segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O FIO DO RISO EM TERESINA - Crônica de Viagem

04 de dezembro, de 2011
 
Com o livro O fio do riso, de Ângela Lago que li na manhã de sábado, do dia 03 de dezembro, de 2011, organizei tantos outros livros e jornais e voei para Teresina. Dormi profundamente e às vinte e três horas ouvi a voz do comissário de bordo a sobressaltar-me: “Senhores e senhoras, sejam bem-vindos a Teresina”.
Desci as escadas do voo 3882, caminhei lentamente até a porta de desembarque e li a seguinte informação: “Quem sair por esta porta não poderá retornar”. Esteticamente, recebi os dizeres como um convite à permanência no local dos rios Poti e Parnaíba.
Pessoas de todas as cores vão para todos os lados, rostos piauienses, cearenses, recifenses, paulistas, goianos e troianos, nem sei quantas almas estiveram diante de mim. Bem que eu desejei escrever um poema, leitor. Porém o fio que tece minhas memórias é mais prosaico.
Aproximei de uma companhia de táxi e comprei um ticket para o Hotel Pio, na Avenida do Centenário e perguntei: “É perto?” A moça não respondeu com palavras. Somente gesticulou com as mãos: “mais ou menos”. Retirei treze reais e entreguei-lhe. Concomitantemente, um estrangeiro pede um táxi para o Bairro Pirajá e paga os mesmos contos de réis.
Olho a moça loira chupando chiclete e a fila andando. Misturo ao estrangeiro com a sensação de ser um personagem de Albert Camus. Noto o fio do riso nos lábios da moça e quase indaguei: “A senhorita está a rir de mim ou do estrangeiro?” Calei, escolhendo seguir o meu destino para regar as minhas rosas.
O motorista, com as mãos na cabeça e com ar de incredulidade, comentou: “nossa, a senhora está somente com esses livros e poderia ir caminhando. Olhe lá o hotel”. Esqueci da elegância e, como sou filha de Deus, soltei um famoso: “Filha da puta”. Só agora compreendi o riso da moça do chiclete. Aprendi que os livros abrem caminhos, desencadeiam risos e a imaginação. Porém, eles não possuem GPS e nem nos mostram quando seremos assaltados propositalmente. O imaginário poético da literatura esconde a realidade, muitas vezes.
Enfim, cheguei ao lugar desejado no tempo de um minuto que custou treze contos. Logo à minha espera estava um menino com cabelos pretos tal como negro preto cor da noite. Intertexto que caso com Negro preto, cor da noite, do poeta Afro-Brasileiro Lino Guedes lido por mim no voo entre Goiânia e Brasília. O menino também não se conteve quando narrei o fato. Desabrochou o fio do riso em Teresina.
Dia seguinte, encontrei-me com uma professora de Porto Alegre com os olhos azuis da cor do mar e a minha narrativa identificou-se com a dela. Soltamos o fio do riso e indignamos com a falta de bom senso da informante do ticket.
Logo mais à tarde, meus pés desfilavam numa palhoça a sentir o gosto típico de um prato à moda caseira. Na palhoça, eu que sou observadora e sensível, li a cor do riso de um moço com a pele marcada pelo sol teresinense, cuja pele dos pés abria-se pela dor, como alguém que bebeu a secura do cruel destino nas ruas ou na beira das pedras. Pensei: “Prosaico era o fio do riso da moça loira chupando chiclete feito vaca no capim molhado, ao passo que poético era o sorriso gordo e aberto do menino magro”. Era um sorriso enriquecedor. Traduzia uma luz germinada do fundo da alma.
Sobrevoei ao retorno de minhas raízes e todas essas imagens foram se mesclando entre a veia lírica das águas e as nuvens do céu. O fio do riso tornou-se pequeno em seu fio narrativo e diante da poesia abraçada ao fio celeste das águas piauienses e o sorriso sagrado do menino cor da noite.
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*Rosidelma Fraga, professora, doutorando em Literatura, poeta     e   cronista, nascida em Mato Grosso, mora em Goiânia - GO.


