domingo, 21 de setembro de 2008

POLICHINELO, O QUE É ISTO?


Francisco Miguel de Moura – Escritor, Membro da APL


Se o passado não ficasse em nossa memória nunca deixaríamos de ser crianças. Mas, deixamos. Somos adultos. Comparamos as coisas, as pessoas, o tempo, o pensamento, as histórias, os sentimentos bons e os desprazeres. Nossa memória não pode guardar tudo, é seletiva. O que não imaginamos é como essa seleção se processa em nosso cérebro.

No meu tempo de criança, aprendia-se o ABC, o BEABÁ, a carta de NOMES e a TABUADA. Depois passávamos a ler e escrever cartas propriamente ditas. Só depois disto, o livro de leitura. Cartilhas e livros eram raros. Feitos em São Paulo ou no Rio, vinham de lá como os sulistas queriam.

Da carta de nomes me ficou uma palavra que eu achava engraçada, justo por não saber o significado: POLICHINELO. Que queria dizer? Nunca perguntei. O professor talvez não soubesse. E não havia dicionário.
Hoje, que a lembrança do nome me volta, eu o busquei no Aurélio e encontrei o seguinte registro: “Personagem da comédia italiana, cujas origens remontam ao teatro latino, e que alcança maior desenvolvimento na commedia dell’ arte, caracterizada pelo nariz longo, corcunda, barriga grande, barrete e roupas multicoloridas e pela fala tremida e esganiçada”. Finalmente, Aurélio acrescenta que significa também “homem apalhaçado, bobo, pessoa sem dignidade”.

Mas as lembranças quando vêm são sempre provocadas por algo que nos impressionou, ou seja, se ligam a uma forma de emoção. Agora, diante da leitura do romance “Ciranda de Pedra”, de Lygia Fagundes Telles, pela primeira vez encontro a palavra polichinelo num texto literário. A passagem é a seguinte: “Afonso sacudia frouxamente um polichinelo que Berenice esquecera no chão. (...) Uma vez ou outra não resistia e lançava a Rogério um olhar delicado. E ria, apontando com o polichinelo na direção de Bruna, ‘veja, minha deusa, veja aí seu amor’...”

O romance é da década de 50, do século que passou, quando São Paulo já era São Paulo, o Sul já era o Sul, mais desenvolvido que o Nordeste. De lá vinha tudo para nosso consumo. Depois do mestre Paulo Freire é que a educação começou realmente a desenvolver-se no Nordeste. Hoje, já se usam, nas escolas, palavras e discursos contextualizados. Leva-se muito em conta o dia-a-dia do educando e do educador. Mas os atrasos industrial, comercial, cultural continuam. Onde encontrar livros que ensinem às crianças do curso fundamental as coisas da região, feitas por autores da região, editados por editoras da região?

Conclusão: – Polichinelo, o que é mesmo? Somos nós, porque nos adaptamos, sem reclamação, a todas as circunstâncias impostas de cima, tanto pelo clima e pela política, quanto pela cultura concentradora do neoliberalismo.

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