quarta-feira, 9 de novembro de 2011

AS DOENÇAS PSÍQUICAS E A LITERATURA

                
Francisco Miguel de Moura*

Nós, escritores e artistas, gostamos de aparecer, senão em pessoa, pelo menos através de nossas obras. É que o instrumento de trabalho do artista, primeiramente, é ele mesmo, com seus pensamentos e seus atos. E, assim, precisam de atenção e aprovação, como disse o psiquiatra inglês Anthony Storr.  Daí não é difícil responder por que os artistas são excitados quando apresentam (ou escrevem) e têm, em seguida, fases de melancolia, cujo estado se prolonga para muito depois que terminam o seu trabalho.  Eis aí dois sintomas visíveis e significativos. É a bipolaridade – doença daquelas pessoas que se excitam bastante e depois se abatem, ficam tristes, melancólicos, em curto espaço de tempo, um ciclo que se repete: excitação x melancolia.  A bipolaridade (outrora chamada psicose maníaco-depressiva) está no grupo das neuroses.  O outro grupo é o das psicoses. Os especialistas encontram um meio técnico de explicar o que são neuroses e o que são psicoses. Neuroses são as alterações quantitativas dos fenômenos psíquicos. Psicoses são as alterações qualitativas dos fenômenos psíquicos.
São muitos os fenômenos psíquicos de um e do outro lado, misturando-se, de vez em quando, uns com os outros, visto que têm a mesma origem: a psique, a alma. Nome de alguns deles: estresse, ansiedade, depressão, doença do pânico, do sono, mania, hipomania, hipocondria, esquizofrenia, catatonia, epilepsia, etc. Para que não digam depois que estou “inventando”, e também porque não sou médico, sou leigo - um curioso - transcrevo da revista “Mente e Cérebro”, de março de 2008, precisamente do artigo “Escritores famosos e doença bipolar”, algumas indicações e frases que confirmam o que estamos proclamando.
“Doença mental e criatividade não são categorias mutuamente excludentes; ao contrário, frequentemente estão associadas. Afinal, criar significa escapar de padrões habituais, inovar, surpreender. Ora, essas características podem muito bem ser aplicadas à doença mental, a tal ponto que, para alguns artistas, são inseparáveis” - escreve o autor do artigo, o mesmo que se pergunta inicialmente se há um denominador comum entre criatividade e doença mental. Traduzindo: Para ser mais bem entendida: Para ser criador, inventor, bom artista, necessariamente se tem que ser neurótico, psicótico, esquizofrênico, psicopata ou ser portador de qualquer outro transtorno?
Aristóteles já perguntava, em suas elucubrações filosóficas: “Por que razão todos os que foram homens de exceção no que concerne à filosofia, à poesia ou às artes são manifestamente melancólicos?”.
A seguir, enumeramos alguns exemplos de escritores e artistas podem ajudar a esclarecer a coincidência:
Edvard Munch, o grande pintor norueguês, autor do famoso O Grito, era psicótico e admitia a doença. Mas temia tomar drogas, fazer qualquer tratamento, pois não queria perder seu potencial criativo.
Vicent Van Gogh, depois de uma discussão com Gauguin, cortou um pedaço de sua orelha esquerda, fez dois auto-retratos olhando-se ao espelho, depois embrulhou o troféu num lenço e levou para uma prostituta com quem mantinha relações, acompanhado de um bilhete que dizia: “Guarde com cuidado!” Ele sofria de depressão, tinha alucinações, tomava álcool e absinto. Alguns psiquiatras crêem que era também esquizofrênico. Suicidou-se deixando um recado: “la tristesse durera toujours” (a tristeza durará sempre).
“Uma coleção de obras de pintura de pacientes reunida por Nise da Silveira, mostra o processo de elaboração mental da esquizofrenia, com freqüência manifesto nas artes plásticas”, diz a revista citada. E acrescenta que referido processo “parece ser alheio ao da criação literária, já que esta implica uma dificuldade de interação com o mundo”.
De minha parte, não posso concordar inteiramente com a publicação, neste ponto. Basta ver, em nosso meio, o caso de O.G. Rego de Carvalho, portador de esquizofrenia, que não perdeu o contato com a realidade, salvo quando está na crise, e escreveu excelentes obras. Sabe-se que há muitos outros bons escritores daqui e de fora, assim como houve no passado, pacientes de esquizofrênicos. Há ainda os que são apenas psicóticos, portadores de distúrbios de menor intensidade.
