quinta-feira, 15 de julho de 2010

A SAGA DE UM PIONEIRO - EUCLIDES BORGES DE MOURA

BIOGRAFIA DE UM PIONEIRO             

João Erismá de Moura*


Dedico esta homenagem, escrita como depoimento pessoal, ao meu pai, Euclides Borges de Moura, nascido a 30 de outubro de 1925, em Francisco Santos – Piauí e falecido em 25 de fevereiro de 2008, em Santo Antônio de Lisboa, Estado do Piauí, com 82 anos de idade.

Meu pai chegou a Brasília no mês de fevereiro de 1960, já na fase de preparação para inauguração da nova Capital. Encontrou-a como se fosse um verdadeiro canteiro de obras. Foi recebido pelo pioneiro, conterrâneo e amigo José Antônio de Barros (João Piauí) a quem o acolheu, juntamente com outros aventureiros piauienses, com muita satisfação e hospitalidade. Este conterrâneo foi uma espécie de anfitrião de boa parte da colônia nordestina, função que o meu pai passou a exercer, posteriormente, ao lado de sua esposa Rosa da Rocha Moura. Chegou a receber o apelido carinhoso de “Seuclides ou Papai Véio”. E nossa casa era uma rodoviária acolhendo boa parte dos piauienses que aqui chegavam.

Euclides trabalhou pesado durante um ano, guardou algumas economias, remeteu-as à sua esposa que havia ficado no Piauí, convidando-a para que viesse tentar a sorte na Capital Brasileira. Esta era a rotina dos pioneiros nordestinos. Primeiramente, chegavam, enfrentavam as dificuldades oferecidas pela cidade e depois buscavam seus familiares.

No início chegou a trabalhar na construção civil ajudando a erguer os primeiros edifícios na cidade que começava a ser construída e crescer com o objetivo de se preparar para a inauguração que viria a ser realizada no dia 21 de abril de 1960.



No ano seguinte foi a vez de mais uma epopeia a ser submetida à família Moura, com a viagem da esposa Dona Rosa e seu filho mais novo, Manoel Cícero de Moura, na época, com sete anos de idade com destino a Brasília. Juntamente com eles vieram outros piauienses, entre os quais o amigo Expedito Antonio de Barros e família. Naquele tempo os nordestinos se locomoviam em grupos, partindo dos mais longínquos recantos, com a finalidade de estabelecer residência e tentar uma vida nova e cheia de aventuras na cidade que se iniciava.

Naquela época os três vieram a residir num barraco de madeira, composto de três cômodos, num aposento simples, terreno pertencente a outro conterrâneo, chamado Cícero, casado com uma baiana, Dona Ana, sem filhos, um casal acolhedor e solidário. Residiram, inicialmente, na Quadra 09, Conjunto B, Lote 04 em Sobradinho, uma das sete cidades satélites existentes no início de Brasília. Além desta cidade já existiam o Núcleo Bandeirante, antes denominado Cidade Livre, onde tudo começou no Planalto Central, e mais Taguatinga, Gama, Paranoá, Planaltina e Brazlândia, estas duas últimas já pertencentes ao Estado de Goiás, antes mesmo do início da capital, desmembradas que foram vieram a se integrar ao Distrito Federal. Hoje, são denominadas Regiões Administrativas, num total de trinta cidades.

