quarta-feira, 25 de março de 2009

NÓS SOMOS O ABISMO






Francisco
Miguel
de
Moura






O narcisismo se explica pela exacerbação da individualidade no sistema capitalista, praticamente o único caminho para o desenvolvimento da “personalidade”, hoje. Depois da “internete”, nascem os “blogues” – e o blogue é um quintal “online”, não custa dinheiro mantê-lo. Neste sistema, as pequenas peças supostamente literárias flutuam: poesias, crônicas, contos, casos, anedotas, piadas, figuras, desenhos, fotos, vídeos, “eslaides”. Enquanto abunda a quantidade, decresce a qualidade. É verdade que os saites (ou sítios) onde se encontram gratuitamente as grandes obras da literatura são pouco visitados, lidos e copiados. O “internauta” é apressadinho, quer ver coisas e mais coisas, aprender pela variedade, sem tempo para escolher qual o barco de sua salvação.

Nesse pandemônio, cadê os filósofos, os pensadores, os criadores de obras fundamentais como as do passado? Vai daí que as pessoas hoje querem mexer com o Nietzsche. Como filósofo, ele foi um dos grandes críticos do cristianismo moralista. Era agnóstico – característica dos pensadores independentes. Uma frase intrigante é atribuída a Nietzsche: “Não se mire no abismo, ele te engolirá”. Se o pensamento é seu, então sucumbiu ao olhar o monstro que era e que somos todos nós – não como pessoa, mas como ego.

Diz Teresinka Pereira: “Estamos sempre criticando, citando e revisando Nietzsche, aquele filósofo alemão que viveu entre 1844 e 1900 e reconhecia que a razão pela qual o ser humano tem um cérebro repartido em dois, o da esquerda para as percepções da ciência e o da direita para as artes, é para que não se confunda ao ponto de ficar louco.” Ele ficou. Noutras horas é muito cientista, nalgumas passagens é humano, mas de uma humanidade tão estranha que chegou a criar o super-homem e ajudar a construção do nazifascismo. Assim, devemos saber que ele é perigoso, sua leitura não deve ser recomendada indiscriminadamente. Conheci um poeta que leu, o “Assim Falava Zaratustra” e ficou meio “zarolho”, voltou-se para um dogmatismo religioso exacerbado e perdeu o caminho da poesia. É que ele mirou-se demais no seu abismo, na sua imagem, na sua mentira. Quando nos miramos no espelho, vemos o abismo. Não há verdade nenhuma nos espelhos. Saída da tribo, a fera moderna soltou-se em enorme liberdade e solidão. Toda a nossa verdade está nas artes, nossa felicidade. Infelizmente, nem todos tem esse dom de guiar-se por elas e para elas. O homem é o animal que faz, não o animal que pensa. Sabem por quê? Quando se faz, ao mesmo tempo se pensa – e aí está o melhor do homem. O resto é o monstro.

Do pouco que li de Nietzsche e sobre ele, ficaram-me estas impressões.

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Francisco Miguel de Moura, Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.

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