CARTA DA ROMANCISTA
REJANE MACHADO
Rio de
Janeiro (RJ), 1º de junho de 2006.
Caro
Chico Miguel:
Da
tua carta nós já falamos. Recebi o livro “Concursos Literários do Piauí”,
Teresina, Fundação Cultural do Piauí, 2005. Pobre Piauí! Merecia uma melhor
sorte! Uma terra tão prolífica de bons escritores, patrocinar uma tal
maracutaia! Terá sido por proteção ao Sérgio Idelano Matos ou por incapacidade
do júri, burrice mesmo, ou pinima contigo? Francamente, é o fim do mundo. Como
faço sempre, comecei a ler do princípio, embora a tentação de ir direto ao 2º
lugar (?) e conhecer e conhecer a mais nova produção do meu querido amigo. Mas,
como sei, de antemão que você é useiro e realizar obras primas, quis me
certificar do fenômeno que seria o trabalho que te superou, puxa vida! Uma primeira constatação; 79 páginas não
fazem um romance. No máximo um conto ou uma novela. “A Cidade e as Serras”,
aquela maravilha maravilhosa do Eça de Queiroz é considerada um conto. Por quê?
Pelo desenvolvimento linear, pela temática, etc. E, no entanto, poderia (eu,
pelo menos, considero) ser considerado um romance. Porque tem uma trama: as venturas e
desventuras do Jacinto de Thormes,
narradas pelo Zé Fernandes; tradicionalmente tem princípio, meio e fim (resquícios
da época romântica) e alentadas 305
páginas, entre outros babados que não me convém considerar agora, porque isto é
uma carta a um amigo injustiçado e não uma crítica literária. Se bem que não se
possa muito fugir ao tema.
O tal
“Socó dos Morros” é no máximo uma crônica. Nem conto é. E muito mal
escrita, mal formulada, de um mau gosto epidérmico (só de segurar o livro já
desinfetei as mãos 20 vezes). É apenas o registro de uma viagem a um lugar, com
uma finalidade não muito clara, e que não é de nenhum modo conseguida ou
alcançada. Porque o pessoal do lugarejo tanto? Não se explica. Certamente que
em literatura não se tem a obrigação de explicar nada, mas uma certa verossimilhança
e coerência se pede, afinal, pombas! Não há fisionomia intelectual de nenhum
personagem, nenhum símbolo ou emblema, linguagem e temas são chulos, enfim, uma
falácia, uma vigarice do “escritor”, além de uma cegueira da “comichão”
julgadora, se é que houve uma comissão julgadora e não um júri do programa do
Faustão, e se são alfabetizados ambos, comissão e autor desta miséria. E ainda
me colocam o nome de literatura neste equívoco... Papagaio! Literatura é outra coisa. Depois eu
vou te dizer o que é. O que se percebe às primeiras linhas do trabalho que recebeu
o 2º lugar: A linguagem literária – esta sim, literária! – a simbologia, os
jogos verbais, o estilo, o desafio ao leitor... Enfim, vais receber
oportunamente, quando minha cabeça estiver despoluída desta raça toda, um
estudo cuidadoso daquilo que não me surpreendeu, embora só tenha começado (as 5
primeiras páginas), o que é suficiente para constatar que se está diante de uma
obra literária, esta, sim!
Enquanto
que o tal do “Socó...” – e aqui me acode uma similaridade: José Sarney, no seu
primeiro livro, em cujo título esqueceu de colocar acento em Guajás e ficou sendo
Guajas – o que é isso? – “Brejas dos Guajas”, título também nada atraente,
tanto quanto “Socó dos Morros”, regionalismos infelizes; esse significante em
seguida, algo que pretendia ser poesia, “Maribondos de Fogo”, que assusta o
leitor pelo perigo das picadas de uma coisa antipoética por excelência. Qual a
imagem que nos acode ao identificar este significante tão horroroso – um inseto
tão agressivo, perigoso, puxa vida! – ligando-o à sublime arte da poesia?! Um
gaiato resolveu entrar no clima “sarneyano* lançando “Tanajuras em Brasa”.
Felizmente ninguém mais resolveu pegar o pião na unha e a coisa ficou por aí.
Agora vem um indivíduo trazer à luz seu “Socó dos Morros” e sendo premiado por
isso! Papagaio!
