sábado, 14 de março de 2009

POEMA NECESSÁRIO / 96 - MÁRIO FAUSTINO


Belo Horizonte, março, 2009.

Edição e promoção: Phrasis Assessoria Texto Consultoria

Esta edição com poemas de MÁRIO FAUSTINO é enviada a 2.305 endereços e em homenagem a PAULO AMADOR (Diamantina / Rio de Janeiro) e a MARIA LÚCIA SIMÕES (Araxá / Belo Horizonte)

1.

PREFÁCIO

Quem fez esta manhã, quem penetrou
à noite os labirintos do tesouro,
quem fez esta manhã predestinou
seus temas a paráfrases do touro,
a traduções do cisne: fê-la para
abandonar-se a mitos essenciais,
desflorada por ímpetos de rara
metamorfose alada, onde jamais
se exaure o deus que muda, que transvive.
quem fez esta manhã fê-la por ser
um raio a fecundá-la, não por lívida
ausência sem pecado e fê-la ter
em si princípio e fim: ter entre aurora
e meio-dia um homem e sua hora.

2.

SONETO ANTIGO
Esse estoque de amor que acumulei
Ninguém veio comprar a preço justo.
Preparei meu castelo para um rei
Que mal me olhou, passando, e a quanto custo.
Meu tesouro amoroso há muito as traças
Comeram, secundadas por ladrões.
A luz abandonou as ondas lassas
De refletir um sol que só se põe
Sozinho. Agora vou por meus infernos
Sem fantasma buscar entre fantasmas.
E marcho contra o vento, sobre eternos
Desertos sem retorno, onde olharás
Mas sem o ver, estrela cega, o rastro
Que até aqui deixei, seguindo um astro.

3.

BRASÃO
Nasce do solo sono uma armadilha
das feras do irreal para as do ser
– Unicórnios investem contra o Rei.
Nasce do solo sono um facho fulvo
transfigurando a rosa e as armas lúcidas
do campo de harmonia que plantei.
Nasce do solo sono um sobressalto.
Nasce o guerreiro. A torre. Os amarelos
corcéis da fuga de ouro que implorei.
E nasce nu do sono um desafio.
Nasce um verso rampante, um brado, um solo
de lira santa e brava – minha lei
até que nasça a luz e tombe o sonho,
o monstro de aventura que eu amei.

4.

HACELDAMA

Meu desespero é fonte onde as lágrimas boiam
sem achar uma esponja, um cálice que as una;
meu canto, esta alimária sob o verbo do tempo,
sobre a língua da morte, entre os lábios do inferno,
Quem não viu essas sombras cavalgando meu fado,
carregando em triunfo as palavras que ergui?
Porque só por um beijo em seu rosto sem mancha
fiz de um saco de prata o meu campo de sangue.
Meu desespero é brejo onde os restos borbulham
do prodígio que fui de penumbra e silêncio.
E ninguém fere a lira e as palavras que acordo
marcham turvas, sem som, rumo à cova do olvido.
É morto, em tumba nova, o meu sonho de vida.
É morto – mais que morto – exilado, sepulto,
feriram-no em seu lado e na linfa que escorre
não há gota de sangue ou promessa de volta.
E eu de amor também morro e maculo meu fim
de mandrágora eleita raiz dessas cruzes
Onde os ramos do espinho e dos figos se anulam.
Que nada chore ou cante aqui, ou que perdoe
a memória do dia, o remorso da aurora:
quando cada sentido negou-se a desistir
de marcar o compasso da parábola;
quando esta boca ao verbo contrafeita
sonhou guardar o estigma de teu ósculo;
quando este olhar sem lume se fechou
à trajetória crua de teus raios;
quando este ouvido abriu-se derradeiro
à nua cessação de teus apelos;
quando estas mãos sem mácula encontraram
o rastro de teus dedos pelos túneis –
oh chama de açafrão, fumo de incenso,
jamais fareis tremer estas narinas!
– Houve turbas e turbas e mais turbas em fuga.
Quem não quer ver aqui a serpente que fui?
Não se envolva em sudários a nudez deste crime
nem pálpebras se baixem sobre o olhar suicida.
Gladiatório, marítimo: na dureza do espaço
final força é pisar com violência.
A cal sobre o sepulcro de meu nome
rouba-me a lenda
um furacão nas ilhas de meu sangue
destrói-me o dia
trombas no mar de lava de meu cérebro
partem-me a gorja
cortam-me o grito
torcem-me o gesto
a vanguarda do não avança e vence
os mercenários físicos debandam –
Fonte de fogo
dá-me essa Glória
Sarça de fogo
dá-me o Poder
Cinza de fogo
dá-me esse Reino –
Carneiro de mortos que ostentas o abismo e ocultas a Vida
oh a promessa!
Carneiro de corpos que exaltas os ossos e oprimes a Carne
oh a miragem!
Carneiro das almas que instalas a treva e expulsas o Espírito
oh armadilha!
Eu vi um bezerro dourado morrer de abandono.