Numa terceira etapa de transferência da família para Brasília, já em junho de 1962, Euclides se deslocou até o interior do Piauí com o objetivo de buscar o casal de filhos que lá permaneceram: Francisca da Rocha Sousa (filha apenas de sua esposa, Rosa, viúva do primeiro casamento) e João Erismá de Moura, com o propósito de residirem definitivamente na nova capital, numa reunião familiar. A enteada, já com dezessete anos de idade, preferiu permanecer no Piauí, vindo, a seguir, contrair núpcias com Albertino João de Sousa.
Nas cidades satélites, a grande maioria das residências era constituída de um barraco de madeira, composto de dois ou três quartos, suspenso numa espécie de assoalho de tábuas, no quintal um poço artesanal, com poucos metros de profundidade, pois a água era abundante em toda a região e na outra extremidade existia uma latrina ou “casinha”, assim chamada, onde os moradores faziam suas necessidades fisiológicas e tomavam banhos. É óbvio que os mais abastados dispunham de melhores condições de moradia e conforto. Neste ambiente simples e carente fui criado até a minha maioridade, tendo adquirido minha primeira habitação em 1975, já na cidade satélite de Taguatinga-DF. Nesta ocasião meu pai construiu uma casa de alvenaria, com três quartos e razoável conforto, em Sobradinho-DF onde morou com a família por muito tempo, vindo a fixar sua residência final no interior do Piauí, seu reduto escolhido por livre e espontânea vontade, para descansar, longe da cidade grande, nos últimos dez anos de vida.

Na cidade que se construía era observado naqueles tempos uma resistência muito grande com relação à mudança e consolidação de Brasília como nova Capital da República. O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira pagou um preço muito alto pelas críticas e demonstração de desprezo e desconfiança, apresentadas por alguns indivíduos incrédulos, duvidando de que Brasília viesse a ser verdadeiramente a Capital do Brasil. Muitos políticos, a maioria da bancada da UDN – União Democrática Nacional, partido oposicionista, entre eles, Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Otávio Mangabeira, João Vilasboas, José Bonifácio, Leonel Brizola, este do PTB e dezenas de outros menos influentes, além de escritores como: Gustavo Corção, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, alguns artistas e principalmente jornalistas como: David Nasser, Paulo Bittencourt, Assis Chateaubriand, Roberto Marinho e Orlando Dantas que combatiam diária e duramente a futura transferência da Capital Federal para Brasília. Até mesmo o compositor Billy Blanco fez um samba, gravado pelo grupo Os Cariocas, intitulado “Não vou pra Brasília”. É claro que os adversários da mudança não queriam deixar de lado os benefícios e confortos oferecidos pela Cidade Maravilhosa para enfrentar as dificuldades, intempéries e condições inóspitas da nova cidade. Sendo assim, existiam movimentos contrários em vários segmentos da administração pública, de parlamentares, imprensa e empresários.

Nadando contra a maré, um grupo de patriotas e abnegados brasileiros, com a firmeza e determinação do presidente Juscelino Kubitschek, acompanhado por Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Israel Pinheiro, não escutava as críticas, muitas delas injustas e trabalhavam dia e noite na construção da cidade com o propósito de inaugurá-la no dia 21 de abril de 1960, o que foi cumprido plenamente.
O presidente Juscelino foi obrigado a estimular os servidores públicos lotados no Rio de Janeiro a se transferirem para Brasília. Criaram-se diversas regalias, como a famosa “dobradinha”, gratificação salarial que duplicava a remuneração dos funcionários que fossem prestar serviço em Brasília, incentivos funcionais e disponibilidade de residências e prédios na cidade para abrigar servidores e a máquina administrativa. É verdade que boa parte dos trabalhadores viera com um sentimento de revolta e criticava diariamente as condições de moradia reinantes na nova cidade. Mais isso foi questão de tempo. Posteriormente, a população radicada em Brasília não sentiria mais nenhuma falta do bem estar das cidades sulinas, posto que nossa capital, com um dos maiores índices de qualificação de padrão de vida no país, seria o seio onde acolheria qualquer brasileiro que precisasse de emprego e moradia digna para a sua sobrevivência, sustento e realização profissional.
Já na época da edificação de Brasília a cidade crescia assustadoramente, aumentando-se o contingente de cidadãos que chegavam diariamente à nova capital em busca de trabalho, progresso e melhores condições de vida. Era um verdadeiro canteiro de obras em toda parte do Distrito Federal. Nos famosos acampamentos se viam empresas construindo, aceleradamente, prédios, casas, lojas, escolas e monumentos. A população aumentava e com ela os problemas de infra-estruturas, carência de escolas e crescimento dos problemas urbanos, entre eles a criminalidade, até então muito raro. Os chamados candangos eram pessoas alegres, hospitaleiras, pacíficas e trabalhadoras. Os primeiros delitos se iniciavam geralmente por confusões causadas por excesso de alcoolismo, conquista de alguma mulher, coisa raríssima na cidade, ou por disputa do poder no território de cada habitante. O estigma do nordestino “cabra macho” ficou marcado desde então. Este foi o cenário que encontramos no início da construção de Brasília, um mundo diferente do atual, onde cada morador queria apenas sobreviver dignamente utilizando-se da única ferramenta apropriada, ou seja, seu trabalho, derramado em gotas de suor e grandes sacrifícios com um único objetivo: construir a Capital do Brasil.