Comentários (1)
Rosi,
Seja eu o primeiro a comentar sua crônica. Seu texto é maravilhoso típica crônica de viagem, mas de uma viagem inacabada. Se você voltar alguma vez (e acho que vai voltar) ao Piauí, entenderá nossa gente, talvez, de um outro modo. O piauiense é tímido, dizem que até não há gente mais parecida com o mineiro do que um piauiense. Ah! Como gostaria de lhe mostrar o cais do Parnaíba, a Av. Raul Lopes em frente ao rio Poty, o monumento ao Cabeça de Cuia na embocadura do Poty com o Velho Monge. Também, se a gente passeasse pelo Mercado Velho, pela Shopping Cidadão; se a gente fosse a Sete Cidades; se a gente visse um dia a praia de Amarração - uma Copacabana bem maior e mais calma; se a gente pudesse passar um dia num barco que nos mostraria o Delta do Parnaíba... – Ah! como seria bom. Creio que você escreveria um livro de muitas crônicas sobre o Piauí, como, aliás, já fez o Eneas Athanázio, de Santa Catarina. Mas sua crônica, para uma viajante tão apressada e que fez uma viagem tão prosaica quanto a de submeter-se a um concurso, está ótima. Melhor não poderia ser. Deliciei-me com ela, conheço agora, melhor, seu estilo em prosa corrida, sem alinhavo, como você é. Para mim, nada melhor do que esse tipo de conhecimento por dentro, pelo que é, não pelo que poderia ser ou ter sido. TOMARA QUE VOCÊ ABISCOITE O LUGAR DE PROFESSORA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ  E AQUI VENHA MORAR. Meu coração está pulando de alegria. Tenho certeza, você gostará, de coração, desta terra e desta gente. Abraço bem piauiense
francisco miguel de moura.
francisco miguel de moura
postado:
05-12-2011 15:49:54 


 Links: acesse estes:
http://franciscomigueldemoura.blogspot.com 
http://abodegadocamelo.blogspot.com 

Um comentário:

CHIICO MIGUEL disse...

Comentários (1)
Rosi,
Seja eu o primeiro a comentar sua crônica. Seu texto é maravilhoso típica crônica de viagem, mas de uma viagem inacabada. Se você voltar alguma vez (e acho que vai voltar) ao Piauí, entenderá nossa gente, talvez, de um outro modo. O piauiense é tímido, dizem que até não há gente mais parecida com o mineiro do que um piauiense. Ah! Como gostaria de lhe mostrar o cais do Parnaíba, a Av. Raul Lopes em frente ao rio Poty, o monumento ao Cabeça de Cuia na embocadura do Poty com o Velho Monge. Também, se a gente passeasse pelo Mercado Velho, pela Shopping Cidadão; se a gente fosse a Sete Cidades; se a gente visse um dia a praia de Amarração - uma Copacabana bem maior e mais calma; se a gente pudesse passar um dia num barco que nos mostraria o Delta do Parnaíba... – Ah! como seria bom. Creio que você escreveria um livro de muitas crônicas sobre o Piauí, como, aliás, já fez o Eneas Athanázio, de Santa Catarina. Mas sua crônica, para uma viajante tão apressada e que fez uma viagem tão prosaica quanto a de submeter-se a um concurso, está ótima. Melhor não poderia ser. Deliciei-me com ela, conheço agora, melhor, seu estilo em prosa corrida, sem alinhavo, como você é. Para mim, nada melhor do que esse tipo de conhecimento por dentro, pelo que é, não pelo que poderia ser ou ter sido. TOMARA QUE VOCÊ ABISCOITE O LUGAR DE PROFESSORA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ E AQUI VENHA MORAR. Meu coração está pulando de alegria. Tenho certeza, você gostará, de coração, desta terra e desta gente. Abraço bem piauiense
francisco miguel de moura.
francisco miguel de moura
postado:
05-12-2011 15:49:54

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