Retomando
a tal historinha de uma tese revela um material paupérrimo e um resultado pior
ainda. O moço escreve uma redação que a sua proposta primeira aprovaria. Só e
mais nada. Como Sarney, tudo certinho, descambando para uma leve descontração,
procurando usar um estilo forçado, oralizante e inadequado. O uso de palavras
chulas e cenas escabrosas não sai do terra-a-terra. Falta de leitura, falta de
estudo, vê-se. Alguém lhe disse que escreve bem e ele acreditou. A narrativa é
monótona, quadrada, óbvia, sem criatividade, sem elemento algum que identifique
uma obra de literatura, senão um caso, ou melhor, um “causo”. Mal contado,
diga-se. Eivado de erros crassos, a conferir desde a 1ª página, o mau o pronome
oblíquo, “os outros dois lhe chamavam” – coisa que se vai repetir
à exaustão: na pág. 22: “ele lhe levará lá”; oralidade regional,
impensável na língua escrita: à pág. 31,
o padre diz que: “Deus não existe, mas na mesma frase fala “da mais
bela criação de Deus, a mulher” (!) Coerência? Verossimilhança? Onde? Pág. 34: agradeceram o delegado todas
as informações”; pág, 36: substituía as palavras complicadas, as
quais, na grande maioria das vezes não conhecia o significado; pág. 38:
“ao passo em que dava sua escarrada”; pág. 40: “Severino pediu para
que o proprietário”; pág. 41: “sobre o que versa os seus
livros” e “descobri um lugar em que não haviam cigarras”;
pág. 48: esta é de lascar: “Nunca tinham desde que chegaram, divertido-se
tanto (oh!!!); pág. 57. Idem, idem, de lascar: “tendo os dois amigos fuzilado-o
com o olhar” (olhar desgraçado, hem?); pág. 64: “eu lhe levarei
lá”; pág. 69: “menos Rodolfo, que foi banhar” (o que é
isto?); pág. 73: “Após o jantar, o prefeito convidou-lhes para”; pág.74:
“Não tínhamos intenção de lhe embriagar” e “a patroa disse que
eu lhe vomitei (safa!); pág. 77: “Percebi isso assim que lhe
vi”; pág. 91: “Separou de sua mulher” – etc. etc.
Isto, a grosso modo, sem
especular muito a miúdo, porque a tal historinha é realmente indigesta. E a
minha indignação crescia por pensar que, apesar de eu ser uma pessoa que tenho
muito boa vontade e e “um saco de papai Noel”, de ser pessoa muito paciente e
compreensiva e gostar muito de ajudar ao próximo, de ter muito respeito para
com todos os seres da criação, tem coisas que não dá pra aceitar.
Aliás,
a partir da epígrafe (do Paulo Coelho), eu já fiquei de pé atrás. A leitura do
currículo me surpreendeu: tantos livros publicados? O papel aceita tudo – é o
que ouço sempre dizer, e aqui está a demonstração. O tal conto que ele vai
incluir na AG edições é a demonstração cabal da falta escrúpulos do Arnaldo
Girão. Este cidadão enriquece com um pseudo
concurso internacional e publica antologias muito bonitinhas e bem
cuidadas, porém sem nenhum critério de seleção e qualidade. Eu caí neste conto.
Mandei para você o “Emoções”, em esperdicei um bom trabalho em meio a péssimas
produções, eivadas de erros crassíssimos.
Bem,
chega de abobrinhas. Gastei o tempo e as mãos falando de coisas que não
interessam e deixei de falar de nós, que é muito melhor.
Estou
escrevendo, o tempo tem estado gostoso.
Calor agora só lá para dezembro/janeiro. Faço ensaios e revejo alguns
contos. Publicar parece que não é tão importante. Pelo menos, eu não tenho recursos
para bancar, concursos são essa coisa que preteriu o teu trabalho em favor de
uma porcaria sem classificação. Mas tudo bem. Cada povo tem o governo que
merece. Quem é o Ministro da Cultura? O governador do Rio nomeou um sambista chamado
Noca da Portela com Secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Qual a
condição que o ilustre bom crioulo tem de conversar com escritores, músicos,
bons maestros, poetas, repórteres, instituições respeitáveis para realizara eventos
que não sejam sambas, batucadas? É isso aí. É copa, é hexa, quero ver se alguém
a Seleção... Vai ser o fim.
Um
abraço, beijos para Mécia e Mecinha os demais.
REJANE
MACHADO
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Observação
escrita ao pé dos meus arquivos: “Carta publicada no site “Usina da Letras”, na
época. Mas, a pedido da Autora, cancelei
a edição. Agora, que ela já faleceu e, com certeza, está no Céu. Eu publico
esta carta para testemunho da História. (FMM)
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