Até hoje a Capital da República continua dando tratamento igualitário, bom e humano para os brasileiros e estrangeiros que aqui chegam. É a cidade brasileira mais democrática que se conhece. Desprovida de qualquer preconceito, onde cada cidadão exerce em sua plenitude os seus direitos e reconhece seus deveres, principalmente por não existir a discriminação dada às raízes familiares existentes na maioria dos estados. No interior brasileiro é comum avaliar-se uma pessoa pelo seu sobrenome, por sua arrogância demonstrada ou pelo poderia econômico. Em Brasília isso pouco interessa. É realidade que aqueles que vieram com o objetivo de crescer, estudando, se preparando profissionalmente e submetendo-se a concursos públicos, tiveram e terão sempre êxito em suas empreitadas.

O crescimento intelectual e profissional de seus moradores é proporcional ao desempenho, dedicação e esforço imprimido por cada brasiliense. As exceções ficam por conta dos políticos que aqui chegam, sem serem convidados, vindo de outras paragens e enxovalham a imagem de nossa bela capital, muitos deles trilhando o caminho da corrupção, usurpação de funções e exercício de comportamentos condenáveis. Seus moradores pagam um alto preço por residirem nesta cidade, tendo em vista as críticas generalizadas e injustas recebidas de pessoas que pouco conhecem a realidade brasiliense, cidade-mãe composta de cidadãos de bem que aqui nasceram ou aportaram em busca de um crescimento intelectual e profissional. Em Brasília o sol nasceu para todos!

Aqui no Distrito Federal nossa família viveu com simplicidade e pouco conforto, embora convivendo entre os primeiros habitantes da cidade num clima de muita harmonia, dignidade, consideração e respeito, princípios fundamentais para a formação de uma comunidade alegre e feliz.

Meu pai, um dos pioneiros da construção de Brasília, por aqui viveu num período de aproximadamente quarenta anos, dedicando-se ao comércio de vidros e reformas prediais.

Retornou ao Piauí no início do novo século, onde desfrutou seus últimos anos de vida com alegria, tranquilidade e sossego, após criar sua família composta de três filhos, dez netos e doze bisnetos.

No final de sua jornada terrena morava numa confortável casa, em meio a um bucólico local, cercado de árvores frutíferas e pequena plantação de cajus, cocos, feijão, melancia, mandioca, manga, pinha, limão, acerola e banana. Continuava gozando da sua liberdade, privacidade e solidão derradeira, objetivos pelos quais lutou a vida inteira. Como companheiros dispunha de um radinho de pilha, sempre em funcionamento, o canto dos pássaros e uma televisão onde gostava de assistir diariamente à Santa Missa.  Agora, ao lado do Pai, descansa eternamente.

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JOÃO ERISMÁ DE MOURA, Advogado, Pedagogo, Escritor e Auditor Federal de Controle Externo do TCU, aposentado. Reside em Brasília-DF desde 13.07.1962.

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