sexta-feira, 16 de maio de 2014

NILTO MACIEL - GRANDE ESCRITOR BRASILEIRO

 
Francisco Miguel de Moura –  Escritor
(Academia Piauiense de Letras)



Olhando-se a biografia de um grande escritor, o que encontramos? Muito e pouco. Muito de bibliografia, seja de obras publicadas dele ou dos outros, seja de prêmios recebidos, seja de participações em obras coletivas. Pouco de feitos políticos ou administrativos fora da área. Assim aconteceu com NILTO MACIEL, nascido em Baturité, Ceará, em 30-1-1945, e falecido em Fortaleza, em 30-4-2014. Ele ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 1970; criou, em 1976, com outros escritores, a revista “O Saco”, que revolucionou o Ceará e o Brasil; mudou-se para Brasília em 1977, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando fundou a revista “Literatura” (1991). Muitos números foram editados e continuou a fazê-lo a partir de 2002, quando voltou para Fortaleza. Da importantíssima publicação – talvez a melhor do Brasil no período – fui colaborador com artigos e poemas, tanto nas edições de Brasília, quanto nas de Fortaleza, e fiz parte do Conselho Editorial com os escritores Batista de Lima, Enéas Athanázio, Jorge Tufic, Leontino Filho, Nelson Hoffmann e Soares Feitosa. No ano 2000, quando fizemos uma viagem à Cuba de Fidel Castro, conheci pessoalmente Nilto Maciel, de quem fiquei sabendo, por ouvi-lo e vê-lo, que “era uma pessoa que só dava valor à vida e à literatura, tudo mais era brincadeira, na verdade, era um grande gozador”. Foi uma festa agradável, não obstante não conversarmos sobre a política, nem de lá nem de cá, porque não era esta a “nossa praia”, como diz o carioca. Lançamos, na ocasião, o livro coletivo “Poesía de Brasil”, organizado por Aricy Curvello e traduzido ao espanhol por Gabriel Solis.

É verdade que NILTO bebia muito, especialmente cerveja, se não era alcoólatra, parecia. Seu corpo foi encontrado em 30 de abril, em sua casa, onde morava sozinho. Não havia como levar ao hospital. Seus amigos apressaram para sepultá-lo no dia seguinte. Era casado, mas não vivia com a mulher (ou as mulheres) – gostava de muitas (ou de todas). E tinha filhas, ao que sei. Mas a verdade é que era um solitário, visitado apenas por poucos amigos, a maioria escritores e escritoras, em sua casa, onde mantinha boa biblioteca, onde trabalhava sem hora. Seu modo de ser, desde o primeiro livro, levava-o para a literatura, digo, para sua solidão. Na infância sonhara ser jogador de futebol, depois das brincadeiras de rua, refere um dos seus recentes livros, “Quintal dos dias” (2013), onde mistura história, realidade e ficção e conta parte de sua infância no interior. Eis porque abraçou o realismo mágico ou fantástico, nas suas "estórias". Sobre um dos seus primeiros livros, fiz um paralelo dele com o Jorge Luís Borges, em artigo de jornal. Grande contista este Nilto Maciel, grande novelista, grande incentivador da literatura e dos escritores. Neste particular foi um benfeitor da humanidade. Porque literatura é humanismo, o mais puro humanismo, chegando mesmo a assemelhar-se a uma “religião sem dogmas”, expressão que usei alhures e apliquei à literatura, pela primeira vez. 

Dito isto, é importante reproduzir parte do 1º capítulo de “Quintal dos dias”, onde o escritor abre a boca, no dizer popular: “Venho da Serra, do verde do Ceará, mas meus pais e avós vieram do sertão seco. Do tempo do trabuco, da injustiça, da perseguição, de Antônio Conselheiro, aquele de Canudos, que as tropas militares massacraram. Li a História desses povos, dessas gentes. Mas li também Camões, a Bíblia, Alencar, Machado, cordel, Moreira Campos. E me pus a escrever também. Mais para relembrar aquele povo e seus descendentes. Para recriá-los. Ou mesmo criá-los, porque talvez nada exista. O que existe é a obra de arte, que é ficção. Nada é real. Quanto mais antigo mais irreal. Ninguém me conhece. Ninguém me lê. Sou marginal da literatura. Há muito deixei de sonhar com glórias e famas. Tudo isto é passageiro. O que é bom permanece. Sem precisar de muletas, fanfarras, galardões, medalhas. Sou apenas um escritor de poemas, contos e romances”.  

