mesmo assim nunca perdeu a sua dignidade e coragem para o trabalho. Jamais abandonara a luta e dedicação ao magistério. Nos últimos anos de vida, com problemas de saúde e já cansado, viveu num mundo de ostracismo, solidão e visível desamparo.
Em meu discurso proferido na década passada, mais precisamente no dia 27 de dezembro de 1999, por ocasião da inauguração da Praça em homenagem póstuma ao meu avô Francisco Rodrigues de Sales, o nosso Chodó, sugeria aos mandatários de Francisco Santos a criação de um Teatro com o nome de Miguel Guarani. Mais uma vez renovo a sugestão a quem de direito. Quem sabe uma escola, uma rua, uma praça, uma biblioteca, enfim. A nossa Academia já fez a sua parte em destinar-lhe uma cadeira como patrono. Agradeço à ALERP por este significativo gesto.
Feliz daquele pai que deixa a herança do saber aos seus herdeiros. Vem-me à lembrança o legado que o maior poeta piauiense Da Costa e Silva (Amarante-PI – 1885 e Rio de Janeiro-RJ -1950) repassou ao seu filho, diplomata e intelectual Alberto da Costa e Silva, membro da Academia Brasileira de Letras, seu ex-presidente no período de 2002/2004.
Até aqui falamos do passado, vamos virar uma página da história sem, no entanto, esquecê-la.
II
Tive a satisfação de tomar posse na Cadeira n. 13 desta Academia de Letras da Região de Picos, cujo patrono é Francisco Lopes dos Santos e seu último ocupante fora o escritor, poeta, cantor e artista Francisco de Moura Barbosa, em memorável noite de 27 de agosto de 2005. Até o momento só tive satisfação pessoal e acolhimento por parte dos meus confrades. É uma nova família, uma grande escola de intelectuais e artistas. Uns mais distantes por motivos relacionados aos seus afazeres, outros mais próximos, companheiros de todas as horas.
A Academia de Letras da Região de Picos – ALERP foi fundada em 22 de outubro de 1989, tendo como instituidores um grupo de intelectuais e admiradores das letras, artes e cultura, residentes em Picos. Tivera como ícones os escritores “teresinenses” Francisco Miguel de Moura e Hardi Filho, num evento que teve como organizadora a professora Rosa de Lima Araújo Lima, eleita sua primeira presidenta, contando ainda com a colaboração de outros mentores da literatura, vários deles eleitos para ocuparem vagas na futura Agremiação, como o nosso atual presidente Francisco das Chagas Sousa, Chaguinha e outros aqui presentes.
Durante essas duas décadas a ALERP passou por dificuldades de toda ordem. Privou-se de uma sede própria por muito tempo, careceu de ajudas financeiras e apoio das iniciativas públicas e privadas, enfim, resistiu ao tempo somente pela dedicação e trabalho de alguns de seus abnegados membros, dos quais, de público, quero parabenizá-los neste momento.
É óbvio que, hoje, a situação é outra. Temos nossa sede, munida de um razoável auditório, recebemos da instituição total apoio quando da produção de trabalhos literários. Por intermédio da ALERP são realizados Seminários, Encontros e Ciclos literários. Em seu prédio tão bem localizado está funcionando uma biblioteca que dispõe de centenas de livros colocados à disposição do público, estudantes ou pesquisadores. Por fim, é notória a divulgação e amadurecimento da arte, cultura e produção literária picoense, que tem amparo da Academia em várias manifestações artísticas e culturais. Devemos reconhecer que a ALERP hoje é uma instituição respeitada e que presta relevantes serviços de utilidade pública e cultural para a comunidade.
III
Ler a biografia de alguém deixa de ser interessante quando repetitiva ou o biografado é por deveras conhecido. Obviamente, agora ocorrerá o segundo caso. Sendo assim, peço minhas escusas pela omissão dos principais dados do vasto e rico curriculum vitae do homenageado nesta noite, fazendo apenas uma síntese da sua vida literária, em consideração aos presentes, mesmo porque certamente o mesmo fará sua breve apresentação. Falar do acadêmico Chico Miguel é reconhecê-lo, sem nenhum favor, como o maior escritor piauiense em atividade. É poeta, contista, romancista, cronista e intelectual dedicado à cultura e à literatura mundial. Acompanho, há muito tempo, a trajetória percorrida pelo escritor, desenvolvida em diversas vertentes da literatura. É um homem das letras. Na verdade, vive e se alimenta das letras. É a sua seiva física e mental. As palavras correm por suas artérias. A maior parte da sua vida dedicou e ainda dedica às atividades de ler e escrever.
