sábado, 27 de dezembro de 2008

NATAL É AMOR



Francisco Miguel de Moura*


Quando esta pequena crônica for publicada e estiver sendo lida por você, caro leitor, o Natal físico já se foi. Não importa. O Natal não é para ir-se, é para ficar nos corações. O espírito do Natal é o de nascimento, ou do renascer, mas também o de eternidade. Não pode ser é o do comércio, o do "presente", o do consumismo. Deve se do ecumenismo, do universo de que participamos e somos criaturas privilegiadas.

Natal é amor. Portanto, estes são os meus votos: amor, carinho, paz e sinceridade.

"O amor", como bem nos disse o poeta russo Joseph Brodski, "é, em essência, uma atitude mantida pelo infinito em relação ao finito. O contrá
rio constitui a fé, ou então a poesia."

Não há que duvidar: fortes são os que amam, são os deuses. Os mortais, quando muito, têm uma religião ou escrevem poesia. De qualquer forma, são caminhos válidos. Qualquer luz alumia, qualquer estrela por menor que seja pode guiar um homem na escuridão.

Essas reflexões em mim se ampliam. Natal é a festa da família. Reúnem-se pais e filhos, irmãos e cunhados, mães e sogras, primos e primas, sobrinhos, outros parentes mais próximos, por sangue ou por convivência, todos no desejo do reencontro, da comunicação, das mensagens. Às vezes surgem ressentimentos, queixas, pendengas, mexericos, barulhos. É normal. Pior seria se não fossem francos, guardassem as queixas, invejas, ódios, ressentimentos, os disse-que-disse, trancados em si, queimando a alma por dentro. Natal não é representação, é verdade. Representação, símbolo é o sino que toca. Natal é ocasião de emoções, de desprendimento e de perdão. E então há risos e alegrias, mas pode haver tristeza e choro. A vida é mistura de prazer e dor, mais prazer do que dor. Quando esta supera, sobrevém a morte - contrafação da vida. Contesto a reencarnação, mas não o ensinamento de Cristo de que "morrer é viver eternamente, é nascer para o espírito, para Deus." "Creio na ressurreição da carne, na vida eterna" é como os cristãos rezam no Credo. Vivamos como se isto não precisasse ser posto em dúvida, e viveremos melhor.

Mas a reflexão maior, repito, mais abrangente, essencial é sobre a família. Há pessoas metidas a inteligentes, cultas, moderninhas, que debocham do amor, do casamento e da família.

- Ah, não me caso nunca, casamento é caretice dos velhos tempos de meus pais.

Depois, vemo-los juntos com alguém, "amancebados" - como se dizia outrora. E então perguntamos:

- E o que é isto? Não é uma família?

Há outros, principalmente filhos machos, que moram eternamente com a mãe. Mas, se ela morre, entram em depressão, desespero. Cadê o homem?

É por isto que o mundo vai como vai. A família gera amor, na família ele cresce e se multiplica. Sem amor não se vive, é a água que rega da planta do pé ao último fio de cabelo. Os pais dão amor aos filhos e vice-versa, sem necessidade de que uns sejam propriedade dos outros. "Amar é libertar", esclarece um pedagogo cujo nome esqueci. Que amor pode ter o filho sem mãe nem pai, sem um lar? Que bom sentimento? Nenhum. Não precisa ser um lar pelo sangue - pode ser de convivência, educação e amor verdadeiros. O futuro "monstro" que se formará com a educação "sentimental" das ruas, no vácuo de carinho e na companhia da maldade e da violência, não pode oferecer o que não recebeu, o que não possui.

Desconhece o Natal, por mais "presentes" que ganhe, quem é mau, invejoso, sem consciência, sobretudo os malvados. O "presente" é apenas um símbolo. Se não existe a coisa simbolizada, o símbolo é uma mentira, um vazio. O Natal materialista/consumista é que estraga o verdadeiro espírito natalino. Transforma o espírito de Deus numa atitude mecânica de dar "presentes" pensando em receber mais, como se fosse tudo um grande comércio e nós todos uns autômatos.

E nessa pendenga da vida, cheia de percalços sempre, nos dias e nas noites de Natal, nas outras noites, apeguemo-nos a alguns símbolos, a algumas criações. O poeta Murilo Mendes (1901-1975), com "Poesia da Liberdade", nos socorre: "É preciso reunir o dia e a noite, / Sentar-se à mesa da terra com o homem divino e o criminoso, / É preciso desdobrar a poesia em planos múltiplos / E casar a branca flauta da ternura aos vermelhos clarins de sangue. // Esperemos na angústia e no tremor o fim dos tempos, / Quando os homens se fundirem numa única família, / Quando se separar de novo a luz das trevas / E o Cristo Jesus vier sobre a nuvem, / Arrastando por um cordel a antiga Serpente vencida".

Só então teremos o amor pleno,absoluto e eterno.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor, membro da Academia Piauiense de Letras e ex-membro
do Conselho Estadual de Cultura.

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