Já a respeito da psicopatia, não consegui muito em minha pesquisa. É verdade que nem todos os psicopatas são violentos ou se tornam assassinos. Há os de nível mais fraco, que convivem mais ou menos bem na sociedade, há os de nível médio que nem sempre descambam para a violência e o crime, e destes e que acredito que saem muitos escritores, pintores, atores, políticos, religiosos, militares, etc. Porém há criminosos de vários graus que, para passar bem, tornam-se escritores – ser escritor ficou fácil, mas ainda tem o seu fascínio. E logo agora me lembrei de O. Henry, americano que cumpriu pena num presídio por ter roubado um banco, mas conseguiu libertar-se e tornar-se escritor com alguma fama. Ele foi referido por alguns biógrafos de ser um psicopata. Mas, aqui cabe bem a observação: Nem todo criminoso, nem todo assassino é psicopata. Mas entre nós vivem muitas dessas criaturas, que não são propriamente humanos por seu modo de proceder. E é quase impossível identificá-los, porque eles mentem muito e representam constantemente. Diz a escritora Ana Beatriz Barbosa Silva, perita no assunto, que “o psicopata não trabalha, vai à caça”. Mas, como saber quem é psicopata, no nosso mundo tão cheio de individualismo, interesse pelo dinheiro, sexo e poder?  No nosso tempo, sem os bloqueios moral, ético e religioso que a sociedade até então oferecia?
Voltando à vida dos neuróticos e psicóticos, sejam escritores ou artistas, relacionaremos alguns dos mais célebres:
Voltaire, o grande filósofo propagador do iluminismo francês, declarou: “Rio-me para não enlouquecer”.
Edna St. Vincent Milay (1892-1950), poetisa americana, implorava desesperadamente: “Read me, do not let me die” (“Leia-me, não me deixe morrer”).
Gustav Flaubert declarou, no processo que foi aberto contra ele, por ter representado a sociedade parisiense de modo desrespeitoso, sobre a personagem do seu romance: “Madame Bovary sou eu.” Citamos a frase celebre, sem nos importarmos com o contexto especial. Mais especial é o próprio autor – ele se imprime de modo bem profundo em tudo o que escreve. No caso, só o autor dizê-lo já implica em verdade. Sua personagem principal do romance é ele mesmo. E pronto.
Montaigne, o genial criador do ensaio à moda inglesa, declarou: “Faz muito que não tenho senão a mim como objeto de reflexão, que não examino nem estudo outra coisa que a minha própria pessoa.”.
Emile Zola, autor do famoso Germinal, vivia apavorado com a morte: – tinha todos os tipos de superstições, e via constantemente um morcego em seu redor. E era hipocondríaco.
Honoré de Balzac era um bipolar típico. Nas fases mais produtivas, o escritor jantava às 6 da tarde, dormia até a uma da manhã, levantava, trabalhava durante toda a madrugada, parando para tomar café, descansar e receber visitas. Escreveu a gigantesca obra que é a Comédia Humana. Nos períodos depressivos, contudo, pensava em suicídio.
Virginia Woolf, escritora inglesa, teve uma vida atormentada por surtos depressivos que pareciam não afetar sua criatividade, mas a levaram a entrar no rio Ouse com pedras nos bolsos de seu casacão para se afogar. Suicidou-se.
Ernest Hemingway, autor de O Velho e O Mar, viveu numerosas aventuras pelo mundo, escreveu obras de enorme sucesso, mas tinha de lutar sempre contra a depressão, que também o levou à morte.
Edgard Alan Poe, contista, crítico e poeta de O Corvo, um dos mais inspirados e conhecidos poemas da literatura ocidental, era alcoólatra, teve vida bastante irregular, tentou suicídio, foi encontrado na rua em estado de delírium tremens, em cujas condições morreu. Mas alguns biógrafos acham que ele sofria de uma doença cerebral desconhecida.  Ultima frase dele: Its all over now: write Eddy is no more!”(Está tudo acabado: escrevam, Eddy já não vive!).
E esses não foram os únicos. Entre os escritores diagnosticados – em geral depois de mortos – como bipolares estão Dostoiévski, Hans Christian Andersen, F. Scott Fitzgerald, Maiakóvski, Nicolai Gógol, Graham Greene, Henrik Ibsen, Joseph Conrad, Herman Melville, Mary Shelley e Robert L. Stevenson.
Demos uma relação de estrangeiros, que seria muito mais longa se tempo houvesse de pesquisa e de espaço, nessa ocasião. Agora vamos localizar alguns brasileiros e portugueses famosos:
Lima Barreto, romancista, autor do famoso Triste Fim de Policarpo Quaresma – alcoólatra, tendo lutado muito contra o álcool. Mas por causa disto foi internado várias vezes em hospital, vindo falecer.
Machado de Assis – epiléptico, gago, problemas de cegueira e depressão, os quais foram suavizados por sua força de vontade e também após o casamento pelos cuidados de sua esposa Carolina. “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria” - é a frase com que termina Memórias Póstumas de Brás Cubas, retratando o extremo pessimista que foi.
