quarta-feira, 6 de maio de 2009

QUEM É VOCÊ, MESMO?


Francisco Miguel de Moura*


A matéria publicada na revista “Época”, São Paulo (SP), edição de 13 de novembro de 2006, é jornalisticamente excelente e despertou muito interesse em Teresina, nossa Capital, sinal de que sou bem conhecido como escritor e habitante desta “Cidade Verde” há muitos anos. Mas comete exageros. Entre o que eu disse à repórter e o que saiu em letra de forma há dois pontos que eu gostaria de esclarecer:

1 – Diz (Suzane, a jornalista) que só reconhecia os pais e os irmãos pela voz e pelos trejeitos (além de outras coisas deste jaez) – referindo-se ao que eu havia declarado a ela.


Eu disse que a voz e os trejeitos (tiques) das pessoas com quem tenha tido contatos mais aprofundados – (menos meus pais, filhos e irmãos, é claro) – deixando de encontrá-los durante algum tempo, ou seja, dois, três, cinco anos ou mais, me ajudavam a identificá-los, pois, para a prosopagnose, as feições (o rosto) é muito difícil guardar por muito tempo. 2 – “Ela se tornou minha secretária, me avisa quem está chegando, quem vem em casa” – referindo-se à minha esposa.


Ora, declarei à repórter que há alguns anos fui candidato a deputado estadual e na campanha andava com minha esposa pra me facilitar o reconhecimento das pessoas ao cumprimentá-las. Com 47 anos de casados, me tenho valido de sua ajuda em muitas ocasiões de encontro com quem não consigo reconhecer. Mas não tenho dificuldade de sair sozinho. Faço tudo, reconheço as pessoas do meu quotidiano, sem problemas. O namoro com minha mulher, que tinha sido minha aluna e morávamos perto, começou numa noite de São João, junto à fogueira, com brincadeiras, adivinhações etc. Antes, a gente já se vinha flertando na igreja.


Outra coisa que quero acrescentar, agora, é que eu nunca seria um policial, visto que sou incapaz de reconhecer um criminoso na rua por ter visto sua foto e vice-versa. Mesmo assim, acho que meu caso de prosopagnose é leve. Há outros mais e menos graves. Mas não chegam, em nenhum caso, a serem uma doença. Mesmo que a prosopagnose seja uma doença, não há diagnóstico médico a respeito de como tratá-la. Nem medicamentos específicos a indicar.


Por tudo isto, só tenho que elogiar o trabalho da imprensa a meu respeito, e agradecer, especialmente com relação à divulgação de minha atividade de escritor (sobretudo do meu livro “Antologia – poemas escolhidos pelo autor”, quando completo 40 anos desta atividade), aos jornais do Piauí, de outros Estados e também de Portugal, onde saem meus poemas, artigos, crônicas, contos e ensaios regularmente.


Compreendo agora, mais ainda, por que a atividade de escritor precisa de escoras para aparecer: Machado de Assis surgiu por ser mulato pobre e epilético; Jorge Amado, por ser político e comunista perseguido e exilado para a União Soviética; e Paulo Coelho por ser ter sido letrista de Raul Seixas e principalmente por ser mágico e ter feito chover, segundo suas próprias declarações. Quem sabe se um dia eu me tornarei famoso justo por sofrer de prosopagnosia - este distúrbio da memória tão insignificante mas de nome tão complicado? Ou porque nos lançamentos de livros, de vez em quando pergunto à pessoa que está solicitando o autógrafo: “Quem é você, mesmo?”


Não é pecado levantar hipóteses.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br

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