Francisco Miguel de Moura nasceu em Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, sendo filho de Miguel Borges de Moura e Josefa Maria de Sousa, nascido aos 16 de junho de 1933. Fez seus estudos primários com seu pai, Mestre Miguel Guarani, antigo ensino ginasial e técnico em contabilidade nesta cidade de Picos - Piauí. Casado com D. Maria Mécia Morais Araújo Moura, tem os seguintes filhos: Franklin, Laudemiro, Francisco Jr., Fritz e Mécia. É formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduado pela Universidade Federal da Bahia. No início da sua vida exerceu diversas atividades profissionais, sendo aposentado do Banco do Brasil, instituição mantenedora das suas necessidades financeiras básicas. No Brasil, infelizmente o escritor não vive dos lucros de suas obras. Noutras vertentes foi radialista, professor de língua portuguesa e literaturas brasileira e portuguesa. Atualmente se dedica exclusivamente a ler, escrever e cuidar dos filhos e netos, em Teresina, cidade que a elegeu como o seu paraíso terreno, no dizer de Manuel Bandeira, a sua Pasárgada querida. Sempre foi cultor da leitura. Desde menino já gostava de ler e de escrever, rabiscando seus primeiros versos, assinados em papel de embrulhar mercadorias. Seu primeiro livro de poemas, "Areias," foi editado tardiamente, em 1966, para quem produziu tantas obras depois. Daí para frente sua produção literária não parou, chegando atualmente a casa de mais de 30 (trinta) obras publicadas. Seus livros já foram traduzidos e editados em várias línguas e muitos são objeto de estudos acadêmicos.
Apesar de primo carnal, nossos pais são irmãos, quis o destino que nos conhecêssemos pessoalmente somente em 29 de dezembro de 1978, em Teresina, ocasião em que recebi de presente o livro "Pedra em Sobressalto". Nessa época, de passagem pela capital piauiense, quebramos as amarras de um distanciamento que não haveria nenhum motivo para acontecer, passando, a partir daí, a conservar uma amizade, cada vez crescente e sólida.
Chico Miguel desenvolve um projeto literário em Teresina de tamanha magnitude que a Academia Piauiense de Letras o tem como o maior operário das letras no Estado do Piauí. Sua produção é muita extensa e diversificada. São escritos livros, crônicas, poesias e artigos literários de toda natureza. Ele não tem hora para escrever. Pode ser até mesmo na madrugada. Sua mais recente obra chama-se "Fortuna Crítica de Francisco Miguel de Moura", resumo de artigos, resenhas, citações e cartas escritas por grandes escritores e críticos literários brasileiros, relativos à sua respeitável obra.
Dias atrás publicou em seu blog um interessante artigo em homenagem ao centenário de falecimento do escritor Euclides da Cunha (Cantagalo-RJ 20.01.1866 – Rio de Janeiro 15.08.1909), autor do épico "Os Sertões". Curiosamente, neste mesmo ano faleceram os ilustres Afonso Pena, ex-presidente da República e Cesare Lombroso, velho conhecido da área jurídica, considerado o maior antropólogo criminal de todos os tempos. Em compensação, nasceram em 1909, há um século atrás, Dom Hélder Câmara, Roberto Burle Marx. Ataulfo Alves, Carmem Miranda e o nosso saudoso Patativa do Assaré. No próximo ano o mundo literário certamente homenageará o centenário de nascimento da nossa imortal Rachel de Queiroz; e nós, aqui na ALERP, comemoraremos os cem anos de nascimento do Mestre Miguel Borges de Moura, patrono da Cadeira n. 29.
Estimado primo e insigne confrade, a partir de agora nossa Academia se sente honrada com o seu ingresso e constante presença neste Sodalício, contando com a sua importante contribuição para a cultura brasileira, fato que só vem engrandecer nossos quadros e elevar cada vez mais o nome da ALERP no cenário nacional. Seja bem vindo e que Deus lhe reserve ainda muitos anos de vida, e que este tempo não seja como diz sua obra de poemas, em co-autoria com Hardi Filho, intitulada “Tempo contra tempo”, para nos oferecer um profícuo e produtivo convívio nesta Casa de Cultura.
Por fim, quero dedicar a todos os presentes lendo uma das obras primas do homenageado, transcrita nos belos versos do poema intitulado: "Não me negues..." – Soneto:
Ai, não me negues teu olhar, senhora,
Não me negues ouvir-te, sei que falas,
Não me negues teu rosto quando calas,
Não me negues o dia, o tempo e a hora.
Não me escondas o vulto que conduzes
Tão bem de frente, de perfil, de costas.
Teu seio arfante, em busca do que gostas,
Faz-me lembrar mamãe, me acende luzes.
Não me negues!... Qualquer gesto me importa.
Sinto o sabor pular da tua língua...
Não me mostres teus lábios como porta,
Dispenso o beijo de que vivo à mingua.
Mas não me negues, flor, teu santo riso
Que abre à minha alma eterno paraíso.
Para finalizar, como membro da família Moura, quero agradecer a presença de todos que abrilhantaram com as suas presenças esta solenidade, em especial a família do homenageado na pessoa de minha amiga Mécia, filhos, noras e netos.
Picos – PI, 04 de setembro de 2009.
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*JOÃO ERISMÁ DE MOURA, funcionário público aposentado (Tribunal de Contas da União), escritor, membro da Academia de Letras da Região de Picos, mora em Brasília-DF
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