terça-feira, 22 de janeiro de 2008

DOIS ANOS DEPOIS

João Erismá de Moura*.

Hoje, vinte e um de abril de 2005. Dois anos depois...
Quantas coisas mudaram em nossas vidas. A alegria então reinante em nosso lar desapareceu num passe de mágica. A felicidade tão presente já não nos acompanha em sua plenitude. Há um vazio impreenchível em nossos corações. Uma saudade constante, e ao mesmo tempo crescente, de momentos passados. As recordações não param de nos tocar. Não nos deixam em paz.
Nesse período de sofrimento e de grande dor quantas reflexões foram realizadas. Quantas perguntas foram formuladas a nós mesmos sem obtermos respostas a nenhuma delas. Tudo parece conspirar num silêncio profundo e duradouro. Ninguém tem resposta para essas indagações.
Na verdade, um pouco de nós foi sepultado naquela tarde-noite de 22 de abril daquele ano. Perdemos noção do tempo, do espaço, do presente e futuro. Perdemos um pouco de nós. Uma parte de nossas vidas foi enterrada juntamente com nossa filha naquele trágico momento. Ali sepultamos muitas esperanças e sonhos não realizados.
Na nossa concepção alteramos conceitos até então consagrados. O que vem a ser a vida? E a morte? Qual o sentido da vida? Será que a ausência de um ente querido modificaria tanto os nossos atos e anseios? O que fazer quando não conseguimos conceber a separação de uma pessoa tão querida, de maneira tão brusca? Qual o merecimento que temos para suportarmos tamanha dor? E ela, nosso ANJO, porque merecia partir tão cedo? Qual será o seu caminho e como ela estará neste momento? Haverá vida após a morte?
No decorrer destes últimos dois anos passamos por uma provação muito forte. Fomos submetidos a testes de paciência, resignação e conformidade. As nossas ações parecem que não têm mais sentido. Em toda atitude tomada sentimos um vazio e desestímulo para realizá-la. As alegrias surgem pela metade. As tristezas também perdem um pouco dos seus sentidos. Parece até que nossa vida não nos trás nenhuma novidade. Tudo em nossa volta se apresenta triste e incompleto. Até mesmo o nosso sorriso se transformou em apreensão. Ele se torna mais discreto e triste. Nossos pensamentos são muitas vezes interrompidos para que não efetuemos nosso choro na presença das pessoas. Observamos o respeito do nosso semelhante com relação à omissão sobre comentar a respeito do drama vivido é muito grande. Às vezes, nós é que temos de iniciar o assunto, dando, assim, liberdade para comentá-lo. Relembrá-lo é um exercício de padecimento e tristeza. É mexer numa ferida aberta em chagas. É ter de volta um filme de horror latente em nossas mentes.
Existiram alguns pontos positivos. A solidariedade dos familiares e amigos. A união da família, a descoberta da dor estampada nos rostos dos mais próximos. O estranho que se tornou amigo, o amigo que se tornou estranho. O medo de ferir sensibilidades. O medo de tocar em feridas abertas e dilaceradas. O apoio e o consolo nas horas mais tristes. O esquecimento ou a covardia de se esconder do problema. Encontramos pessoas de toda natureza. Coloquei a minha imaginação como instrumento eficaz para enfrentar problemas. Usei muito do meu poder de empatia e psicologia para penetrar na mente e nos corações das pessoas. Rezei e rezo muito, penso a todo instante na nossa filha. A sua ausência nos traz um vazio imenso, uma saudade maior ainda. As coisas ficaram incompletas, sem beleza, sem sentido.
Sofri e sofro muito. Na maioria das vezes calado, recolhendo-me nos meus pensamentos íntimos. Minhas lágrimas sempre foram companheiras dos meus momentos melancólicos. Mudei minha concepção de vida. O restante dos meus dias deverão ser vivido da melhor maneira possível. A morte não me causa tanto pavor. O desejo de estar perto da Caroline é permanente. A certeza absoluta de que a nossa passagem aqui na terra é transitória e imprevisível. A igualdade entre os seres humanos é mais visível. Cada um de nós tem sempre algo importante para oferecer. A minha dor é a mesma de milhões de pessoas conhecidas e bem próximas de nós, embora cada uma tenha uma maneira peculiar de suportar o sofrimento.
O falecimento da nossa filha deixou duas grandes interrogações. Uma, a mais importante é questionar sobre o seu novo mundo, as novas atribuições assumidas, sua nova vida noutra dimensão, compreender, enfim a sua partida, sua recente e novel morada. A outra, impregnada de sonhos, é almejar um dia feliz de encontrá-la e dar prosseguimento às nossas vidas, juntos e unidos.
Não recebi nenhuma resposta sobre essas questões. A fé inabalável em Deus nos faz crer que ela está bem, num mundo menos doloroso, após cumprir com excelente desempenho, a sua breve missão aqui na terra. Não tem sentido uma existência apenas materialista e mundana. Acredito que cada um de nós tem o seu tempo de existência terrena e quando determinado pelo Criador retornará ao seu Reino onde desempenhará novas e importantes missões.
Não teria sentido uma vida terrena tão insignificante e transitória. Creio estarmos aqui de passagem em busca do crescimento espiritual, aguardando a hora de retornamos ao Pai, onde seremos acolhidos junto a todos os nossos entes queridos e num banquete celestial, comemoraremos a nossa Vitória.
______________________
*Cronista e memorialista, funcionário público aposentado. Crônica escrita em
Brasília, a 21.04.2005.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...