RASTROS
Romanilta Rocha*
A
retomada dos dias da minha infância para melhor situar minha história de
leitura proporcionou-me a evocação de
momentos que se traduziam em perfeitos encontros com o que costumamos denominar
“leitura de mundo”. Contudo, à luz da minha “ignorância infantil” não podia
vislumbrar quão importantes far-se-iam,
posteriormente, aqueles instantes para minha formação intelectual , também,
humana.
E
quais foram esses referenciais? Quem ou o que ancorou minhas indagações ante à
compreensão do universo ao meu redor?
Tenho
como respostas a estes questionamentos tênues lembranças ou fragmentos de
algumas afetivas memórias que ainda teimam em brincar nos meus pensamentos.
No
entanto, queria antes registrar que, quando passei a entender, de fato, a minha família, percebi que já não dispunha
de avós, restava-me apenas o avô paterno e as escassas lembranças do pouco
tempo entre a minha chegada e a partida
dele, portanto não tive o privilégio de ir à casa dos meus avós. Todavia, como sempre tive predileção por estar
entre pessoas com maior experiência de vida, sempre que podia estava visitando
os tios, tias, parentes ou mesmo pessoas com as quais tivesse afinidade, tanto
na minha São Julião, quanto nas suas adjacências.
Desta
forma, a primeira destas memórias me
ocorre na revisitação de humildes e
diversas casas encravadas num destes lugarejos quaisquer da minha terra
natal. Por ocasião de uma farinhada ou
“de um dia de ano”, mesmo “de um fim de semana num interior’.
Embora nestas casas não se dispusesse de
preciosos livros, dispunham , ao meu prisma, da sapiência materializada nas
pessoas que nelas habitavam, que numa
rica tradição oral contavam e recontavam “causos”, “estórias de trancoso”, numa
linguagem quase mágica, para mim, uma vez que se traduzia num falar fácil,
cadente e gostoso de se apreciar, capaz de, ainda hoje, ecoar no íntimo do meu
ser , trazendo à tona as gratificantes sensações da meninice. E vale dizer que
as estórias de “Mouras Tortas, “Caiporas” ou de “Casas mal-assombradas” não
estavam contidas em belas coleções de
“Era uma vez”, elas nasciam ou eram extraídas das memórias daqueles entes tão caros,
por isso se faziam revestidas de tanto significado e encantamento.
Estas
narrativass tinham, para mim, um valor ímpar: acalmavam os meus temores diante
da miopia que tomava os meus olhos em relação ao mundo que me cercava, pois brotavam
da vontade daquelas pessoas de apaziguarem os próprios temores ou das suas
tentativas de compreenderem o mundo
também. Com estas histórias, eu aprendia que mesmo sem a mágica da palavra
escrita, a gente assimila e repassa conhecimento, por gerações e gerações.
Um
segundo momento que sedimentou minha história de leitura foi quando lá pela 4ª série
do Fundamental tive a dádiva de ter como Mestra uma senhora de nome pomposo, D.
Francisca Isaura, mas que todos conhecíamos como “D. Pilaia”.
E
que sorte tê-la como professora! Ainda
que à primeira vista ela parecesse encarnar o estereótipo de professora
tradicional, não era o que ocorria, longe disto, dentro de todas as limitações,
às vezes quase intransponíveis, a querida D.Pilaia, que ainda hoje me enche de
alegria e de júbilo sempre que a encontro,
disseminou em mim o gosto pela leitura.
As pecinhas teatrais (ainda tenho amigos que me chamam de Angélica, uma
personagem da Lygia Bojunga que corajosamente representei à época) os jograis,
as poesias do Vinicius, da Cecilia (a inesquecível Canção da tarde no campo) ou
do Bandeira (...”café com pão, café com pão, café com pão, Virge Maria que foi
isto maquinista?”) ou ainda o respeito para conosco, seus alunos, são fatores
que até hoje consigo rememorar.
O
terceiro instante que muito contribuiu para dar forma à concepção de leitura
que disponho, deu-se a partir de duas figuras masculinas relevantes para minha
vida: o meu amado pai, João Aderson, de
quem ganhei um tesouro em forma de
livro, uma singela edição bíblica, que a
despeito de qualquer fé professada ,
sempre foi e continua sendo capaz de me
direcionar ao Criador, em todas as circunstâncias. A outra pessoa, Edilson Rocha, um primo querido, (que me chamava e ainda me
chama de “Miram”), um dos seres de alma mais nobre que conheço,
foi dele que, no início da adolescência,
ganhei um exemplar do clássico “Pequeno
Príncipe, de Exupéry, cuja significação contribuiu para o meu ingresso no
fantástico mundo das palavras. Também , por intermédio deste primo querido,
ainda na adolescência sorvia com sofreguidão clássicos e mais clássicos da
literatura nacional e internacional: Jorge Amado, Machado de Assis, Graciliano
Ramos, Gabriel Garcia Marquez, Pablo Neruda dentre outros muitos grandes escritores chegaram até mim
pelas mãos deste estimado primo. Outras leituras provenientes desta mesma fonte,
(a biblioteca do Edilson) , mas em tempos diferentes: Os Irmãos Karazamov, Dom
Quixote, As brumas de Avalon, Olga,
Brasil
Nunca Mais, A Ilha, O diário de Anne Frank,só para citar apenas alguns, foram
outros tesouros literários que muito contribuíram para minha formação, em todos
os aspectos.
Logo,
a afinidade pela leitura fez nascer em mim a paixão pelo escrever, acho que,
talvez, pela inabilidade em demonstrar o que sentia através fala, acreditei,
assim, que podia tecer, mediante o meu pobre dicionário, as minhas impressões
sobre o mundo que me cerca, ainda que de maneira modesta.
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