quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

5 POEMAS CLÁSSICOS


Anacreonte*
Poeta clássico grego

1.

POTRANCA TRÁCIA

Potranca trácia, por que me fitas com esses olhos dúbios
e sem piedade foges? Julgas-me inútil em tudo?
Nota bem, se eu te impuser o freio,
e empunhar as rédeas, contornarei contigo a meta da corrida.
Mas agora pastas no prado, saltas e, segura, zombas de mim,
pois te falta destro cavaleiro que te monte.

Trad. de Donaldo Shüler

NOTA DO TRADUTOR: Dúbio não é só o olhar da potranca, dúbios mostram-se também os versos do princípio ao fim. Anacreonte fala simultaneamente da potranca e da mulher, ou melhor, fala da mulher através da metáfora da potranca. Pois o freio e cavalgar têm sentido erótico...”)

2.

JEITO DE MOÇA

Menino com jeito de moça,
eu te quero e tu não o percebes.
Não sabes que tens as rédeas
de minha alma nas tuas mãos?

Trad. de Donaldo Shüler


3.

CANTO BÁQUICO

Sempre que bebo o alegre vinho,
logo, de coração contente,
eu vou as Musas celebrar.

Sempre que bebo o alegre vinho,
lanço os cuidados e o prudente
conselho inquieto, dos que o entoam,
ao léu dos ventos que ressoam
como os barulhos lá do mar...

sempre que bebo o alegre vinho,
Baco (do mal quem livra a vida),
em vernal brisa reflorida,
como me eleva e agita o ar...

Sempre que bebo o alegre vinho,
flórea coroa – que se teça
aos deuses – ponho na cabeça
e canto a vida sã feliz!

Sempre que bebo o alegre vinho,
e aromoas suaves em mim chovem,
seguro ao corpo de uma jovem,
celebro a Cípria – que assim quis...

Sempre que bebo o alegre vinho,
bem a meu gosto, em taça grande,
simples, minha alma, enfim se expande
nos coros jovens, com prazer.

Sempre que bebo o alegre vinho,
tenho o meu ganho na partida:
tudo o que levo desta vida
– pois todos temos de morrer!

(Trad. de Almeida Cousin)

4.

A COMPANHEIRA

Pinta-a, pois, pintor perito,
pinta-a, perito pintor,
dominando a arte de Rodes,
a ausente, como a vou propor.
Pinta-a assim a minha hetaíra:
cabelos negros, undosos,
separados e – se as tintas
permitirem – olorosos.
Sob esses cabelos negros
pinta a face e a ebúrnea fronte.
O espaço entre os supercílios,
nem separes nem confundas.
Faz-lhe como olheiras fundas
no franzir dos negros cílios
e no olhar um fogo aponte
glauco – qual no olhar de Atena –
e úmido – o de Citeréia...
pintando a face serena,
junta leite e rosas, eia!
Lábios, sejam persuasivos,
mas atraiam para o beijo;
seja o mento delicado;
seja o colo branco e róseo.
Em torno à nuca flexível,
deixa-lhe como um adejo
de suaves Graças revoar.
Por último, ao corpo, cose-o
num grande manto de púrpura
em que dês à carne ensejo
de alguns encantos mostrar...
Acabado! A amiga vejo.
A pintura vai falar!

(Trad. de Almeida Cousin)


5.

SOBRE AS MULHERES


Aos touros natureza
deu cornos; aos cavalos
deu cascos; ligeireza
de pés à lebre; ao leão
a caverna de dentes;
aos peixes, natação;
às aves, o abrir asas:
prudência aos homens.
(Não sobrou para as mulheres.)
Que dar-lhes, natureza?
Beleza – contra tudo –
que enfrenta lança e escudo
e vence ferro e fogo,
enquanto for beleza!

(Trad. de Almeida Cousin)

*ANACREONTE - Dados Biográficos

Poeta grego (570-490 a.C.) muito falado e pouco lido, além de imitado, viveu como áulico em Atenas, compondo e recitando cantos líricos, elegias e odes. É considerado renovador de recursos líricos, naquela fase da Literatura Grega, conhecida como alexandrina e decadente. Aliás, o termo anacreôntico aquiriu certo conceito de imitação como também de poema do amor e ou do vinho. Ganhou estátua na Acrópole, aquela parte da cidade mais alta e onde representações os deuses e grandes artistas. De seus cinco livros, restaram apenas fragmentos. Sua marca é a expressão lírica vigorosa e geralmente destituída de artifícios outros; assim, direta, crua. Mesmo assim, em seus poemas ou aos a ele atribuídos a presença duma leveza de expressão e sentimento, que, mesmo perdendo a musicalidade e refinamento do Grego antigo, é possível e passível de degustação estética. Entendidos o aproximam de Alceu (600 a. C.) e de Safo, também daquela data. Teria influenciado poetas de diferentes tempos e culturas, como Pierre Ronsard, Omar Khayan, Leopardi, entre outros. Para Almeida Cousin, um de seus principais tradutores brasileiros, as odes de Anacreonte não são mais que uma atitude do espírito grego. “Certamente, as Odes Anacreônticas que conhecemos não pertencem a um autor exclusivo, porém a vários, e têm características, não as dos tempos severos e religiosos que antecederam às Guerras Pérsicas, porém as daqueles em que se diluía a Grécia, misturando-se com o Oriente, na expansão e desmembramento do Império de Alexandre. São, pois, na sua maioria ou quase totalidade, obra de imitadores joviais e discípulos graciosos, que viveram até cerca de três séculos, senão mais, depois da morte do Poeta a quem são atribuídas.” (2)
A tradução de Almeida Cousin é considerada a primeira publicação, no Brasil, em Grego e Português, das odes de Anacreonte. Por sua vez, o Professor Donald Schüler, da Universidade do Rio Grande do Sul, de quem transcrevemos duas odes, observa que “Uma falsa poesia anacreôntica e preservada até nossos dias, desfigurou o Anacreonte verdadeiro...” (1)

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PASCHOAL MOTTA, autor dos dados biográficos acima, mora em Belo Horizonte – Matéria enviada por e-mail, em dez/08.
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1) in Literatura Grega, Donaldo Schüler, Mercado Aberto, Porto Alegre, 1985).

2) in Odes de Anacreonte e suas Traduções, por Almeida Cousin, 4ª. edição, Achiamé, Rio, 1981).

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