sábado, 2 de fevereiro de 2008

TERNURA: UMA VIAGEM INESQUECÍVEL


Herculano Moraes*


Depois de Castro Aguiar (“Adolescentes de Rua” / “Caminhos da Perdição”), pouquíssimas foram as incursões de nossos escritores no plano da literatura infanto-juvenil. Além de Assis Brasil e Esdras do Nascimento, o primeiro com as inquietações juvenis de “A Volta do Herói”, e o outro, com as traduções de clássicos do gênero, poucas referências podem ser obtidas na área. A professora Cecília Mendes, revelando essa preocupação, montou uma casa em que dá destaque à produção literária infantil, mas é no teatro que o projeto se fundamenta, notadamente na força comunicativa dos divertidos fantoches. Outros nomes podem ainda ser lembrados: Socorro e Zízima Magalhães, Johnson, Cineas Santos, Ary Lessa.

Francisco Miguel de Moura é um poeta nacionalmente conhecido por sua poesia futurista e pelo racional predomínio da memória em suas criações. Mas a partir da análise de “Rio Subterrâneo” (O. G. Rego de Carvalho), em que a linguagem e o fio psicológico da narrativa revelaram esta faceta singular do escritor, o nome de Chico Miguel tem sido obrigatoriamente vinculado à crítica, enriquecendo um gênero tão necessitado de bons produtores. Mas não é do crítico, nem do poeta, esta análise. É do escritor ecumênico, que agora inclina sua varinha de condão para o universo lúdico da literatura infantil, contido em “Ternura” (Editora Gráfica da FUFPI, 1993).

Esta é, sem dúvida, a mais emocionante viagem realizada por um escritor piauiense no universo do comportamento adolescente. Chico Miguel dá um mergulho na profundidade da trajetória do pensamento infantil, nas fantasias e sonhos, na estrutura dinâmica do indivíduo em construção. Quem conhece a poesia crua, realista, determinada de “Areias”, “Pedra em Sobressalto”, “Universo das Águas”, e a frieza pétrea de “Os Estigmas”, há de estranhar a “linguagem do aconchego” traduzida, não apenas na narrativa, mas nos diálogos dos personagens. Aqui o ensaísta do comportamento e o filósofo se revelam, um, a buscar caminhos que libertem o adolescente Pedro, o branco, de suas inquietantes aflições; e o outro (o filósofo), a projetar a consciência adulta de quem nunca deixou de ser criança. O raciocínio, portanto, funda-se na dualidade de quem, tentando narrar uma história, dela participa, como testemunha e parte de uma viagem inesquecível.

Vale destacar também a lucidez das impressões de orelha assinadas por Humberto Guimarães, que consegue captar, com raro senso crítico, a fundamental essência da narrativa, notadamente quando demonstra a singularidade da obra descaracterizada das fibras herméticas, dos artifícios e dos mistérios que constituem a ossatura tradicional do romance brasileiro. Os dois Pedros – o branco e o da Lata – traduzem universos infantis distintos, mas que se fundem na mesma busca, que é, como afirma Guimarães, a “fibra da vida adulta definida como destino de ser no mundo”.
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*Herculano Moraes é poeta, cronista e romancista, crítico literário de peso, autor de “Visão Histórica da Literatura do Piauí”. Membro da Academia Piauiense de Letras.

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