Falar em Nilto Maciel é falar em literatura, todo o tempo. Conheço quase todos os livros que publicou, em torno de 30 só de ficção, dos quais li os primeiros e os últimos. Houve um intermédio em que me encontrava em grande efervescência e escrevia muito mais do que lia. Destaco sua obra “Vasto abismo” (1998): - Quem escreveu um livro como esse não precisa escrever mais nada para tornar-se célebre. Mas li, também, principalmente os contos, a partir do primeiro: “Itinerário” (1974), estreia do escritor. Sobre ele, escrevi: “Recomendo-o, sobretudo aos jovens, pela concisão do estilo, poeticidade do desenvolvimento, concretude e brevidade dos exercícios ficcionais. Há surpresas de finura na linguagem, de aproveitamento máximo dos temas, de finalização – acho até que por esta última qualidade se caracterizam. Parecem, a maioria, propositalmente reduzidos ao final, talvez como impacto de estrutura, talvez como motivação poética. Fábulas, anti-histórias, crônicas do sentir e do ser, vão do alegórico ao zombeteiro, mas não descem ao anedótico, eis algumas das estratégias usadas no seu movimento de criação”.

Contista, cronista, poeta, romancista e divulgador da literatura, especialmente daqueles autores que não ganharam a “simpatia” da grande mídia - via grandes editoras – Nilto Maciel, antes de sua morte, adivinha sua imortalidade na literatura, escrevendo o livro “Como me tornei um imortal” (2013), devassando a vida de seus amigos e conhecidos e expondo-os em crônicas bem humoradas e fantásticas. “É um virtuose”.
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OBRA PUBLICADA E PRÊMIOS:-

Obteve primeiro lugar em alguns concursos literários nacionais e estaduais:
Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1981, com o livro de contos Tempos de Mula Preta;
Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1986, com o livro de contos Punhalzinho Cravado de Ódio;
“Brasília de Literatura”, 90, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Distrito Federal, com A Última Noite de Helena;
“Graciliano Ramos”, 92/93, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Alagoas, com Os Luzeiros do Mundo;
“Cruz e Sousa”, 96, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, com A Rosa Gótica;
VI Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1996, Fundação Cultural de Fortaleza, CE, com o conto “Apontamentos Para Um Ensaio”;
“Bolsa Brasília de Produção Literária”, 98, categoria conto, com o livro Pescoço de Girafa na Poeira;
“Eça de Queiroz”, 99, categoria novela, União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, com o livro Vasto Abismo.
Organizou, com Glauco Mattoso, Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal (Rio de Janeiro/Fortaleza, 1977).
Participa de diversas coletâneas, entre elas Quartas Histórias – Contos Baseados em Narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de Fernandes (Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2006).
Tem contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês.
O Cabra que Virou Bode foi transposto para a tela (vídeo), pelo cineasta Clébio Ribeiro, em 1993.

LIVROS PUBLICADOS: - Itinerário, contos, 1.ª ed. 1974, ed. do Autor, Fortaleza, CE; 2.ª ed. 1990, João Scortecci Editora, São Paulo, SP. - Tempos de Mula Preta, contos, 1.ª ed. 1981, Secretaria da Cultura do Ceará; 2.ª ed. 2000, Papel Virtual Editora, Rio de Janeiro, RJ. - A Guerra da Donzela, novela, l.ª ed. 1982, 2.ª ed. 1984, 3.ªed. 1985, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS. - Punhalzinho Cravado de Ódio, contos, 1986, Secretaria da Cultura do Ceará. - Estaca Zero, romance, 1987, Edicon, São Paulo, SP. - Os Guerreiros de Monte-Mor, romance, 1988, Editora Contexto, São Paulo, SP. - O Cabra que Virou Bode, romance, 1.ª ed. 1991, 2.ª ed. 1992, 3.ª ed. 1995, 4.ª ed. 1996, Editora Atual, São Paulo, SP. - As Insolentes Patas do Cão, contos, 1991, João Scortecci Editora, São Paulo, SP. - Os Varões de Palma, romance, 1994, Editora Códice, Brasília. - Navegador, poemas, 1996, Editora Códice, Brasília. - Babel, contos, 1997, Editora Códice, Brasília. - A Rosa Gótica, romance, 1.ª ed. 1997, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC (Prêmio Cruz e Sousa, 1996), 2.ª ed. 2002, Thesaurus Editora, Brasília, DF. - Vasto Abismo, novelas, 1998, Ed. Códice, Brasília. - Pescoço de Girafa na Poeira, contos, 1999, Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília. - A Última Noite de Helena, romance, 2003. Editora Komedi, Campinas, SP. - Os Luzeiros do Mundo, romance, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE. - Panorama do Conto Cearense, ensaio, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE. - A Leste da Morte, contos, 2006. Editora Bestiário, Porto Alegre, RS. - Carnavalha, romance, 2007. Bestiário, Porto Alegre, RS. – Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil, ensaio. 2008. Imprece, Fortaleza, CE. – Contos Reunidos (volume I). – reunindo Itinerário, Tempos de Mula Preta e Punhalzinho cravado de ódio – 2009. Ed. Bestiário, Porto Alegre, RS. – Contos Reunidos (volume I). – reunindo As insolentes patas do cão, Babel e Pescoço de girafa na poeira – 2010. Ed. Bestiário, Porto Alegre, RS. – Luz vermelha que se azula, contos, 2011. Expressão Gráfica, Fortaleza, CE. – Como me tornei imortal: crônicas da vida literária. 2013. Armazém da Cultura. Fortaleza/CE – Quintal dos dias, crônicas. 2013. Editoria Bestiário. Porto Alegre, RS. – Sôbolas manhãs. crônicas. 2014. Editora Bestiário. Porto Alegre, RS.

