segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ALMA PERDIDA – NA BIBLIOTECA

Crônica
ALMA PERDIDA  na biblioteca

Nilto Maciel*


Recebi exemplar autografado do novo livro de Everardo Norões: “Para o escritor e amigo Nilton Maciel, este Poeiras na réstia, pó que somos,  às vezes réstia... com a admiração e o abraço de (assinatura). 02.VIII.10”. Nem prestou atenção à grafia de meu nome. Não faz mal: talvez não haja outro Nilto Maciel.

Há alguns anos recebo livros. Quase todos de escritores, que querem uma resenha, um comentário, um elogio. Algumas editoras também mandavam, desde os tempos da revista O Saco. Para divulgação. À frente da revista Literatura, que durou dezessete anos, essa avalanche de publicações quase me sufocou. Cheguei a alugar um apartamento, em Brasília, só para abrigar meus hóspedes de papel. Uma loucura, como dizia minha mulher. E dava ultimatos, diariamente: Ou eles, ou eu. Terminei sem ambos. Ela não aceitava dividir o restrito espaço do mundo com aqueles seres inanimados, empoeirados, sem atrativos: Como você pode ser tão idiota, leitorzinho. Ela talvez quisesse me chamar de leitãozinho. E me ver assado, para me comer melhor.

Também meus amigos, que são todos escritores (nunca tive amigos que não fossem escritores), me chamavam (e chamam) de idiota: Como você pode perder tempo lendo tanta porcaria e, ainda por cima, dando divulgação a ela em revistas e na Internet? E levavam (e levam), por empréstimo, o que julgam não ser porcaria. Dia desses fiz um balanço: dos vinte mil livros que ocupam (ou ocupavam) as estantes de minha mansão, menos de um por cento vale a pena ler de novo. Já me levaram Cervantes, Camões, os sermões de Vieira, os amantes de Lady Chatterley, os amores de David Herbert Lawrence.

Certamente não terei tempo de ler toda a minha biblioteca. Levaria uns duzentos anos. Mas tenho sido educado: leio as abas, o prefácio, alguns poemas, contos, páginas, e escrevo ao doador do livro umas palavras de agradecimento. Não prometo resenha, artigo, estudo. Não sou jornalista profissional, não me pagam para escrever. Não disponho de muito tempo para leituras desse tipo. Em compensação, desde 1974, data de minha estreia como escritor, envio, pelo correio, exemplares de meus livros (acho que são vinte) aos amigos escritores. Trinta e seis anos remetendo livros. Uns poucos me dirigem agradecimentos. Se todos eles leram meus livros, não sei. Alguns leram. Poucos escreveram artigos e ensaios. São escritores maravilhosos, críticos excelentes, leitores apaixonados: Adelto Gonçalves, Adriano Spínola, Aíla Sampaio, Angelo Manitta (italiano), Artur Eduardo Benevides, Astrid Cabral, Batista de Lima, Caio Porfírio Carneiro, Carlos Augusto Silva, Carlos Augusto Viana, Carmélia Aragão, Celestino Sachet, Chico Lopes, Dias da Silva, Di Carrara, Dimas Macedo, Donaldo Schüller, Eduardo Luz, Enéas Athanázio, Erorci Santana, Fernando Py, Foed Castro Chamma, Francisco Carvalho, Francisco Miguel de Moura, F. S. Nascimento, Henrique Marques Samyn, Inocêncio de Melo Filho, Jaime Collier Coeli, João Carlos Taveira, Jorge Pieiro, José Alcides Pinto, José Lemos Monteiro, José Luiz Dutra de Toledo, Laene Teixeira Mucci, Liana Aragão, Moreira Campos, Nara Antunes, Nelly Novaes Coelho, Nicodemos Sena, Paulo Krauss, Paulo Nunes Batista, Ronaldo Cagiano, Salomão Sousa, Sânzio de Azevedo, Sérgio Campos, Tanussi Cardoso e Valdivino Braz. Alguns nem conheço ou conheci (a morte os levou cedo). A todos sou muito grato.