5.

VIDA TODA LINGUAGEM

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno,
/ contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.

______________

JORNALISTA E POETA SIGNIFICATIVO DA GERAÇÃO PÓS-45
É de Teresina, PI, 1930. Conforme biógrafos, MARIO FAUSTINO dos Santos, desde menino, gostava de brincar de escritor. Escreveu, entre os 8 e 10 anos, No Reino da Morte, conto. Cedo também iniciou estudos de Inglês, língua que falava fluentemente. Muda-se para Belém, Pará, 1940, onde estuda o antigo Ginasial. Aos l6 anos, já escreve, nA Província do Pará, editoriais e crônicas sobre Cinema e Literatura. Mais tarde, 1949, está chefiando a Redação da Folha do Norte. Faculdade de Direito até o terceiro ano inclusive. Viagem aos Estados Unidos, 1951, onde demora três anos estudando. Vai a Europa integrando embaixada de estudantes universitários. Ainda jovem e de parceria com Benedito Nunes, filósofo e crítico literário, fundaram a revista Encontro. Em seguida, no BB, edita a página Poesia-Experiência. Diretor-Adjunto do Centro de Informação Pública da ONU, no Brasil.
Morre aos 32 anos em desastre aéreo, num Boing 707, com noventa e sete passageiros, para Los Angeles, madrugada de 27 de novembro, 1962, nas proximidades de Lima, capital do Peru. Foi sepultado com os outros despojos irreconhecíveis. Cada qual é o seu próprio cadáver (só o Mário Faustino não foi cadáver, nunca... Seu jato bateu numa montanha. Tudo se desintegrou, terno, sapatos, obturações, o anel. O poeta, o crítico, o editorialista Mário Faustino morreu e não foi jamais cadáver... (Nelson Rodrigues)
Publicou seu livro de poemas em 1955: O Homem e sua Hora, pela Livros de Portugal, Rio. Ensaios e outros estudos, publicados na imprensa, foram organizados e publicados, postumamente, por amigos, dois livros: Cinco Ensaios Sobre Poesia, Edições GRD, Rio, 1964, Rio, e Poesia-Experiência (estes teoria literária), Perspectiva, São Paulo, 1976. Seu antigo companheiro e amigo, Benedito Nunes, selecionou e publicou Os Melhores Poemas Mário Faustino pela Global Editora, SP, 1985 e 1988, incluindo os títulos: O Homem e sua Obra, com outros poemas e sonetos; Poemas Posteriores; O Poeta Como Tradutor de Ezra Pound.
Entre vários críticos que escreveram sobre sua criação literária, como Paulo Francis, que anota “Ele (MF) acabou com algumas infundadas reputações poéticas e fez a revisão de diversas mais ou menos fundadas, o que lhe valeu não poucas injúrias e campanhas do tacanho meio literário local...” Francisco Miguel de Moura acolhe comentário de Assis Brasil: “Mas (MF) não abandonou a ‘tradição da imagem, a poesia emblemática, simbólica, misto de enigma e catarse, que tem sido a poesia de todos os tempos’, não obstante a sua busca incessante de novas formas e novas estruturas.” O mesmo Assis Brasil, também do Piauí, situa o Poeta Mário Faustino em seu contexto epocal: “É claro que ele, como homem sensível e aberto às novidades, se beneficiou com a eclosão das Vanguardas, não propriamente com a poesia, mas também com a divulgação ensaística feita pelos irmãos Campos através do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Mas Mário Faustino não estava sozinho como partícipe de uma Geração Pós-45, geração esteticamente aparentada desta, no intuito de devolver à poesia o seu lado sacral e emblemático. Os anos 50, 60, 70 encontravam no Brasil o seu melhor momento Pós-Modernista.” Augusto de Campos: “Ligado à melhor tradição da poesia por todo um projeto de didática atuante (‘manter viva a poesia do passado’), vinculado ao mundo lírico-subjetivo por razões afetivas, talvez pessoais, Faustino ainda era o vate, o bardo moderno ávido de magia e profecia...”
Os companheiros de Mário Faustino foram e são Marly de Oliveira, Foed Castro Chama, Walmir Ayala, Lélia Coelho Frota, Carlos Nejar, Gilberto Mendonça Teles, Telmo Padilha, Luiz F. Papi, Jorge Tufic, numa abrangência nacional, entre outros.
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Anotações biográficas e escolha de poemas:

Paschoal Motta paschoal.motta@gmail.com http://www.paschoalmotta.zip.net/
e
Francisco Miguel de Moura (franciscomigueldemoura@superig.com.br http://cirandinhapiaui.blogspot.com http://franciscomigueldemoura.blogspot.com

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