Augusto dos Anjos, o poeta pré-modernista, autor de Eu (posteriormente acrescentado de outras poesias, depois da morte), era triste e melancólico, a origem desse estado estaria num conflito edipiano de sua infância. Morreu de uma pneumonia e não tuberculoso como é proclamado em suas biografias. Um poeta que escreve - “Toma um fósforo, acende o teu cigarro / O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja. / Se alguém causa inda pena a tua chaga / Apedreja essa mão vil que te afaga, /Escarra nesta boca que te beija” - tem que ser uma alma cheia de amargura, torturada.
Euclides da Cunha – escritor mor da nossa brasilidade, um dos nossos maiores estilistas. Engenheiro, cientista, sociólogo, poeta e jornalista. Autor de Os Sertões, obra imortal, que o elevou a precursor do modernismo, além de outras obras de grande valia para a formação cultural do Brasil. Foi assassinado estupidamente. Temperamento nervoso e muito tímido, um caso excepcional na literatura do mundial, eu creio, em que o traído é morto pelo traidor. Euclides não poderia ser uma forte espécie sob o ponto de vista psíquico. Ele assumiu a síndrome do homem que é traído por sua esposa, a quem amava apaixonadamente. Um romântico. Um torturado.
Raul Pompéia, romancista e poeta, suicidou-se, deixando O Ateneu, obra grandiosa para a literatura brasileira, tratando da educação e da infância. Foi um torturado da forma e também, naturalmente, pelos problemas psicopatológicos que o assaltavam.
Torquato Neto – poeta e cronista, letrista de música e cineasta, em sua curta vida muito experimentou. Autor de Os Últimos Dias de Paupéria. Um torturado. Suicidou-se.  Certamente, como a maioria dos artistas de sua época, usou droga, mas isto só veio apressar o que já tinha dentro dele: algumas manifestações psicóticas que ainda não foram identificadas. 
O. G. Rego de Carvalho – o grande prosador, romancista, autor de Rio Subterrâneo. É, talvez, o maior estilista vivo da língua portuguesa. Está vivo entre nós. Esquizofrênico consciente de sua doença, toma remédio todos os dias, por isto deixou de escrever muito cedo.
Eça de Queiroz – formado em direito, exerceu as profissões de advogado, jornalista e diplomata. O Crime do Padre Amaro, talvez, seu romance mais conhecido, foi publicado em 1876. Depois, Os Maias, O Primo Basílio, entre tantos outros, tratando, com realismo a vida de Portugal, onde domina o crime e os desmandos do amor sensual, com pessimismo, ironia e humor. Nada se sabe da sua biografia que indique qualquer doença mental. Mas consta que era cheio de manias: por exemplo, escrevia sempre em pé.
Antero de Quental, o grande poeta-filósofo de Portugal...” – era um constante deprimido, morreu com dois tiros na boca: suicídio, logo que passou a morar em casa de sua irmã, Ana de Quental, também portadora de distúrbio bipolar,
Fernando Pessoa foi um poeta fabuloso, criador dos heterônimos. O único livro publicado em vida, além dos Poemas e Sonetos, em inglês, foi o livro Mensagem. O que seus poemas, ou a grande maioria, no levam a crer, entretanto, é que tinha uma personalidade em constante estado de depressão. Sua causa mortis foi associada à cirrose hepática porque ele bebia muito. Mas contesta-se: teria sido uma pancreatite a moléstia que o abatera. A última frase que disse: I know not what tomorrow wil bring (Não sei o que o amanhã trará),
Camilo Castelo Branco, jornalista e romancista de temperamento instável, irrequieto e irreverente, teve uma vida tumultuada por constantes amores e boêmia, metendo-se até em revoltas e revoluções armadas. Formou-se em direito. Suas cartas jornalísticas causavam mal estar aos poderosos, resultando em agressões. Memórias do Cárcere, 1862, quando esteve preso na Cadeira de Relação do Porto e Amor de Perdição, 1862, são as mais famosas, entre as 260 obras que escreveu. Ficara cego e sua cegueira, causada pela sífilis, o impedia de ler e escrever. Em um de junho de 1890, depois de ter sido informado da gravidade do seu estado, desfere um tiro na têmpera direita e morre.
Florbela Espanca – tentou suicídio duas vezes. Morreu por uma superdose de barbitúricos. Grande sonetista. Uma alma sensível e torturada.
Sentimos que a pergunta de Aristóteles, colocado no início, não foi ainda plenamente respondida. Mas aceitar que doença mental e talento são compatíveis já é um grande progresso. Vale, portanto, citar aqui o cientista da alma, Sigmund Freud, como que antecipando um recado aos críticos: É impossível interpretar a obra de arte sem, primeiro, interpretar o artista.
____________
Bibliografia:
Silva, Valmir Adamor da. Psicanálise da Criação Literária, Ed. Achiamé, Rio, 1984.
Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas, Edições Objetiva, Rio, 2008.
Schopenhauer, Arthur. A Arte de Escrever, L&PM Pocket. Porto Alegre, RS, 2010.
Mente e Cérebro. Revista, in artigo Escritores Famosos e Doença Bipolar, mar/2008.
http://www.wikipedia,org – Enciclopédia virtual (Internet).
 