ORGANIZADOR: Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima, ensaios, artigos e resenhas, 2006. Ed. UNIFOR, Fortaleza, CE. PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS: - Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal, seleção de Glauco Mattoso e Nilto Maciel. Clube dos Amigos do Marsaninho, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1977. Contos: “As Fantásticas Narrações das Meninas do São Francisco” e “Sururus no Lupanar”. - Conto Candango, coordenação de Salomão Sousa. Coordenada Editora de Brasília, 1980. Conto: “As Pequenas Testemunhas”. - Horas Vagas (Coletânea 2), organizada por Joanyr de Oliveira. Coleção Machado de Assis, volume 42, Contos, Senado Federal, Brasília, 1981. Conto: “Detalhes Interessantes da Vida de Umzim”. - O Prazer da Leitura, organizada por Jacinto Guerra, Ronaldo Cagiano, Nilce Coutinho e Cláudia Barbosa. Editora Thesaurus, Brasília, 1997. Conto: “Ícaro”. - Almanaque de Contos Cearenses, organizado por Elisangela Matos, Pedro Rodrigues Salgueiro e Tércia Montenegro. Edições Bagaço, Recife, PE, 1997. Conto: “Apontamentos para um Ensaio”. - Poesia de Brasília, organizada por Joanyr de Oliveira. Livraria Sette Letras, Rio de Janeiro, 1998. Poemas: “Odisséia Interior”, “Oferenda” e “Nem todo amor…” - Poesía de Brasil – volumen 1, organizada por Aricy Curvello e traduzida para o espanhol por Gabriel Solis. Edição Proyecto Cultural Sur/Brasil, Bento Gonçalves, RS, 2000. Poemas: “Calvario”, “De Desapariciones y de Ruinas”, “Francisca” e “Arco Iris”. - Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal, organizada por Jean Paul Mestas. Universitária Editora, Lisboa, Portugal, 2000. Edição em francês e português. Poemas: “Lutin”/ “Duende”, “Avec les pieds par terre” / “Com os pés no chão”, “Auroral” / “Amanhança”, “Pro-phétique” / “Prof-ética”. - Antologia de Haicais Brasileiros, organizada por Napoleão Valadares. André Quicé Editor, Brasília, 2003. - Antologia de Contos Cearenses, organizada por Túlio Monteiro. Coleção Terra da Luz, tomo I, Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2004. Conto: “Casa Mal-assombrada”. - Antologia do Conto Brasiliense, seleção e organização por Ronaldo Cagiano. Projecto Editorial, Brasília, 2004. Conto: “Aníbal e os Livros”. - Os Rumos do Vento/ Los Rumbos del Viento (Antologia de Poesia), coordenação de Alfredo Pérez Alencart e Pedro Salvado. Câmara Municipal de Fundão, Porotugal e Trilce Ediciones, Salamanca, Espanha, 2005. Poema: “Arco-íris”. - Quartas Histórias – contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, org. Rinaldo de Fernandes. Rio de Janeiro, Ed. Garamond, 2006. Conto: “Águas de Badu”. - Todas as Gerações – O Conto Brasiliense Contemporâneo, org. por Ronaldo Cagiano. Brasília, LGE Editora, 2006. Conto “Avisserger Megatnoc”. - 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros, edición bilingüe español-portugués, org. por Nelson de Oliveira e tradução de Federico Lavezzo. Córdoba, Argentina, Editorial Comunicarte, 2007. Conto “Ave-Marias”.dicas para emagrecer

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