sexta-feira, 14 de agosto de 2009

FETICHISMO, O QUE É ISTO?






Francisco Miguel de Moura*








Não é difícil entender o “fetichismo”. Segundo o Aurélio, vem de “fetiche”, palavra de origem francesa, cuja melhor tradução ao português é “feitiço”, e cujo significado primeiro é “objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta a culto”.

E imaginar que já se escreveram tantos livros, nos dois últimos séculos, que explicam tanto e mais nos confundem!

Baseado em Karl Marx com suas análises do capital e da mais valia, o fetichismo da mercadoria ou, melhor ainda, do trabalho como objeto de troca, é o que faz a festa de teoria tão complexa. Na obra denominada “As Armas Ideológicas da Morte”, de Franz Hinkelammert, Ed. Paulinas, traduzido no Brasil por Luiz João Galo, São Paulo, 1983, vejo claramente o que vem a ser fetichismo, em economia política e teoricamente:

“O objeto da teoria é a visibilidade do invisível e se refere aos conceitos dos coletivos das ciências sociais. Esses coletivos são totalidades parciais como uma empresa, uma escola ou um exército; ou são a totalidade de todas essas totalidades como o é fundamentalmente a divisão do trabalho, em relação à qual se formam os conceitos das relações de produção e do Estado.”

Quando referido Autor se dispõe a exemplificar, então o leitor percebe melhor:” Embora não pareça, é certo que ninguém ainda viu uma empresa, um escola, um Estado, nem um sistema de propriedade. O que se vê são os elementos de tais instituições. O conceito dessas instituições, contudo, refere-se à totalidade de suas atividades e como tal se refere a um objeto invisível. Mas mesmo sendo invisíveis, o homem vê tais objetos. Vê-os como fetiche. E não somente os vê, mas também tem uma vivência deles. Percebe-os como existentes.” Ninguém vê o valor do dinheiro, vê só o dinheiro. Ninguém pensa que ele representa trabalho, pois sem trabalho não se produz nenhuma mercadoria: - o trabalho é a base das relações sociais do homem. Porque nós somos condenados a agir e a fazer. Mas, a partir do momento em que o trabalho do homem foge de sua mão, do seu poder pessoal, torna-se valor de troca, “surge o caráter caprichoso dos produtos agora transformados em mercadoria”. Surge, então, o fetiche da moeda, para a facilidade das trocas. É quando os papéis se invertem e o produtor de mercadorias, o trabalhador que as dominava, passa a ser dominado pelas mercadorias. Há uma ruptura entre produtor e produto, surgindo o mercado e sua ética, que não é a da necessidade de sobrevivência do homem, mas sim a da propriedade privada e do respeito à sua personificação. Eis o mistério da mercadoria. Eis o fetiche. O reino da liberdade, que estaria fundamentado precisamente no trabalho desfrutado com o livre jogo das forças físicas e espirituais, desaba. O mercado é o deus. O dinheiro manda em tudo. Acredita-se, ingenuamente, que a máquina produz por si mesma e se perde a consciência de que as máquinas são trabalho acumulado, alienado; são simplesmente “mais valia”, aquilo que Marx explica ser a parte que o patrão se apropria do trabalhador e não o paga. Por isto é que o Autor citado concorda com a luta pela redução da jornada de trabalho, a fim de que o real produtor de valores recupere parte do que lhe foi furtado pelos empresários e teóricos da empresa e da propriedade privada dos meios de produção.

Só o trabalho produz valores. Tudo mais é mentira, “feitiço”. Esse movimento dos valores, que tem origem inicial no trabalho, deve estar claro na consciência dos homens, do trabalhador em especial, inclusive na hora de praticar a liberdade de negociação com o empregador e da escolha dos dirigentes de um Estado que lhe garanta a liberdade e a democracia.
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Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br

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