Anexos:

1. Noções Básicas:

Id = Fonte de energia psíquica (libido), é formado pelas pulsões, instinto, impulsos orgânicos e desejos inconscientes.  Não faz planos, não espera.

Superego = É inconsciente, faz a censura dos impulsos – que a sociedade e a cultura proíbem (é a crítica interna do Id).

Ego = Desenvolve-se a partir do Id, com o objetivo de permitir que seus impulsos sejam eficientes, levando em conta o mundo externo. É o princípio da realidade, introduz a razão e planeja o comportamento.

2. Sintomas da Psicopatia
- Mentiras constantes (às vezes o tempo todo);
- Insensiblidade e frieza emocional;
- Representam bem (riem, choram, teatralizam como se fosse verdade);
- Crueldade com os animais (quando criança);
- Condutas desafiadoras às figuras dos pais, autoridades, professores, idem;
- Impulsividade e irresponsabilidade;
- Baixíssima tolerância às frustrações, com acessos de irritabilidade e fúria, quando contrariados;
- Tendência culpar os outros por erros que ele mesmo cometeu;
- Preocupações excessivas com seus próprios interesses;
- Ausência de culpa ou remorso (não pedem perdão);
- Falta de preocupação com (ou pelos) sentimentos alheios;
- Falta de constrangimento ou vergonha quando pegos mentindo ou em flagrante;
- Dificuldade em manter amizades;
- Permanência fora de casa até tarde da noite, mesmo com proibição dos pais (quando crianças).   - Muitas vezes fogem de casa por muitos dias;
- Faltas constantes sem justificativa à escola – não são bons estudantes;
- Faltas constantes ao trabalho (quando em idade adulta);
- Violação constante às regras sociais (vandalismo, destruição da propriedade alheia ou danos ao patrimônio público);
- Participação em fraudes (falsificação de documentos), roubos ou assaltos;
- Sexualidade exacerbada, muitas vezes levando outros ao sexo forçado;
- Introdução precoce ao mundo das drogas;
- Nos casos mais graves, podem cometer homicídios.
(in Mentes Perigosas – o psicopata mora ao lado, Ana Beatriz Barbosa da Silva).


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*Palestra pronunciada pelo poeta e prosador Francisco Miguel de Moura, na ALERP / Picos, 21/10 /2001, no Seminário de Literatura que Picos realiza anualmente.

2 comentários:

Juan Carlos disse...

É uma pena que não tenha se aprofundado no caso de Euclides da Cunha.

Administração disse...

muito bom o texto!. abraços!

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