domingo, 19 de janeiro de 2014

SOLILÓQUIO DE UM RATO

 

POEMA DE DIEGO MENDES SOUSA
                      Para Reynaldo Valinho Alvarez


Foram embora meus livros...
Antes que as traças
 
(inimigas implacáveis dos             
pergaminhos imaginários)
os tornassem carcomidos em seus repentinos ataques de vertigem.

Antes que o fogo das cidades fantasmas os
consumissem por inteiro, na fuligem de Alexandria.

Antes que as águas inundantes das chuvas
molhassem seus lombos frios de almas pesarosas.

Antes que os ladrões cercassem o abismo
de suas vagas tempestivas e repletas de infortúnios.

Antes que os ratos, na rapina metafísica, fugissem  
por caminhos sinuosos, em signos aturdidos.

Antes do despejo e do silêncio, nos monturos da morte.
Antes da minha destinada morte!

Antes que Altair os expulsassem, por não mais haver espaço no abrigo da morada do ciúme, pois, para os livros, dava parte do meu amor.


Quanta memória se foi!
Quantas lembranças esvaídas!

Meus livros autografados por medalhões…
Meus livros ventilados na seita do bom gosto…

Quanta literatura coube no meu bolso?
Quanta estética pairou sobre mim!

Livros raros, antigos, variados…

Leituras de faces multiplicadas:

Adeus Rainer Maria Rilke!
Meu desesperado adeus a Goethe!
Meus braços balançam no adeus a Hölderlin!

Dou adeuses aos meus heróis escondidos…
Voai, voai… Todos os seres da minha formação.


Que só eu li e reli
no egoísmo das paredes interiores da casa
de meus avós, depois, em minha própria casa,
em outra margem, em outros céus nebulosos.

Minha biblioteca melindrada desde a infância
quando as descobertas são limites!
Outros planos incendiários!

       Minha biblioteca… 
recanto de um mundo que criei para mim!                  
Muralhas isentas das complexidades de outras  existências…
As luzes do amor relampejando…

Ai, o quão me doem essas ausências!

Já ultrapassavam seis mil inventários
(na tenra idade dos meus vinte e quatro anos,
quando pensei ser Castro Alves e ter asas para lograr a sina)
uma quilha de sentimentos
conservados intactos.

O cheiro de sua matéria
ainda prescinde a minha saudade.

Quanto amor dei aos livros?
Quantas sombras de mundos custaram os meus encantos,
em suas linhas selvagens?


Eles trilharão de mão em mão
nos sebos empoeirados
levando meu nome
no rosto de suas folhas
 - encardidas
do meu olhar
sobre o negro
amarelado
dos sonhos

Não os verei maduros
no introspecto do tempo!

Meus livros se foram
armadilhados por segredos desumanos…
por trapaças injustas… por enganos soturnos…
por misérias tropeçadas… por alentos profanados…

Ai! Que lágrima fendida no peito ferido!


Não mais os verei…

Eles amanhecerão no coração
de outros cultos - fabulosos
de outros magos - pavorosos
de outros meninos solitários
na palavra e na redenção
de outras ilusões
deserdadas

Mas minhas mãos,
as digitais impressas de dores,
estarão ainda ali
apalpando as voragens primeiras
dos poetas adormecidos
dentro das poeiras
da minha loucura
andarilha.

Meus livros e eu,
fomos um só!

Um corpo alado de pássaro
singrando as cordas
do tormento.

Por ora,
        são ausências
               somente ausências
              - esses livros -
que não mais se revelarão
ao seu devorador perdido
em sangrenta memória.


       Dou por testemunho:
                                meus olhos  
                                 que ardem
                                    na insônia
                                 por sabê-los
                                    eternamente
                                             desgarrados
                                      da aurora
                                           do meu espanto.


Quanta falta fazem meus livros
onde vi os moinhos acelerando as águas
onde senti os ventos calhando as rosas
onde bebi os presságios
e vaticinei os cavalos
na vastidão das escrituras…

Quanta falta fazem meus livros!
Os originais, aqueles da apaixonada sede
que permitiram o galope
de um horizonte azulado
além da cruel realidade.


Ah, Quanta falta fazem-me esses livros!

Hoje sei que estou menor
 - e melancólico -
nos porões
da minha vera história.


  _______________
*POETA BRASILEIRO, NASCEU EM PARNAÍBA - PI E MORA NO MUNDO.


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