A ALMA (DES)ENCANTADORA DAS RUAS
Francisco Miguel de Moura, escritor,
membro da Academia Piauiense de Letras
Outrora as cidades tinham uma alma de
encanto e beleza. As ruas, também. O escritor carioca, João do Rio, pseudônimo
de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), autor de “A
ALMA ENCANTADORA DAS RUAS”, editado em 1908, abre sua primeira crônica assim:
“Eu amo a
rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se
não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e
assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos
parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque
soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une,
nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e
indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas.”.
Na “belle époque”, a obra causou “frisson”. Se
fosse reeditada por alguém de juízo (e como as cidades estão necessitadas!), a repercussão
seria enorme pelo contraste do passado com o presente. Ou seja, a modernidade
matou a alma das cidades, avenidas, passeios, ruas, praças, serestas, cafés e
clubes. E ainda há quem se arrisque a sair à rua de pé, para sofrer os
encontrões, as pisadelas, os atropelamentos. Por quê? Em busca de ar... O de
hoje é um inferno, poluidíssimo, sim, adoece, cega e mata.
Não se trata apenas pelo barulho de carros, motos,
bicicletas e até animais, poluidores dos olhos, dos ouvidos, do pulmão. As
calçadas (no sul chamam de “passeios”), travessas e ruas estão ficando mais
atopetadas de camelôs e suas pobres mercadorias – coitados! Precisam ganhar o pão
de cada da dia. Repletas de carros
estacionados por cima, sem polícia, nem guardas de trânsito; ladrões andando à
solta, até com roupas de policiais, desde assaltantes de velhinhas e
aposentados do INPS até moças, mulheres, carros e distribuidores de droga. É o
feitiço caindo contra o feiticeiro. São mais do que perigosos, com a arma em
punho, que entram nas casas de residência, de comércio, nos bancos e causam os
maiores perigos ao cidadão.
Aos desordeiros, os direitos
humanos; aos demais cidadão, o governo (impostos) e as leis. Aos desordeiros
dão-lhes advogados de graça, bolsa-família para suas famílias, filhos e mulher
(ou mulheres), pelas quais uma parte dessa gratidão do voto do governo
populistas é passada ao presidiário, para matar outros presidiários, fazerem
rebeliões e criarem forma de fugir. E de novo vão pra rua. Mas os justos, os éticos
e moralmente irrepreensíveis, os que apenas trabalham e pagam imposto são
desprezados, maltratados, roubados, mortos.
Ao lado da destruição do patrimônio
histórico e paisagístico, empresários gananciosos derrubam tudo, da noite para
o dia, para o soerguimento de prédios enormes de pequenos apartamentos onde
cada vizinho é capaz, e assim age, de fazer tanta zoeira que, não sei não...
Muita gente está mudando das grandes cidades paras as
menores. É a fuga desses males do que se teima em chamar de modernidade. Isto é
destruição, descaracterização, desonra, desmemória, desumanidade. Quem dera
ainda se pudesse sentar nas calçadas, formando a rodinha de vizinhos e amigos para
o jogo inocente ou a conversa e o cafezinho, à luz da lua ou mesmo da
eletricidade, e desfrutar a noite como deve ser desfrutada: – na calma, para um
sono tranqüilo! E não nos inferninhos, com luzes piscando por todas as frestas
dos olhos e do cérebro com a ajuda de drogas legais e ilegais, com o demoníaco
barulho do que dizem ser música. Quem pode amar tanto desmantelo? E ainda a
amamos. Por que a rua é sinal de liberdade, onde todos são iguais, solidários.
Nela nasce a força da palavra contra os poderosos. Estão sepultando “a encantadora alma das ruas”
da bela imagem de João do Rio. Morreram os seresteiros, a moças das janelas,
não se ouvem mais os simples servidores e pregoeiros do pão e do leite. Que
faremos, meu Deus, para re-humanizar as cidades e, por conseqüência, os homens?
Se o cronista fosse escrever agora sobre as ruas e avenidas, jardins, passeios
e praças, teria que escolher outro nome para seu livro. Creio que não seria
mais nem menos que “A ALMA DESENCANTADORA DAS RUAS”, numa paráfrase ou paródia
do livro do grande cronista João do Rio.
Alguém seria capaz de dizer mesmo como é alma das
ruas, das cidades, dos bairros de nossa incivilizada civilização?
Um comentário:
Realmente bateu a saudade da minha terra Natal dos anos 50 60 e 70 da Velha Picos de outrora
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