Everardo, desculpe a demora no relacionar nomes. É que minha memória nunca foi boa e precisei buscá-los num arquivo. Desculpe também estar falando de mim, em vez de falar de sua obra. O posfácio de Manoel Ricardo de Lima é uma aula. Como ele sabe literatura! “Um poema sempre aparece como se fosse uma indefinição de si mesmo, de seu contorno, de seu absurdo; um erro.” Li alguns poemas. Você é bom poeta e está ao lado (ou na mesma estante) de Nabokov e sua Lolita, Vitorino Nemésio, Fernando Namora, José Santiago Naud e outros da letra “N” (primeira do sobrenome). Quero ler mais, porém Ana Clara me chama do quarto onde se hospedam alguns poetas esquecidos. Quer que eu leia Florbela Espanca. Gosto dela como de poesia. Gosto dela porque venera meus livros. Mas nem sempre consigo atender a seus quereres. Já vasculhei todas as estantes. Nada de encontrar a frágil Florbela. Mudou-se de lugar, decerto, e se escondeu atrás de algum poeta mais encorpado: Dante, Homero, Virgilio, sei lá. Ou a levaram meus visitantes. Chamei Clarinha: Venha ouvir um poeta novo, vindo do Crato. E me pus a ler em voz alta: “a cafeteira / me dá bom-dia /com seu gesto de prata. / digo a mim mesmo: / acorda! / levanta-te e anda! / sofre/ a alegria vã / das árvores tardias, / dos morcegos que lançam / os frutos maduros das imbaúbas / sobre os telhados. / olha em torno: / o verde indiferente, / a música fechada no piano, / a pequena formiga / e suas passadas, / a suportar / o grão de açúcar / do Universo!”

Isto, intitulado “De manhã”, é que é poesia. O resto é poeira que se vai. Ou réstia que fica por instantes. Olho para Ana Clara e sinto o que é poesia. Florbela reaparece: “Minha’alma, de sonhar-te, anda perdida”. Arrojo-me a seus pés.
              
                                          Fortaleza, manhã/noite de 25 de agosto de 2010.

Crédito: Ilustração colhida na Internet, Blog do Hulckinho.
_______________
*Nilto Maciel é um dos maiores escritores deste país (contista, cronista, poeta e romancista), mora em Fortaleza, já viveu em Brasília por força da profissão e lá fundou a revista "Literatura". Publicou dezenas de livros, centenas de artigos de crítica. Recebeu muitos prêmios ditos nacionais. Atualmente está tratando de reeditar sua obra contística. Recebi o excelente Volume 1 - Contos Reunidos, no ano passado (2009): reúne ali os livros:  Itinerário (1974  e 1990), Tempos de Mula Preta (1981 e 2000) e Punhalzinho Cravado de Ódio (1986). "Vasto Abismo" é outra de suas obras que me vem a memória, não só pelo forte e poderoso título, como pelo mergulho profundo na consciência universal  do ser, misto de sentimento e sabedoria que só a arte tem o condão de transluzir.  Tomara que um dia as editoras - (ainda existem?) - do Sul (onde é isto?) tomem conhecimento do que nunca deveriam ter deixado de conhecer: a obra de Nilto. Enquanto não, os amigos o lêem e reconhecem muito bem esse  cara "legal" que, por destino, é escritor e se chama NILTO MACIEL.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nilto Maciel,

Você é um escritor de muito talento, fiel a si mesmo e à vida, poeta e prosador. Merece ser reconhecido de note a sul do país. Mas infelizmente quem nasce no Nordeste, quando chega no Brasil (o Sul, no dizer de Lula, Roussef e cia.) não é reconhecido nem recebido como brasileiro bem nascido. Daí, a idéia de que só é bom que nasce por lá, embora venha, algumas vezes,matar a fome e a sede de boa literatura nos daqui: José de Alencar, Raquel, Da Costa e Silva, H. Dobal, Torquato Neto, Manuel Bandeira e tantos outros.
Somos nordestinos, sim senhor, e bons em tudo, inclusive poetas e escritores.
Aliás, acho que no sul tem poucos poetas comparáveis com os nordestinos.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Nilto Maciel,

Adorei te conhecer e saber que és solidário para com os novos escritores, seu gesto é sublime e com certeza tem grande importância para os que lhe procura.



Rabiscos uns tempos literários, coisas minhas mesmos, não me intitulo Poeta, apenas sou um aprendiz literário, um poeta iletrado que por meio de Carlos Drummond de Andrade passou a permitir seu eu expressionista florir qual o beija-flor ao tocar o néctar do verbo amar do seio de uma flor.

Quando der passe pelos meus blog's, mas não se preocupe em emitir notas, apenas queria que também tivesse acesso a um jovem espírito expressionista de 37 anos que por obra das desigualdades socioeconômica e Socioeducacional, apenas rabisca versos silenciosos.

http://mecanismodavidaconsciente.blogspot.com/

http://www.myspace.com/mineirim_das_gerais

http://apedagogiaentreodizereofazer.blogspot.com/2011/04/tragedia-de-realengo.html

Abraços fraternos e mineirins!!!

Mineirim das Gerais
Wellington Bernardino Parreiras
18/04/2011
13:51

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